Lançado na DriveThruRPG em janeiro de 2021, Medieval: Real Medieval Life for RPGs da Phalanx Games Design, foi um daqueles materiais que me fez pensar bem antes de comprar, ainda mais em tempos de dólar a quase R$5,50 e sem uma prévia do PDF na loja.

Será que pagar US$20 apenas no PDF valeu a pena?

O livro possui 146 páginas e está recheado com o que há de melhor no que tange a referências históricas sobre armas e armaduras, com alguns textos abordando também a realidade no campo de batalha, o dinheiro medieval, preços e tempo de fabricação de diversos itens, informações essenciais para aquelas pessoas interessadas em trazer um pouco de realismo histórico para a sua ficção.

As armas e armaduras são descritas e categorizadas de acordo com o período histórico na qual foram desenvolvidas e utilizadas, o que ajuda mestras e mestres a organizarem listas de armas apropriadas para o período de suas campanhas, no intervalo que compreende os séculos 10º ao 14º.

Uma boa parte do livro é dedicada às estatísticas das armas para os sistemas d20 (D&D 3.5 e 5) Pathfinder, Fateforge, Runequest, Mythras e Aquelarre, com espaço inclusive para armas míticas consideradas mágicas.

A riqueza de informações contidas no livro realmente faz valer a pena (apesar do preço), mas é importante também considerar a aquisição do livro Orbis Mundi 2, que traz muitos aspectos da vida medieval para ser incrementada em suas aventuras de RPG. Sim, o PDF não é barato e no momento está custando incríveis US$39,99.

Se você não tem interesse nenhum em medievalismo histórico em suas mesas, esse livro é completamente dispensável, mas se você considera esses aspectos importantes, esse livro pode ser para você.

Pegando o gancho do vídeo que fizemos em nosso canal do Youtube sobre forja e mineração em aventuras fantásticas (confira aqui), abaixo apresento uma tradução livre de uma caixa de texto do Real Medieval falando sobre a quebra de armas e ferramentas.

A quebra de armas e ferramentas

A triste realidade da metalurgia medieval é que a qualidade dos materiais produzidos variavam muito – mesmo o melhor ferro (e consequentemente o melhor aço da época) sofriam com a falta de um controle de qualidade.

Os ferreiros do período não entendiam a ciência por trás do que estavam fazendo, e de qualquer forma, nem sempre eram alfabetizados, tendo aprendido o ofício a partir da demonstração prática de truques de ofício, ao invés de uma mistura disso com teoria em sala de aula como o que temos hoje.

Como resultado, nem mesmo o melhor ferreiro conseguia garantir que o metal fundido e trabalhado não estivesse comprometido em menor ou maior grau com intrusões de escória[1], fundido parcialmente ou tivesse sido trabalhado de forma inadequada.

Os melhores ferreiros podiam produzir ferro com menos falhas, mas mesmo eles podiam ter um dia ruim e produzir materiais de baixa qualidade e simplesmente não existiam formas de saber ou meios de detectar essas falhas.

Sendo assim, toda arma ou ferramenta que fosse colocada sob muita tensão[2] (e também não era possível determinar o quanto ela seria) iria quebrar. De fato, se você examinar relatos do período e procurar ilustrações de combates e batalhas em iluminuras e miniaturas vocês encontrarão inúmeras informações ou representações de armas fazendo exatamente isso: quebrando. Algumas representações mostram inúmeras armas quebradas (você pode até dizer que o artista representando não era um guerreiro e estava exagerando, mas relatos escritos apontam exatamente para isso).

Existe uma razão para qual a Espada em quase todas as suas variações, de baixa ou alta qualidade, não ser usada como arma primária nem mesmo da classe dos Cavaleiros (ou guerreiros locais ou nobres) e ser mais usada como um símbolo de status – apesar de ser a arma preferida na maioria dos RPGs (e pela maioria dos jogadores de RPG) por aí.

Existem duas razões para isso: a primeira é o custo, enquanto a segunda é que espadas se quebram, e quebram com frequência.

Elas se quebram independentemente do quanto custaram ou da qualidade dos materiais utilizados em sua fabricação – mesmo as espadas modernas quebram ativamente. Então é melhor usá-las como armas reservas, usando armas mais baratas e igualmente mortais como armas primárias. O tipo de espadas que sobreviveram até os tempos modernos são normalmente aquelas que não foram feitas com a intenção de serem usadas, exceto como armas cerimoniais (nem mesmo para prática).

As espadas quebravam com tanta frequência que os primeiros manuais de esgrima e artes marciais (datados do século XV, mas certamente codificados antes) traziam movimentos especiais para serem usados quando sua espada quebrasse em combate.

O que exatamente aumentava a chance de sua espada ou outra arma quebrar?

