Saudações, aventureiros e aventureiras.

Depois de um grande hiato, que possivelmente vai perdurar por mais alguns meses, volto para falar sobre um RPG que conheci recentemente.

Seu criador, Alexandre Jeannette, é conhecido pela publicação de RPGs em francês e em inglês, especialmente Black Sword Hack, Rats in the Walls e Extinction.

Fléaux! (pronuncia fliô) é um RPG de fantasia barroca, onde os personagens tentam sobreviver em um mundo perigoso. Esses zé-ninguém começam o jogo acusados de algum crime, razão pela qual tiverem que fugir de seus lares. Para quem pensa em jogar uma campanha, já dá muito pano para manga, seja o personagem culpado ou não.

Sua capa evocativa me lembra RPGs de fantasia estranha, como Lamentations of the Flame Princess e a arte de seu interior me faz pensar em jogos eletrônicos como Dark Souls e Bloodborne, embora essa possa ser uma impressão que só eu tenha.

“Essa noite sangramos, mas amanhã seremos ricos”

A seguir faço um passeio pelos capítulos do livro, com os tópicos que me chamaram mais atenção, e não é pouca coisa, embora o livro tenha apenas 110 páginas.

ATRIBUTOS

Força, Destreza, Erudição, Carisma, Coragem, Combate e Disparo compõe os atributos básicos. Para definí-los o jogador joga 2d6 para cada atributo, e o resultado fornece um valor correspondente entre 8 e 13 para o atributo, como mostra a tabela abaixo:

Dado02-0304-0506-0708-0910-1112
Valor080910111213
Valores obtidos nos dados e os valores correspondentes do atributo.

ORIGEM

Seis origens estão disponíveis para os personagens: anão, elfo, halfling, humano, goblin e ogro (na verdade uma linhagem de ogros). Quando escolhida a origem, o personagem joga 1d6 para determinar onde ele cresceu ou foi educado, recebendo +1 em um atributo de acordo com a jogada.

A criação da personagem segue com a determinação de um crime do qual ela foi acusada, uma jogada de d20 que diz a razão pela qual ela fugiu de seu lar.

PROFISSÃO

Para sobreviver longe de casa, o personagem precisou confiar em alguma coisa e isso orienta a profissão do personagem. Elas podem confiar em sua Criatividade (ladrão, mensageiro, charlatão, caçador de ratos, contrabandista ou ladrão de tumbas), Isolamento (lenhador, pastor, batedor, hermitão ou coveiro), Violência (mercenário, caçador de recompensas, lutador, duelista, valentão ou guarda-costas) ou Conhecimento (cirurgião, aprendiz de feiticeiro, herbalista, intérprete, cronista ou administrador).

Cada uma dessas profissões concede +1 em um atributo e alguma vantagem.

Toques finais

Os pontos de vida (PV) do personagem é igual ao valor de Forca.

De forma geral todas as armas causam a mesma quantidade base de dano 1d6, com ataques desarmados provocando 1d4 de dano.

A Força de Vontade é uma característica exaurível, ou seja, possui um dado de uso, e quando testada pode ter seu número de usos reduzido. Os personagens começam com d6.

PROGRESSÃO

Os personagens progridem até o décimo nível e a partir do segundo ganham um ponto de vida por nível até o nível 9; +1 em um atributo nos níveis pares; um talento nos níveis 3, 7 e 9; uma nova profissão no nível 5; e o dado de Força de Vontade aumenta para d8 no nível dez.

EQUIPAMENTOS

A seção de equipamentos é aberta com uma mensagem sobre custo de vida. No início de cada aventura os personagens precisam pagar um valor em moedas (shillings) igual a sua Força para cobrir os custos de seus gastos entre as aventuras. Caso eles não consigam pagar, precisam fazer empréstimos ou fazer um trabalho para conseguir o valor. Não preciso nem dizer que isso dá margem para mais aventuras, inclusive, solo.

O SISTEMA

Jogadas

Para que uma jogada seja bem sucedida o jogador precisa obter um valor menor do que o valor de atributo do personagem. Não é menor ou igual. É menor.

Valores maiores ou iguais ao atributo representam uma falha ou um sucesso com custo (PBTA eu o reconheço aqui).

Ações

Em um turno os personagens podem se mover e realizar duas ações, mesmo dois ataques, mas para isso precisam testar a Força de Vontade caso realizem duas ações iguais, como atacar por exemplo, ou se movimentar mais uma vez.

Obter 1 no dado é considerado um sucesso crítico, enquanto 20 é sempre uma falha crítica.

Em combate, um sucesso crítico significa que o personagem causa dano máximo e joga um dado extra de dano, enquanto uma falha crítica engatilha um teste de Força de Vontade, o que pode ser bem ruim.

Testando Força de Vontade

A Força de Vontade mede a capacidade que um personagem tem de sobrepujar o medo e a exaustão e caso esse recurso seja exaurido (o personagem fique sem dados de uso), ele pode ficar sujeito a um ataque de pânico.

