Começou com uma coincidência inesperada. Um encontro aleatório, para se manter na temática de D&D. Após mais de uma década morando no mesmo lugar, resolvemos mudar para uma casa mais perto do trabalho e com um pouco mais de espaço e sol. Quando comecei a arrumar os armários de bagunça, achei algumas folhas soltas de fichário. Aproximadamente 2/3 das linhas estavam preenchidas, a maioria apenas com um número sequencial e uma data. Mas algumas destas linhas tinham informações que revelavam o real conteúdo da folha: elas mostravam quem tinha saído e quem tinha entrado em cada sessão de jogo. Em minhas mãos estava o histórico de mais de 25 sessões de D&D 5E na primeira campanha que jogamos.
O sistema ainda era novo. Quando começamos o Dugeon Master’s Guide sequer tinha sido lançado. Estava utilizando a aventura Hoard of the Dragon Queen, e pela primeira e última vez tivemos uma certa regularidade de jogo. Alguns jogadores se mudaram da cidade e abandonaram a mesa, e outras pessoas entraram. Algumas dessas pessoas se afastaram e perdemos o contato, outras viraram quase melhores amigos.
Foram mais de 50 sessões de jogo. O registro que achei foi apenas da primeira metade das sessões, mas tenho certeza que foram mais de 18 meses de jogo. O final foi anticlimático: os personagens conseguiram impedir o ritual que invocava Tiamat rapidamente, e nem conseguiram ver o Big Bad Evil Guy Dragon que foi aludido por tanto tempo. Com o tempo, os defeitos da 5E começaram a se mostrar, e fui ficando frustrado tanto com o sistema quanto com a aventura que também tinha um caminhão de problemas.
Mas não são essas frustrações que eu me lembro melhor. Foram os bons momentos: as jogadas épicas de dados, as ideias terríveis e os planos incríveis que eles tiveram, as interações fantásticas com alguns NPCs, foram tantos acontecimentos bacanas que fica até difícil listá-los. É como se o RPG fosse uma mecanismo de criação de boas memórias e de fazer amigos.
A campanha acabou, e tentamos jogar mais algumas vezes, mas nenhuma com tanto sucesso. Seja por frustração minha com o sistema, com a aventura pronta, com a minha própria campanha que levou a um rumo que eu não estava gostando, com o gênero de Fantasia Épica em geral. Isso sem falar nos problemas da vida real, uma pandemia terrível, a perda do meu pai, e tantos outros problemas.
Mas acho que o maior empecilho para que eu não tenha tido o mesmo sucesso é simplesmente meu comportamento. Crio expectativas irreais de como deve ser um bom jogo de RPG (de acordo com outras pessoas, com outras experiências e outros jogadores), como preparar a campanha e o jogo, quais regras são boas e quais são ruins. Vejo outros estilos de jogo e penso como seria melhor jogar outra coisa que não fosse D&D moderno no estilo de fantasia épica. É uma mistura de “a grama do vizinho é mais verde” com “overthinking“. É impossível conter a frustração quando este tipo de comportamento toma conta, e subitamente as memórias de tantos momentos incríveis com os amigos começam a perder forma, e ficam somente os pontos fracos, os problemas, as frustrações. Cheguei até mesmo a pensar que pra mim RPG era coisa do passado, de que era mais aborrecimento do que diversão.
Tudo isso mudou quando encontrei essa folha de fichário.
É mais do que simplesmente nostalgia, e sim um lodo de negatividade e frustração que impedia de ver o que tem de verdade de positivo nesse hobby tão único. Como um verdadeiro Remove Curse, ou um bom tapa na cara de um amigo que mostra para você a perspectiva certa, percebo agora o quanto de boas experiências a busca da experiência perfeita me impediu de ter.
Mas nunca é tarde para pegar os dados e tentar novamente, e é exatamente isso que vou fazer.
Um relato particularmente emocionante. Me deu até vontade de jogar a 5E novamente.