Saudações, leitores! Este artigo é sobre uma técnica de jogo que foi apresentada por este nome e desta maneira pelo Ron Edwards em seu sistema Sorcerer, mas é algo que todos os mestres fazem em seus jogos, muitas vezes sem perceber. Mas ao explicar e exemplificar a técnica, fica mais fácil aplicá-la em jogo e utilizá-la para preparar sessões de jogo mais interessantes. E nada tema, pois o assunto nada tem a ver com teoria. 🙂
O que são Bangs?
A definição de bang é bastante simples. Bangs são situações dramáticas que acontecem durante o jogo que criam momentos de decisão para os personagens, cujo resultado da ação dos jogadores não foi pré-planejada, e que promove o desenvolvimento ou diz algo importante sobre os personagens.
Em um estilo mais tradicional de jogo, estamos acostumados a “criar ganchos para os personagens” para inseri-los dentro da história que foi planejada. Muito se fala sobre como melhorar a “isca do anzol”, mas a intenção é sempre obter uma reação já esperada dos jogadores. Isso difere dos bangs em um sentido fundamental: você não deve saber ou planejar como os personagens irão reagir a um bang. Isso não significa que você não pode sequer pensar nas possibilidades, mas sim que você não deve fazer situações onde apenas uma opção é viável para os jogadores. Então, se você souber como os jogadores irão reagir, não é um bang.
Bangs também não são apenas obstáculos ou desafios que aparecem no jogo. Colocar um grupo de goblins no caminho dos PCs não é um bang, é um desafio que deve ser enfrentado de uma maneira bastante óbvia para todos os participantes. Mas isso seria um bang se ao invés de goblins os personagens encontrarem, digamos, órfãos de um abrigo não muito distante dali, que estão roubando para sustentar as outras crianças mais novas. Subitamente, a decisão óbvia de simplesmente derrotar o outro lado em combate se torna muito mais complicada.
Por fim, os bangs são ferramentas de desenvolvimento da história e dos personagens. Ao final de um bang, o grupo todo deve conhecer melhor o personagem que tomou a decisão.
Como Utilizar os Bangs
Como disse mais acima, os bangs não são invenção do Ron Edwards, e você provavelmente já utilizou bastante esta técnica sem saber. Qual a utilidade então de discutir semântica de algo simples?
Para mim, a verdadeira utilidade dos bangs acontece entre as sessões de jogo. Ao invés de preparar encontros, cenas, basta pensar nos personagens e tentar criar bangs para eles. Eu costumo fazer uma lista antes da sessão, com pelo menos 3 bangs por personagem (já que meu grupo é pequeno). Não precisa de nada muito complexo, cada bang pode ser resumido em apenas uma ou duas frase. Algumas observações importantes:
- Você não precisa utilizar todos os bangs planejados. Alguns vão aparecer no jogo, e outros não vão ter espaço. Não tem problema, guarde para a próxima ou apenas mantenha a idéia.
- Às vezes o bang não dá o resultado esperado. O que você imaginava ser uma cena dramática é algo que a única decisão possível é óbvia para o personagem. Não tem problema! Isso acontece, o seu bang não foi completamente disperdiçado – agora você tem conhecimento extra do personagem para criar novos bangs mais interessantes.
- Tente fazer com que os bangs sirvam para mais de um personagem ao mesmo tempo. Dessa forma, a própria discussão entre os jogadores irá criar drama antes mesmo da decisão. Melhor ainda, se você conseguir que o mesmo bang atinja valores diferentes de vários personagens, o conflito e as discussões serão ainda mais dramáticas e o seu jogo vai ser melhor ainda.
- Os bangs são apenas uma ferramenta. Você ainda vai utilizar desafios simples, às vezes entre um bang e outro, isso é esperado e normal.
- De vez em quando, os bangs acontecem sem querer. Os acontecimentos do jogo vão se acumulando em um ponto de tensão e quando você menos espera um bang emergente aparece durante o jogo. Aproveite e anote!
