Algum tempo atrás, o Calliban me perguntou que conselhos seriam bacanas para dar para os jogadores de story-games. A maior parte do que eu falo normalmente é direcionada para os mestres, mas a mudança na mentalidade deve acontecer com todo mundo. Jogar um Fiasco com a mesma mentalidade que você joga D&D desde 1983 não vai funcionar muito bem.
Minha primeira orientação quando tento ensinar o Mouse Guard RPG para jogadores novos, e uma das mais difíceis de entender, é que falhar nos testes é divertido. Isso é um conselho perigoso para dar para todos os RPGistas, pois nem sempre é o caso. Em muitos jogos, falhar é mesmo ruim, atrapalha os planos dos jogadores, só traz coisas negativas e quanto mais for evitado, melhor. Imagine em uma sessão de D&D, falhar em uma jogada contra um grupos de orcs pode significar um TPK: o fim prematuro da campanha. (Estranhamente, ultimamente tenho visto um culto de louvor ao TPK, como se fosse sinal de um bom GM, mas isso é outro assunto.) Então, estejam avisados que esta dica não é para todo mundo.
Mas isso simplesmente não é verdade na maior parte dos Story Games que conheço. Nestes jogos, acontece muito mais do que apenas lutas até a morte. A nuance de tipos de conflito que é lidado pelo sistema é mais amplo, e a maioria destes jogos tem um design que evita morte desnecessária dos personagens. Até mesmo em alguns destes jogos todo o objetivo do jogo é levar a uma conclusão trágica para os personagens. Pergunte para o Fiasco.
Alguns destes RPGs tem inclusive regras que recompensam ou estimulam o fracasso. Em Dungeon World, um fracasso lhe dá um ponto de XP. No Mouse Guard, você precisa falhar em testes de perícia para conseguir evoluir, e se prejudicar voluntariamente em um teste lhe dá um bônus futuro. No Burning Wheel, para avançar sua perícia ou atributo, você precisa fazer um teste tão difícil que é simplesmente impossível passar – fazendo com que você procure desafiar o seu personagem para evoluir.
Mas deixemos o sistema de lado por um momento – já está claro que você não vai ter uma morte estúpida por falhar em um teste. O que isso significa é que os fracassos irão gerar complicações interessantes, levando a história a rumos imprevisíveis. Claro, se você conseguir ser bem sucedido no teste, a história vai para o lado que você quer. Mas em muitos momentos, é o próprio jogador que pede o teste, forçando o GM a exercitar seus músculos criativos para pensar em complicações interessantes em caso de falha. E é exatamente isso que é a essência do RPG para mim: uma mistura da criatividade e improvisação de todos os participantes. Um fracasso que gera complicações novas se torna um novo ingrediente desta mistura.
Mas antes, é preciso deixar algo bem claro. Isso não significa que seu personagem deve se jogar em uma poça de lava para fugir dos orcs. Você não vai tentar toda idéia estúpida que aparecer pela frente, com a plena confiança que isso não vai ser o fim do jogo. Como jogador, sua tarefa é interpretar um personagem da melhor forma que seria possível para ele. Isso significa ir atrás dos objetivos dele, da melhor forma que conseguir. Isso não significa fazer qualquer tipo de teste impossível for the lulz, e sim que às vezes ele vai fazer coisas insensatas e decisões ruins, como qualquer pessoa faria.
Alguns meses atrás, eu diria que isso é questão de postura de ator versus postura de autor, que a de autor é mais apropriada. Mas eu não acho mais que uma postura seja melhor que a outra, e sim que uma alternância entre a postura de ator e a de autor em momentos chave pode ser a maneira mais divertida de se jogar um story game. (Não entendeu? Dá uma lida nesse artigo)
A grande verdade é que um herói é definido mais pelos seus fracassos do que pelos sucessos. Quando penso no Frodo, penso em todo o sofrimento que ele teve que passar junto com o Sam para levar o anel. Gandalf confiou na pessoa errada e quase condenou toda a Terra-Média, além de por pouco não ter sido morto pelo Balrog. Aragorn tinha um amor impossível e era o herdeiro esquecido de todo o reino. Não existe herói sem percalços e dificuldades, assim como o protagonista não é nada sem seus antagonistas.
Falhar (fumble como eu gosto de chamar) é maneiríssimo… depois do acontecido, com você contando a história na roda de amigos. Convenhamos que, na hora da falha, com a tensão do momento, é sinistro pois você perde HP, ou machuca algum outro PJ de amigo, etc.Mas falhar faz parte do aprendizado de qualquer pessoa, e consequentemente faz todo o sentido ter pontos de XP ou fazer parte da evolução de nivel, como foi dito dos sistemas citados no post (não que eu ache que isso seja bom, depende do sistema rs).Mas contar histórias de falhas é extremamente divertido… isso sim!Excelente post!
Gostei do texto, acho que a falha, quando não é o caso de estupidez pura e sem sentido (pular na lava para se salvar dos orcs, usar a parte chata da espada para dar um golpe na própria cabeça para não sofrer mais as alucinações da casa assombrada), deve ser premiada, desde que o jogador aprenda com ela, acrescente o conhecimento no personagem. No meu caso eu lembro de duas situações: Tive um fumble (também uso essa palavra) em uma diablerie (que é quando um vampiro suga a alma de outro vampiro, grosso modo) e passei a ter dupla personalidade, que achei super legal, mesmo tendo causado a minha posterior morte. Outra vez fui muito bem sucedido no uso de um gift (poder do personagem) de lobisomem e matei um cara não intencionalmente, o resultado foi ruim, o meu personagem nunca mais usou o gift, mas a situação serviu de exemplo para outra jogadora para que ela superasse um problema dela. Concordo, o erro faz parte da realidade.Aproveitando, já que eu não sei se existe um espaço para sugestões, que tal vocês fazerem um post de glossário com os termos de RPG que vocês utilizam, por mais que eu tenha alguns anos de RPG, eu não sei o que é “TPK”.
Valeu pelo comentário, Renato. O espírito é esse mesmo.TPK significa Total Party Kill, quando o grupo inteiro é exterminado em um combate e isso causa o fim premeditado da campanha.
Desculpe, a palavra correto é *fim antecipado e não planejado da campanha*