O mês de junho deveria ter sido mais profícuo aqui no Dados Místicos, mas inúmeros contratempos e o fechamento do semestre acadêmico me mantiveram completamente fora do cenário.
O Pedro Gonçalves também está enfrentando os seus monstros, ganhando experiência para voltar triunfalmente e se não fosse pela chegada do professor/youtuber/cavaleiro solitário Jeferson Kalderash, teríamos ficado no limbo e passado completamente despercebidos.
As bruxas parecem estar soltas e isso me inspirou a falar um pouco sobre o contexto histórico no qual elas foram perseguidas, aproveitando também para deixar algumas sugestões de livros que podem auxiliar os mestres a desenvolver histórias baseadas nas bruxas e bruxos, bem como no período inquisitorial.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Houve uma época em que praticamente não havia distinção entre religião e ciência. Elas eram aspectos diferentes das tentativas humanas de entender, e se possível, controlar o Universo.
Sendo assim, na antiguidade, um mago poderia ser um membro respeitável da sociedade e muitas vezes, até mesmo um sacerdote.
A palavra magia deriva de Magi, uma antiga casta sacerdotal da Pérsia.
Esses magos podiam especializar-se no uso de dois tipos de magias: magia superior (high magic), cujo propósito era alcançar uma união com a Divindade; e magia inferior (low magic), ligada à coisas mundanas, como divinação, augúrio, influenciar o amor, o clima, curar doenças ou promover a ruína de seus inimigos.
As bruxas e bruxos praticavam formas de magia inferior durante a Idade Média, e as leis de Roma só consideravam crime, a feitiçaria praticada com intenções vis e que causassem dano, embora os Padres achassem impensável a ideia de que homens ou mulheres [principalmente estas] pudessem, por qualquer razão que fosse, tentar controlar o Universo, criado pelo todo poderoso e onipotente Deus.
Aos cristãos só cabia passar suas vidas suplicando, humilde e penitentemente, para serem poupados da danação eterna pela Graça Divina. Se alguém afirmasse, que seria capaz de dobrar as forças do Universo à sua vontade, certamente deveria estar sob a influência de espíritos malignos e demônios.
Influenciado pelas heresias Donatistas e Pelagianas, Agostinho de Hipona, mais tarde Santo Agostinho, escreveu que, se Deus havia concedido poderes especiais para que os Apóstolos pudessem edificar mais facilmente a igreja, ele ainda concedia esses poderes para a realização de milagres, agora com o objetivo de provar que os poderes de Deus (a sua magia) é superior a dos deuses pagãos.
Sendo assim, um milagre seria uma magia feita em nome de Deus por intermédio dos anjos e santos e qualquer outra forma de magia, seria obra de espíritos malignos. Essa visão, contudo, não era muito compartilhada nem entre a população em geral, nem entre aqueles que se denominavam bruxas e bruxos.
Embora alguns bruxos ou bruxas possam ter realmente pedido a ajuda de demônios, é óbvio que muitos deles apenas carregavam suas poções e faziam evocações em nome da Mãe Terra ou Espíritos de Cura.
A visão eclesiástica sobre a natureza e uso da magia, contudo, diferia bastante das do povo e alguns líderes seculares acreditavam que a melhor punição para a prática da bruxaria seria a morte, mas durante muito tempo, as cortes medievais ainda faziam diferença entre a magia praticada para o bem, daquela praticada para o mal.
Com o crescimento das doutrinas católicas europeias do leste e oeste, que funcionavam como duas entidades separadas e auto-regulatórias, cresceu também o hábito de abusarem uma da outra, denunciando aqueles que não concordavam com suas filosofias como hereges que sucumbiram à Satanás, afastando-se de Deus. Aqueles considerados hereges passaram também a ser acusados de feitiçaria.
A história está cheia de exemplos da utilização de acusações de bruxaria para benefício politico e econômico.
E a situação somente se agravou com a instituição da Inquisição.
Em 1484, o Papa Inocêncio VIII enviou, devido a uma histeria em uma cidade na fronteira entre a Alemanha e Itália, uma força especial de Inquisidores, que levaram à fogueira mais de quarenta bruxas.
Entre os inquisidores estavam Jacob Sprenger e Henricus Institor, que compilaram diversos registros no que se tornou mais tarde o livro Malleus Maleficarum ou O Martelo das Feiticeiras, escrito por Heinrich Kramer e James Sprenger.
De acordo com esse livro, a bruxaria era a mais terrível das heresias, pois envolvia a renúncia ao cristianismo, e a devoção do corpo e da alma à busca pelo mal, com sacrifício de animais e bebês não batizados, bem como a relação sexual com incubi.
Devido a bem conhecida fragilidade das mulheres e susceptibilidade ao tipo de sugestões feitas pelos demônios ou incubi, existe uma tendência para que existem mais bruxas do que bruxos.
Inúmeros estudos conduzidos por historiadores, tem demonstrado que o número de vítimas reais de execuções durante a Inquisição é muito inferior ao que se propaga comumente.
Para Rino Camillieri, escritor do livro A verdadeira história da inquisição, em 50.000 processos inquisitoriais, apenas uma ínfima parte levaram à condenação à morte, e dessas um número ainda menor foi transformada em execuções. Toulouse, aonde a inquisição atingiu grau mais forte, o número de sentenças a morte atingiu 1,0%.
Ainda que a história da inquisição esteja BEM longe do mito, a mesma não deixa de ser assustadora e desvelam um plano de fundo muito rico para a condução de narrativas no seu sistema preferido.
REFERÊNCIAS
McCall, Andrew. The medieval underworld. Dorset Press. New York, 1979.
Kramer, Heinrich; Sprenger, James. O martelo das feiticeiras. Record. 2017
Camilleri, Rino. A verdadeira história da inquisição. Ecclesiae. 2018.¹
¹Referência da edição em português. A obra foi originalmente publicada em 2003.