Recentemente comecei finalmente a assistir o Burning Wheel Series do Roll20, e o que me chamou bastante atenção foi que no BW não existe uma situação extremamente comum em D&D e que me irrita sempre que acontece:
DM: A porta está emperrada.
Jogador: Vou fazer um teste de força para conseguir abrir.
tira 2 no dado e falha
Outro jogador: – Posso testar também? Vou tentar arrombar a porta depois de perceber que ele não conseguiu.
… e isso se repete até que algum jogador tenha sucesso
Toda vez que isso ocorre eu me pergunto qual o sentido de pedir testes se eles podem apenas tentar novamente. Como consequência as rolagens perdem o peso que deveriam ter – rolar os dados sempre deveria ter alguma tensão implícita.
No Burning Wheel, a regra Let It Ride diz que não é permitido rolar novamente para tentar passar no mesmo teste. De início parece apenas um regra para evitar mecanicamente que os jogadores entrem em uma situação como a acima. No jogo entretanto, as consequências são muito maiores. Cada teste se torna um conflito, e uma rolagem é a tentativa de tentar superar o obstáculo. O fracasso não significa simplesmente que você não conseguiu arrombar a porta naquela tentativa, e sim que o conflito de tentar passar por uma porta emperrada teve consequências negativas.
Junte isso com a regra de Diga Sim ou Role os Dados. Esta regra diz que os dados só devem ser rolados se houver conflito. Apenas uma porta emperrada não é um conflito se não houver consequências para ela. Logo, você sequer deveria testar se não houver nenhuma complicação, nenhuma consequência negativa na tentativa de fazer esta ação. Então, você deve pensar em uma consequência antes de pedir que os dados sejam rolados.
A maneira costumeira de pensar em uma porta emperrada é em um obstáculo, algo que os personagens devem lidar com suas habilidades. Mas apenas um obstáculo não faz um jogo interessante, pois transforma a maior parte dos testes em uma questão binária – sim ou não, ou você consegue fazer a tarefa ou ela está além de suas habilidades. Pensar em um conflito faz com que você considere a situação e também pense nas escolhas e consequências das ações dos personagens – pra mim esta é a parte mais importante do RPG. Uma porta emperrada não é um conflito – a menos que seja. Talvez forçar a porta com força demais faça desmoronar a entrada da masmorra. Os personagens agora estão presos até encontrar outra saída ou gastar horas e horas de trabalho. Talvez forçar a porta com força demais faça muito barulho e atraia guardas.
Mais uma vez outra regra do Burning Wheel ajuda nesta situação: anunciar as consequências do fracasso antes da rolagem. Você não precisa deixar claro todas as consequências – “ou vocês passam neste teste de força ou os guardas irão atacá-los”. Elas podem ser vagas e deixar a imaginação dos jogadores preencher o restante: “A porta está emperrada. Talvez os séculos de abandono tenham empenado a madeira. Você tenta abrir mas fica óbvio que ela vai fazer muito barulho se vocês não tomarem cuidado”.
Se os jogadores sabem que aquele teste pode ter consequências negativas em caso de fracasso, subitamente uma rolagem que antes era feita sem reflexão torna-se tensa. Os jogadores se reúnem em torno do objetivo, negociam com o mestre como podem ajudar, procuram vantagens na situação. Resumindo: eles se engajam mais no jogo, na ficção.
Na próxima vez que os personagens pedirem para testar alguma coisa, pense antes: falhar este teste traria consequências interessantes para o jogo? Se não conseguir pensar em nada, apenas diga sim. Caso contrário, anuncie as possíveis consequências para o fracasso e peça o teste. Se eles falharem, testar novamente perde o sentido, pois eles vão estar ocupados lidando com a consequência.
Salve, salve Pedro.
A cada artigo sobre o Burning Wheel tenho mais vontade de jogar.
É incrível como ele pega algumas definições dos jogos Old School e usa isso nas regras.
O ponto positivo é que enquanto nos jogos Old School essas nuances são de responsabilidade do narrador arbitrar, pois elas não estão escritas no conjunto de regras, no BW elas fazem parte da regra.
Salve Franciolli! Muito obrigado!
Quando eu estava escrevendo este artigo eu já conseguia ouvir o pessoal reclamando. “Ah, eu sempre mestrei D&D assim. O problema não é o sistema, é o mestre que é ruim”. Mas se você pegar o livro, não tem nada falando disso. Fica totalmente a cargo do mestre. E um jogo que não dá instruções suficientes para ter uma boa experiência falha na sua tarefa mais básica.
Vamos pegar como exemplo, uma aventura de 5E. Lost Mines of Phandelver, Cragmaw Hideout, sala 3:
A character attempting to ascend or descend the chimney shaft must make a DC 10 Strength (Athletics) check. If the check succeeds, the character moves at half speed up or down the shaft, as desired. On a check result of 6-9, the character neither gains nor loses ground; on a result of 5 or less, the character falls and takes 1d6 bludgeoning damage per 10 feet fallen, landing prone at the base of the shaft.
Desse jeito, a escalada é um obstáculo. Por mais que tenha consequência para um sucesso parcial, ainda é um obstáculo fixo. Se você levar para um conflito, precisa pensar primeiro “o que falhar neste teste traria de interessante?”. Se não tem nada lá em cima que poderia atrapalhar, não precisa nem testar. Mas se a sala acima tem guardas, por exemplo, a coisa muda de figura. Neste caso falhar no teste poderia ser que você é surpreendido pelos guardas que escutam vocês escalando, ou então que você deixa cair sua arma quando está quase chegando lá em cima, ou talvez acabe se ferindo caindo no meio do caminho mas depois consiga subir, por exemplo. No teste da 5e, se falhar você toma o dano e tem que tentar novamente. No BW isso seria impossível – Let It Ride!
Infelizmente a maior parte dos RPGs peca em “ensinar a jogar”.
O Burning Wheel parece aquele sistema cujos ensinamentos podem ser aplicados a qualquer outro sistema, podendo ampliar a experiência de jogo.
Querendo muito testar.