Acima de tudo, não planeje o resultado do bang e a decisão dos jogadores. Como diz no Dungeon World, “Jogue para ver o que acontece”. Deixe se surpreender durante o jogo e aproveite as surpresas tanto quanto os jogadores.
Tipos de Bangs
Para servir de inspiração, abaixo tem uma lista dos bangs mais comuns com alguns exemplos. Ela foi apanhada e traduzida de um excelente post de Mike Holmes no fórum Story Games. A lista são apenas exemplos, não se sinta limitado a estas opções.
Dilema: O bom e velho dilema é o bang mais simples de entender, embora não tão simples de se aplicar em jogo. Basta pegar dois valores importantes do personagem e fazer com que ele tenha que priorizar ou escolher um ao invés do outro. A organização criminosa que um dos jogadores pertecence manda que ele mate uma lista de testemunhas de um crime, mas uma das pessoas da lista é irmão dele. O que ele faz?
Tri-lema: O “tri-lema” é simplesmente um bang onde mais de dois valores estão presentes como opções para o personagem. Pode ser um pouco complicado colocar em jogo, principalmente porque depende do jogador priorizar três ou mais valores diferentes em seu personagem, mas quando é possível ser criado, ele funciona melhor do que um dilema simples.
Intensificação: aproveitar outro bang prévio, provavelmente de um dilema, e reapresentar ao jogador, aumentando os riscos de antes. Digamos que o bang anterior foi um dilema entre a carreira do personagem em uma organização criminosa e a vida do seu irmão, que era jurado de morte dentro dessa organização. Neste bang, o personagem escolheu proteger o irmão e fugir junto com ele. Você pode apresentar novamente este bang intensificando as escolhas: talvez agora não seja mais apenas o irmão que está em risco, a gangue está indo atrás de outros membros da sua família para se vingar. E agora, o que fazer?
Multivariado: Colocar os personagens em uma situação em que não existem escolhas óbvias, em que eles podem fazer “qualquer coisa”. Por exemplo, você pode colocar na mão deles um item mágico poderoso, muito mais poderoso do que seria adequado para o nível deles, e ver como eles reagem. Mesmo a escolha “vamos ficar com o item” não é simples quanto parece – quem mais está atrás deste item? Como eles irão fazer para escondê-lo? Quem deixou este item para eles? Será que não existe alguma maldição nele?
Valor Unário: Os bangs não precisam vir necessariamente de mais um valor do personagem. Você pode colocar momentos de decisão que são relevantes para apenas um valor do personagem, mas que ainda servem para avançar a história e para conhecer um pouco mais sobre o personagem. Por exemplo, aproveitar a luxúria de um dos personagens e colocar uma bela donzela em perigo na frente dele. Ou a mesma situação diante de um paladino casto.
Ninjas: Quando em dúvida, coloque ninjas atacando os personagens! Este é um bang universal, que você pode utilizar quando estiver sem idéias: basta colocar um grupo de inimigos no caminho dos personagens, com as armas sacadas e prontos para atacar. Bang! Quem são eles, o que eles querem conosco? A questão da sobrevivência é imediata e não é um bang, mas todas as decisões relacionadas podem formar um excelente bang. Como lidar com os feridos, ou com os capangas capturados? Devemos ir atrás de quem nos atacou? Não utilize este bang com muita frequência ou ele irá perder a eficácia.
Valores Onipresentes: Uma extensão do bang anterior, em que o valor em questão é a sobreviência, é atac
ar outros valores que são universais para todos. Por exemplo, gênero, sexualidade, bem estar financeiro, status. Coloque em risco, questione, ou ofereça mais, e observe a reação do personagem.
