Desde os primórdios do D&D, uma parte da diversão do jogo era o tesouro. A espada +5 vorpal, anel dos três desejos, ou mesmo a vingadora sagrada para os paladinos, sempre foram altamente desejados e festejados quando obtidos. Indo um pouco além, existiam os itens amaldiçoados – que foram deixados de fora na quarta edição – e os artefatos, itens tão poderosos que já foram motivos de grandes guerras e disputa entre os deuses.
Mas a diversão dos jogadores exige um trabalho extra do mestre. Todo o sistema de desafio do D&D assume que os jogadores terão itens mágicos relativos ao nível que estão, e levam em conta os bônus obtidos com estes itens nos desafios – sejam monstros, armadilhas ou desafios de perícias. O mestre, para compensar, precisa sempre estar atento à quantidade de tesouro que os jogadores possuem. Se os jogadores possuem menos itens mágicos ou se eles são mais fracos que o ideal, os encontros se tornarão mais difíceis. Caso o mestre tenha sido muito generoso nas aventuras anteriores, todas as batalhas serão mais fáceis.
Além disso, em algum ponto isso pode causar discórdia entre os jogadores. Quem é que vai ficar com o anel dos três desejos? Qual dos dois guerreiros vai usar a espada longa +2 que encontraram com o orc? Um dos personagens será beneficiado em detrimento dos demais. E isso vai acontecer mesmo se os jogadores forem mais conscientes e dividirem sem briga o tesouro – um deles vai acabar se beneficiando mais.
Como se não bastasse, isso também banaliza os itens mágicos. Uma arma mágica, que poderia trazer mistério e remeter à história antiga do reino, acaba se tornando apenas uma espada +1 que pode ser vendida por 250 peças de ouro com os magos vermelhos.
Os mestres e jogadores convivem com estes fatos desde o primeiro D&D. Alguns se adaptam melhor, outros continuam incomodados depois de anos vivenciando os problemas – e esse é o meu caso. Mas afinal, será que não existe outra saída?
O Bônus Inerente
No Dungeon Master Guide 2, ainda não traduzido pela Devir (o que eles estão esperando?), na página 138, um quadro que ocupa 3/4 da página traz uma alternativa aos itens mágicos. Utilizando o que eles chamam de “bônus inerentes”, os personagens sem itens mágicos teriam seus bônus de ataque e defesas melhorados como compensação. Estes bônus corrigem a matemática de tais tipos de personagem, sem que seja necessário ajustes nos desafios. Reproduzindo os bônus em uma tabela para facilitar, os ajustes são:
Nível | Bônus |
2 | +1 nos ataques e danos |
4 | +1 nas defesas (CA, Fort, Ref e Vont) |
7 | +1 nos ataques e danos |
9 | +1 nas defesas (CA, Fort, Ref e Vont) |
12 | +1 nos ataques e danos |
14 | +1 nas defesas (CA, Fort, Ref e Vont) |
17 | +1 nos ataques e danos |
19 | +1 nas defesas (CA, Fort, Ref e Vont) |
22 | +1 nos ataques e danos |
24 | +1 nas defesas (CA, Fort, Ref e Vont) |
27 | +1 nos ataques e danos |
29 | +1 nas defesas (CA, Fort, Ref e Vont) |
(todos os ajustes são cumulativos)
O restante do quadro se resume a recompensas alternativas aos itens mágicos que o mestre poderia dar aos personagens, e como lidar com um jogo sem espadas vingadoras sagradas e mantos de invisibilidade. Talvez por esse motivo, esta regra opcional não pareça nem um pouco atraente a primeira vista. Jogar fora os itens mágicos é jogar fora um dos pilares de diversão do sistema e, ao menos pra mim, não é uma opção interessante.
Reintroduzindo os Itens Mágicos
Mas, ao observar melhor, a regra menciona apenas os bônus de ataque, dano e defesas. E os outros efeitos? Grande parte da graça de se ter uma espada flamejante é obviamente ter uma espada de fogo – o valor numérico da espada é só um detalhe. E o restante dos itens mágicos – por exemplo a boa e velha poção de cura, ou um anel de vôo? Esta regra não altera em nada a utilidade e o poder deste tipo de item.
E aí se torna claro o poder e o alcance desta regra. Você pode continuar introduzindo ao seu jogo itens mágicos, da mesma forma que antes. O que fica obsoleto é a revisão destes itens conforme os níveis vão passando – o poder deles escala-se junto com o nível dos personagens.
A única coisa que é ignorada nos itens são os bônus. Os encantamentos adicionais continuam funcionando normalmente. Por exemplo, um personagem de nível 3 encontra uma arma de duelista. Ela continua causando +1d6 de dano em crítico, +1d8 caso tenha vantagem de combate, e ainda pode usar o poder diário do arma quando necessário.
Além disso, você pode ocasionalmente – e com um bom motivo na história – introduzir um item mais poderoso que o normal para os jogadores. Digamos, uma espada longa com o encantamento Arma de Drenar Vitalidade +4 para um grupo de nível 13. De acordo com a tabela, um personagem de nível 13 já teria +3 de bônus inerente no dano e ataque, logo basta somar 1 neste bônus e pronto. Bastante simples.
O único ajuste adicional é que principalmente as armas mágicas dão dano extra em caso de acerto crítico. Este dano extra é baseado no bônus de melhoria da arma. Mas para ajustar, basta colocar o dano extra baseado no nível do personagem, conforme a tabela abaixo:
Nível | Bônus |
2 | +1d6 |
7 | +2d6 |
12 | +3d6 |
17 | +4d6 |
22 | +5d6 |
27 | +6d6 |
(o bônus de dano NÃO é cumulativo)
Muitos Benefícios
O uso desta regra opcional traz diversos benefícios. Uma lista incompleta seria:
- Os itens mágicos passariam a ter muito mais valor. Eles podem ser introduzidos na história quando fizerem sentido, pois não são mais necessários para que os personagens estejam no nível de poder adequado. E não precisam ser jogados fora alguns níveis depois, pois o poder aumenta conforme os personagens sobem de nível.
- O mestre não precisa mais manter controle de quando é hora de colocar itens mágicos novos para os personagens.
- Os PCs não perderão tanto poder caso sejam despojados de seus equipamentos.
- Todos os personagens serão equilibrados em poder, sem diferença significativa em valores, apenas em efeitos.
- A regra pode ser adotada por qualquer grupo, em qualquer nível. Não é necessário estar no primeiro nível, ou só no início da campanha.
O único problema que vejo é algo que já vi muitas pessoas reclamarem sobre a quarta edição: os personagens ficariam ainda mais homogeneizados, mais parecidos uns com os outros. Não posso discordar totalmente disso, mas ao menos pra mim, isso é um efeito colateral menos prejudicial do que os benefícios trazidos.
E se você tiver o Dungeon Master Guide 2 na mão, não deixe de utilizar as outras formas de recompensa listados no livro. Divine Boons, Legendary Boons e Grandmaster Training – elas são especialmente apropriadas em um jogo que utilize as regras de bônus inerentes.
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Muito interessante. Ta aí uma regra que gostaria de testar na minha próxima campanha.
[…] on setembro 11, 2010 by Delibriand| Deixar um comentário Este texto foi postado originalmente no Trampolim RPG como um post convidado. Posto-o aqui apenas para manter arquivado. Desde os primórdios do D&D, […]