Esses testes são feitos quando:

  • o personagem realiza a mesma ação duas vezes em um turno;
  • usa um talento que requeira um teste de Força de Vontade;
  • falhe crítico em um teste de atributo.

Além disso, é possível queimar Força de Vontade. Para fazê-lo, ele teste Força de Vontade e o resultado obtido é subtraído do teste de atributo. Isso causará uma redução automática do dado de Força de Vontade.

Quando exaurida a Força de Vontade, o personagem faz um teste de pânico, uma jogada de d6 cujos efeitos podem chegar a um ataque cardíaco, podendo levar o persogem à morte.

Pânico

A exposição a situações amedrontadoras pode fazer com que o personagem precise testar sua Coragem. Caso falhe, o jogador pode fazer um teste de Força de Vontade para tentar continuar agindo normalmente, ou simplesmente fugir.

Uma falha crítica resulta em um teste de pânico imediato.

O combate

O combate funciona de uma forma que me agrada particularmente, pois traz um sistema golpe a golpe, com trocação que envolve ataque e defesa.

Em combate próximo o personagem testa Combate, enquanto para ataques à distância é testado o seu atributo Disparo. Com um sucesso, o personagem causa dano armado (1d6) ou desarmado (1d4) na vítima, enquanto um sucesso crítico o dano causado é o máximo mais um dado, ou seja 6+1d6 ou 4+1d4 para ataques armados e desarmados respectivamente.

Mas ainda é possível turbinar esse ataque com alguns efeitos. Se o jogador desejar fazê-lo é só testar a sua Força de Vontade e se o ataque for bem sucedido ele pode aplicar um dos seguintes efeitos:

Carniceiro: adiciona o resultado do teste de Força de Vontade ao dano;

Desarmar: se for fisicamente possível, desarma o inimigo;

Redemoinho: inflige dano em todos próximos (amigos e inimigos).

As ações defensivas envolvem Aparar e Esquiva. A primeira é feita com um teste de Combate e a segunda com um teste de Destreza. Ataques a distência só podem ser esquivados.

Um sucesso crítico de Defesa significa que o personagem pode causar dano imediatamente no inimigo (se o ataque original foi um ataque corpo a corpo).

Uma falha significa que o personagem sofre dano, de acordo com a descrição do inimigo.

Uma falha crítica no teste de Defesa significa que a armadura que esteja usando não reduz o dano, e o personagem precisa fazer um teste de Força de Vontade.

Armaduras, escudos e armas de duas mãos

Armaduras reduzem o dano sofrido em 1 (armaduras leves) e 2 pontos (armaduras pesadas).

Escudos concedem vantagem em testes de Aparar (jogue o dados duas vezes e escolha o melhor resultado), enquanto armas de duas mãos concedem vantagem nas jogadas de dano.

Pontos de vida

Quando um personagem do mestre fica com 0 PV eles morrem, quando um personagem do jogador cai a zero pontos de vida ele cai e no final da batalha ele joga 1d6 na tabela de Indefeso, podendo sofrer alguns efeitos, como cicatrizes e perda de atributos permanentemente, ou mesmo morrer.

Nos casos em que o personagem não morre (1-5 em 1d6), ao final da batalha ele recupera automaticamene 1d4 pontos de vida.

Recuperando-se

Descansos curtos e longos são usados para que os personagens se recuperem. Os primeiros são descansos de 1 hora que permitem que o personagem recupere uma quantidade de pontos de vida iguais a Força/2 (arredondado para baixo). Somente um descanso curto pode ser feito por dia.

Um descanso longo dura seis horas e os personagens recuperam todos os seus pontos de vida. Alguns talentos e o dado de Força de Vontade também são recarregados durante um descanso longo, mas esse tipo de descanso só é possível em locais seguros e civilizados para que se possam se beneficiar de um descanso longo. Nos ermos, um descanso longo terá os mesmos efeitos de um descanso curto.

Armas de fogo

Armas de fogo existem no cenário, afinal, o mesmo trata de uma ambientação entre os séculos 17 e 18. E essas armas são poderosas… e muito perigosas.

Apenas pistolas, mosquetes e bacamartes estão disponíveis e elas são limitadas a apenas um uso em batalha.

Uma falha crítica no uso dessas armas implica que ela explodiu em suas mãos e você recebe o dano, enquanto um sucesso crítico, se o alvo for humano de mesmo nível que o do personagem ou menor, ele morre instantaneamente, de outra forma, aplica-se a regra normal para críticos em batalhas.

Uma regra muito interessante, e opcional, é que caso a arma seja disparada em ambientes fechados, a quantidade de fumaça gerada é tão grande que obscurece a visão e faz com que todas as ações de combate naquela região sofram desvantagem.

