E o assunto do narrativismo andou dando o que falar. Além de ter sido o post mais comentado de todos os tempos deste humilde blog, também gerou uma conversa gravada ao vivo no Botequim dos Jogos (e que foi muito bacana, corre lá para assistir). E com tanta discussão, muitos pontos interessantes foram levantados, pontos que merecem uma resposta.

Narrativismo é “focado em história”

Como eu expliquei no outro post, você pode ter história jogando praticamente em qualquer estilo. A história, nesse caso, é um produto, e não algo que se pode focar durante o jogo. Mas… isso não é a resposta completa. A parte complexa é que no narrativismo, existe um foco no processo de criação da história durante o jogo. Uma boa história então não é simplesmente uma sequência de eventos seguida de uma resolução, e sim algo reconhecível durante o jogo pelo seus participantes. Repare na palavra “participantes”. Em um RPG tradicional, é comum o mestre planejar uma história prévia, um plot, e depois força-las durante o jogo aos seus jogadores. Se eles percebem e se sentem mal com isso, eles dão o nome feio de railroald. Mas muita gente não liga e até fica bem proficiente em aceitar a história do mestre – sentar no trem e aproveitar a paisagem no processo (o participacionismo). Mas não é sobre isso que se trata o narrativismo. Ele se foca na História Agora, criada através de procedimentos durante o jogo. Isso que descrevi, onde a história foi planejada anteriormente pelo mestre, é chamda de História Antes. Então, resposta longa: sim, narrativismo é focado em história.

Narrativismo é “um jogo com roleplay”

Não, não é. Você pode ter roleplay jogando 3:16, você pode interpretar seu guerreiro nível 15 brandindo uma espada mágica heróicamente em um dragão vermelho ancião. Narrativismo não tem nada a ver com interpretação e roleplay, muito embora ele acabe gerando situações dramáticas que normalmente não acontecem naturalmente em um RPG tradicional. Mas mesmo que ocorra uma enorme situação dramática cheia de roleplay e que é sempre lembrada pelos jogadores, isso não é sinônimo de narrativismo.

Narrativismo depende do sistema

A resposta é sim e não. Você consegue jogar de forma narrativista qualquer RPG, qualquer sistema, mas nesse caso o mérito será seu e de seu grupo – e você vai ter que fazer isso ignorando ou alterando boa parte das regras do sistema. Mas existem sistemas que facilitam esse modo de jogo, que possuem ciclo de recompensa que favorecem a criação da História Agora, que dividem a autoridade do mestre em certos pontos para poder criar mais envolvimento dos jogadores, que possuem “flags” que facilitam enormemente o papel do mestre em identificar o que os jogadores desejam do jogo. Mais especificamente, existem RPGs que reforçam a premissa narrativista através de procedimentos e regras, e que irão produzir resultados melhores e mais facilmente do que sistemas que não possuam essas regras.

Narrativismo é o jeito certo de se jogar

Um enorme e sonoro NÃO. Primeiramente: nunca deixe que ninguém insinue que o seu jeito de jogar RPG está errado. A única pessoa capaz de julgar se você está se divertindo é você mesmo. Dito isso, quem me conhece sabe do meu “amor não correspondido” por RPGs do chamado Old School, que de narrativismo não tem nada. Eu consigo me divertir de outras maneiras, consigo ver graça em outros estilos – não existe um Jeito Certo De Jogar. O que existe são grupos disfuncionais, em que os participantes tem diferentes expectativas, gostos e maneirismos, e que resultem em frustrações, desavenças e até mesmo brigas. Entender então as diferentes agendas criativas é um processo de identificar o que cada participante quer, para alinhar e organizar o jogo antes dele começar, para que seu grupo consiga jogar o que ele quer. E, na minha opinião, algumas dessas diferenças são tão grandes que são inconciliáveis, mas isso é assunto para outro post.

Narrativismo não envolve rolagem de dados

Nos comentários do Botequim dos Jogos alguém comentou que jogou GURPS que em sua maior parte foi narrativista e de acordo com o autor, “A parte não “narrativista” foi os vários minutos de batalha rolando dados, onde só os números importavam“. Bem, adivinhe só, rolagem de dados não tem nada a ver com narrativismo ou agenda criativa! Um sistema de combate estratégico e cheio de rolagem de dados pode ser narrativista ou não – apenas os dados e as regras não tem nada a ver com a criação da “história agora” e no protagonismo dramático dos personagens. Por exemplo, você tem o sistema The Riddle Of Steel, que tem um combate muito mais realista e complexo do que GURPS, mas que ainda é completamente narrativista – mas o é por outros aspectos.

Narrativismo é um jogo onde o mestre não planeja nada

Não, não é! Como eu descobri a duras penas, o mestre muitas vezes precisa planejar coisas para fazer a sessão rolar de forma satisfatória. A diferença é que enquanto em um RPG tradicional você precisa planejar a história, o plot, para um RPG narrativista você planeja outras coisas. No Dogs in the Vineyard, por exemplo, você precisa planejar a cidade e um dilema moral para os jogadores resolverem, e isso está devidamente registrado em como deve ser feito, através de regras e procedimento. No Apocalypse World e Dungeon World você prepara fronts, no Sorcerer você planeja Bangs, no Burning Empires você planeja os NPCs e seus objetivos.

E por fim, só como brincadeira:

Eu jogo GURPS narrativista

Então você está jogando narrativismo freeform enquanto diligentemente ignora tudo que está escrito no livro do seu sistema. 🙂

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Escrito por Pedro Leone
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