Identidade: Neste tipo de bang, vvocê questiona um valor central a identidade do personagem, fazendo-o pensar se ele reamlente deseja permanecer com este valor. Por exemplo, em uma campanha de Vampiro, ele pode descobrir que seu mentor a quem ele obedece e admira é o verdadeiro assassino de sua família 10 anos antes. Você precisa tomar cuidado com este tipo de bang e não pode fazê-lo com muita frequência, mas quando funciona ele é um dos mais poderosos.
Excelente texto Pedro… foram duas horas para lê-lo, mas excelente.Eu não havia sido apresentado ainda aos Bangs, não na sua forma desnuda e classificada. Usava-o sem conhecê-lo e confesso que conhecendo-o posso usá-lo com mais propriedade nos meus jogos.Abraços.
EXCELENTE postagem!Parabéns
Como eu já escrevi lá no Birosca, eu já usava bangs sem saber. Aliás, muita gente usa. Na última sessão de Supernatural, uma personagem levou o cadáver da irmã (que um demônio matou) pra casa e descobriu que ela morreu porque anos antes o pai fez um pacto pra salvar a vida da mãe. Os pais brigaram e se separaram, e enquanto a mãe quer que ela siga na carreira de caçadora, o pai disse que se ela fizer isso ele não olha mais na cara dela. Agora estou me divertindo sadicamente com a indecisão da jogadora. :PDragon Age faz muito isso, bota dois personagens com convicções opostas do seu grupo e uma decisão a tomar. Matar ou tentar salvar a criança que foi possuída por um demônio? Uma NPC quer matar, o outro acha horrível mas até entende, e outra acha abominável. Quem decepcionar? E se o jogador esconder a informação? Sendo assim, a grosso modo, um bang é jogar um problema na cara dos jogadores sem a menor ideia do que vai acontecer, e ver o circo pegar fogo. :DAgora uma coisa, um desavisado pode perguntar: porque jogar goblins no caminho dos PJs não é um bang, mas jogar ninjas é? Talvez o lance dos goblins precise de uma contextualização melhor.Abs
É exatamente isso. Eu comentei no post, pra mim a grande sacada dos bangs foi utilizá-los para fazer a preparação da aventura. Ao invés de me preocupar com estrutura de 3 atos, com eventos, encontros, etc, foi simplesmente questão de preparar bangs e deixar anotado. Quando o jogo esfriava, eu jogava um novo para os jogadores e me divertia vendo o circo pegar fogo, exatamente como você falou.Agora uma coisa, um desavisado pode perguntar: porque jogar goblins no caminho dos PJs não é um bang, mas jogar ninjas é? Talvez o lance dos goblins precise de uma contextualização melhor.Goblins e ninjas não são bangs diretamente. No contexto que expliquei, os goblins eram apenas um obstáculo, um desafio. Já o exemplo dos ninjas é um “bang de emergência”, não pela batalha, mas sim pelo o que ocasionou a batalha, os danos colaterais, NPCs em perigo, e tudo mais. O próprio Espírito do Século traz uma sugestão neste sentido: “Quando em dúvida, use ninjas”. Você pode utilizar goblins ou ninjas, mas se usar qualquer um deles apenas como obstáculo no caminho, ele perde suas propriedades de “bang”. Foi isso que me perguntou mesmo, consegui explicar?
Não, eu tinha entendido, é justamente o propósito pelo qual o desafio entra no jogo (goblins na floresta = encontro aleatório; goblins do nada, na taverna = mistério e WTF dos jogadores e muitas conjecturas), justamente porque “ninja” é metáfora. Mas pra quem chega sem saber de nada, pode ser que fique sem entender. Sacou?
Positivo e operante. 🙂
Mas BTW o post é excelente, vou recomendar 😀
Muito obrigado 🙂
Valeu =)
[…] a estes RPGs (ainda que de fato sirvam para qualquer um). Também penso que ela se encaixa bem na técnica de bangs que expliquei aqui no ForjaRPG, onde os bangs nada mais são do que formas pré-planejadas de desafiar as crenças dos […]