A qualidade dos materiais era o fator principal. Mesmo o mais experiente ferreiro não podia fazer uma bolsa de seda com a orelha de uma porca.

A qualidade do minério tem um impacto significativo na qualidade dos tarugos de ferro, a partir dos quais as lâminas eram forjadas. O minério inglês era conhecido por produzir ferro de baixa qualidade (os melhores armeiros ingleses importavam tarugos de ferro, via Hansa, da Alemanha e Escandinávia). Os minérios alemães e escandinavos produziam tarugos com qualidade de média a boa, mas havia variabilidade, especialmente das fontes escandinavas, e os minérios italianos eram considerados os melhores.

Paradoxalmente, reforjar espadas a partir de lâminas quebradas poderia produzir um ferro de melhor qualidade do que aquele produzido diretamente do minério, uma vez que a reforja acabava reduzindo imperfeições da primeira forja.

Aparar o golpe de uma espada com outra espada – fazer isso com a lâmina, ao invés da parte chata (o que era preferido se tivesse mesmo que fazê-lo) – era ainda pior, mas mesmo que tivesse que fazer com a parte chata, ainda não era nada bom. Você apara com o seu escudo – eles são baratos e facilmente substituídos.

Atingir uma armadura de placas também era uma péssima ideia – mesmo usando espadas projetadas para serem usadas contra placas (e poucas realmente eram), especialmente se você as atingia em cheio (os componentes da armadura eram projetados para aumentar a chance dos golpes serem defletidos, mas ainda assim isso não era bom).

Mesmo atingir repetidas vezes um poste de madeira (ou qualquer coisa dura) era potencialmente ruim – mesmo a espada mais cara poderia apresentar uma falha catastrófica que só precisa da combinação correta de fatores de tensões aplicados a lâmina por um período longo de tempo, e praticar em um poste de madeira dura poderia ser o suficiente.

Fazendo uma espada: séculos 6º ao 10º

Com o colapso do Império Romano, sua perícia com trabalhos em metal (e mineração) foram em sua maioria perdidos e os estados que o sucedeu teve que se confiar em suas próprias e inferiores tradições que não eram capazes de produzir ferro em grandes tarugos – de forma que tarugos menores eram combinados para produzir itens maiores.

Para espadas, dois métodos eram utilizados: martelar os tarugos em folhas que eram transformadas em uma única lâmina ou martelá-las em hastes finas que eram então soldadas e forjadas na forma desejada.

Os melhores forjadores de espadas podiam formar o núcleo de uma espada soldada com haste de ferro forjado mais macio e adicionavam tiras de aço de melhor qualidade para as lâminas posteriormente.

As melhores espadas eram soldadas por padrão. Isso envolvia martelar os tarugos em tiras ou hastes que eram torcidas e soldadas por forja, deixando padrões que eram esteticamente muito desejáveis.

Ao longo do final deste período a soldagem por padrão foi sendo substituída pela cementação.

Isso consistia em pegar a lâmina acabada e colocá-la em um recipiente hermético (geralmente uma caixa de ferro) com material vegetal ou animal (principalmente carvão ou osso moído) e aquecê-lo até ficar vermelho. O processo transforma a camada exterior do ferro em aço – e quanto mais tempo o tratamento térmico, mais profunda a camada de aço.

Isso requeria muita habilidade, pois o aço é duro, mas frágil. Uma espada precisa ter uma superfície externa de aço suficientemente espessa, enquanto permanece mais macia e flexível de ferro por dentro, dando a lâmina o melhor dos dois mundos: dureza e flexibilidade.

NOTA: a afiação repetida (ou desbaste para remover entalhes na borda) eventualmente desgastará a camada externa de aço e revelará as entranhas de ferro macio, o que significa que o desgaste está acelerado. Claro, como observado anteriormente, espadas quebram, e quebram com frequência suficiente para que este não seja um destino final provável da arma.


[1] As escórias se formam pela fusão das impurezas do minério de ferro, juntamente com a adição de fundentes (calcário e dolomita) e as cinzas do coque. A escória fundida é uma massa que, por sua insolubilidade e menor densidade, sobrenada no ferro gusa e é conduzida por canais, até o lugar de resfriamento.

[2] Tensão mecânica ao valor da distribuição de esforços resistentes a cargas solicitantes por unidade de área dentro de um corpo material ou meio contínuo que age de modo a impedir ou imprimir a movimentação e limitar a deformação que é o fenômeno pelo qual se propaga.


Deixe nos comentários o que achou desse artigo e compartilhe conosco se você gosta desses aspectos em sua mesa ou se os acha completamente desnecessários.

Cuidem-se e até a próxima.

Compartilhe:
Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.