Um aspecto curioso é a utilização de magia das runas nas armas de fogo. Elas não podem aumentar a quantidade de disparos por batalha e melhorar sua confiabilidade, mas dentre os efeitos possíveis estão sempre acertar o alvo ou infligir 1d12 de dano no alvo e 1 de dano no atirador devido ao poder do disparo.

MAGIA

E também temos magia presente no jogo e fazê-la não é fácil.

O feiticeiro precisa fazer um teste de Força de Vontade (o negócio já começa a ficar ruim), caso essa não seja a primeira magia conjurada naquele dia, o teste é feito com desvantagem, e um resultado 1 no dado de Força de Vontade pode ocasionar efeitos indesejados, descritos na magia.

Se o dado de Força de Vontade for exaurido depois de conjurada a magia, o personagem pode sofrer uma Vingança do Caos.

Essa dificuldade em conjurá-la faz com que os feiticeiros não compartilhem seus segredos e que seus grimórios sejam muito bem protegidos, o que leva os personagens que desejam aprender novos feitiços a aventuras particularmente perigosas.

A Vingança do Caos provoca reveses que podem impedir que novas magias sejam conjuradas até o dia seguinte, até que uma criatura de outro plano invada este mundo e leve o conjurador para seus domínios (mais aventuras)

Uma coisa interessante é a possibilidade de usar pontos de vida para modificar a jogada de Força de Vontade, na proporção de 1 PV por +1 de bônus.

A lista de magias conta com 25 feitiços, não divididos em níveis e conta com efeitos bem interessantes, por exemplo:

Cantiga Sombria: o seu alvo perde a consciência. Um resultado de 1 no dado de Força de Vontade significa que o o alvo nunca mais acordará.

Maldição do silêncio: o alvo não pode mais falar. Um resultado 1 no dado de Força de Vontade torna o efeito permanente.

Vampiro: se você conseguir acertar o alvo, você rouba d6 pontos de vida dele, que reabastecem os seus (sem fazer com que eles excedam o seu máximo). Com um resultado de 1 no dado, o alvo morre.

Além dessas magias, existem ainda 12 feitiços que podem ser usados por pessoas menos versadas na magia, como por exemplo:

Mapa do Homem Morto: o sangue de um homem morto desenha um mapa que indica a localização aproximada do assassino.

Saco de pulgas: o feiticeiro pode se transformar em um cachorro, mas ele só retorna a sua forma original ao por do sol (se a magia for conjurada durante o dia) ou no nascer do sol (se conjurada à noite). Os pontos de vida não mudam e ele só pode morder (usando o seu dano desarmado) e latir.

Poções Alquímicas

Também existem opções para poções alquímicas, que podem ser preparadas com até 3 ingredientes. A criação dessas poções cabem exclusivamente aos jogadores, sendo apresentada uma tabela com guias gerais para que se possa criar esses itens.

IngredientesBônusDano/CuraDado de UsoLuzMedicina
1+1d4d4TochaResfriado
2+2d6d6FogueiraPneumonia
3Vantagemd8d8PiraPraga
Guias gerais para criação de poções alquímicas

Um personagem que queira, por exemplo, criar uma poção que lhe conceda +1 de bônus em jogadas de Combate com d6 dados de uso, precisaria de 3 ingredientes.

Itens encantados

Os itens encantados são descritos muito brevemente, sendo também fornecidas linhas gerais sobre o que eles são. É recomendado que um personagem tenha no máximo um ítem encantado e que o grupo tenha no máximo dois itens dessa natureza.

Alguns exemplos incluem armaduras, que concedem vantagem na jogada na tabela de Indefeso e armas dedicadas, que sempre causam dano máximo em um tipo de criatura (vampiros, desmortos etc.).

BESTIÁRIO

E o livro traz também as estatísticas de 80 criaturas para se oporem aos aventureiros, bem como orientações para que o mestre crie novas criaturas ou modifique as já existentes.

AVENTURA

Depois de explicar como funciona o sistema, o livro traz uma aventura muito interessante, que começa com os personagens sendo levados para uma prisão que está sofrerá um cerco de bárbaros. A aventura é rápida, mortal e muito desafiadora, mostrando como deve ser uma aventura de Fléaux!

IMPÉRIOS, REINOS E OUTROS CASTELOS FEITOS DE AREIA

O último capítulo do livro traz um mapa e uma breve descrição de localidades e história dos impérios, com ideias de aventuras, que podem ser usadas com jogadas de d6 e imagens evocativas.

MINHAS IMPRESSÕES

Fléaux! foi sem dúvida um achado e quero muito testá-lo.

O seu sistema de regras mistura elementos clássicos com mecânicas modernas, como dados de uso e vantagem, o que pode criar um tempero todo especial.

Disponível na DriveThruRPG ao preço de 10 dólares pode ser um bom investimento para quem procura algo com um sabor old school e com mecânicas modernas, embora esperar por uma promoção possa valer muito a pena.

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Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.