(Mestre) A porta que vocês acabaram de abrir dá acesso a uma sala ampla, mobiliada como um escritório. Uma rápida olhada pela sala revela mais duas portas, uma em frente e outra do lado esquerdo. (Jogador) Faço um teste de Procurar para ver se encontro alguma coisa interessante na sala.

Em minhas mesas, esse tipo de situação se tornou corriqueiro depois que começamos a jogar sistemas que possuíam perícias que permitiam uma exploração geral da sala. Mesmo que a descrição da perícia dissesse que a jogada de perícia se restringia a uma determinada área e demoraria um determinado número de turnos, muitos mestres optavam por uma jogada que abrangia toda a sala.

Não incomum também, era o fato de que os jogadores, sempre pediam para fazer o mesmo teste, caso o primeiro jogador obtivesse um resultado baixo nos dados, ou o mestre dissesse que ele não havia encontrado nada. Encontrar alguma coisa na sala passou a ser então, um exercício de jogada de dados.

Quando comecei a narrar Lamentations of the Flame Princess, voltando à essência dos meus primeiros jogos da caixa vermelha de D&D ou das aventuras de AD&D, percebi que os jogadores que já estavam habituados a jogar comigo, se assustaram. Eles próprios haviam se esquecido de como fazer aquilo, de como procurar detalhes em uma sala, em um jogo de descrição de cenários.

Quando estamos jogando um jogo de vídeo game, é muito fácil parar e observar os detalhes da sala. Em alguns jogos tentamos interagir com os itens presentes ali e dessa forma conseguimos encontrar passagens secretas, armadilhas, etc. Nestes mesmos jogos, se não observamos atentamente os detalhes, deixaremos passar tudo… ou a maioria das coisas.

Quando descrevemos uma sala de RPG, podemos fornecer todas as informações aos jogadores, assim que suas personagens entrem na sala, ou podemos fornecer inicialmente, apenas o essencial.

“A sala está mobiliada como escritório e existem mais duas portas.”

Essas informações são aquelas que as personagens observam assim que entram na sala. Pode ser que elas não desejem explorar o ambiente e isso bastaria. Por exemplo, se eles estivessem perseguindo alguém pelas várias salas do local e chegassem e esse local, ou eles continuariam a perseguição ou teriam que se deter ali por mais tempo, em busca de mais informações.

Quando passamos rapidamente por um local, muitas informações são perdidas, e um teste de perícia, não ajudaria muito, a não ser que se tratasse de algo intuitivo, ou quase mágico. Como uma personagem que corre por um corredor, carregando um cintilômetro. Ao passar correndo por um local, o equipamento acusaria a presença de radiação, mas a menos que a personagem se detenha no local para investigar onde está a fonte emissora, ele não terá mais informações.

Por outro lado, caso as personagens fiquem na sala, e desejem explorá-la, mais informações podem ser obtidas. Então, passamos de um nível de entrega de informações essenciais, para informações pormenorizadas. Contudo, essas informações não deveriam ficar a cargo de uma jogada de dados, com possibilidades de falha, afinal, se me dedicar tempo suficiente em uma sala, poderia desvendar todos os seus segredos.

Algumas pessoas podem argumentar, e com razão, que eu poderia emular isso, escolhendo 10 por exemplo, ou jogando com vantagem, mas novamente, a ideia é fornecer o nível de detalhamento de acordo com o que os jogadores querem, como consequência das perguntas que fazem, e não a partir de uma de uma jogada de dados ou outra mecânica própria do jogo.

Essas informações pormenorizadas seriam então fornecidas a partir dos estímulos oferecidos pelos jogadores.

(Jogador) Que móveis estão na sala? (Mestre) Uma escrivaninha de madeira, sobre a qual repousam papeis espalhados aleatoriamente. Há também duas cadeiras de madeira com espaldar alto, uma de cada lado da mesa. (Jogador) O que está anotado nos papeis? (Mestre) Uma olhada rápida parece indicar movimentações financeiras, com alguns nomes e valores em libras. (Jogador) Alguma coisa chama atenção na mesa, além dos papeis? (Mestre) Há uma mancha escura em um dos cantos da mesa, que pouco se destaca, devido a diferença de coloração. (Jogador) Eu cheiro. (Mestre) A mancha tem um cheiro ferruginoso.”

Existem detalhes que poderiam passar completamente despercebido pelas personagens, e consequentemente pelos jogadores, caso eles não exigissem o detalhamento. Isso contudo, é muito realista. Se entrarmos em um local, só nos daremos conta de detalhes, se estivermos efetivamente procurando por eles.

Não é incomum entrarmos em locais, eu pelo menos sou assim, e sequer olho para cima, coisas que podem fazer toda a diferença para um aventureiro, explorando as ruínas antigas de um esgoto, onde a possibilidade de existência de criaturas que rastejam pelo teto e emboscam criaturas das quais se alimentam.

Embora as regras dos RPGs modernos permitam que uma jogada revele uma série de informações sobre o local, através de perícias com Observar, Procurar, Investigar, sugiro que deem uma chance a essa forma mais interativa de detalhamento de ambientes, que resgata as raízes do RPG, onde essas perícias não existiam e toda a interação com o ambiente eram feitas exclusivamente na base da interação dos jogadores com o mestre.

Para quem já utiliza essa técnica, deixa aí nos comentários qual o sistema que utiliza, se sentiu alguma dificuldade quando começou a narrar dessa forma e como os jogadores reagiram. Foi algo natural? Eles estranharam?

Até o próximo artigo.

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Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.