Este post é um acompanhamento que já estava há muito atrasado do texto do Franciolli “Meu Estilo é por demanda“, onde ele discutiu que estilo de mestrar dele depende do grupo que ele está jogando. Mas faltou uma explicação geral: quais são estes estilos de mestrar? Este texto é uma adaptação/tradução livre/versão do excelente Theory 101: The Impossible Thing Before Breakfast escrito pelo M. Joseph Young.
Em algum tempo, no passado longínquo do RPG, surgiu esta maneira bem curiosa de se jogar um jogo, onde cada jogador seria responsável por um personagem fictício e uma outra pessoa seria responsável por colocar os inimigos e desafios no caminho destes personagens fictícios. Passado mais algum tempo, percebeu-se que durante isso poderiam ser criadas histórias, análogos a livros ou séries de televisão, onde os jogadores interpretariam seus personagens fictícios em uma história criada pelo mestre. Surgiu então como maneira de se fazer isso a seguinte ordem: os jogadores tem controle completo sobre seus personagens, enquanto o mestre tem controle completo sobre a história. A maior parte dos RPGistas acostumados com RPGs tradicionais iria concordar com essa frase.
Só tem um problema sobre essa maneira: ela é impossível. Não existe como conciliar os dois completamente, pois apenas retirando o controle completo dos personagens é possível manter controle sobre a história. O que existe portanto são quatro estilos diferentes de conciliar este impasse, estilos que surgiram naturalmente para muitos grupos ou que os mestres acabaram aprendendo de outros grupos ou de conselhos em livros.
No primeiro deles, o mestre leva a sério a parte de “manter o controle sobre a história”, e ele assim o faz. Não importa o que os jogadores decidirem fazer durante o jogo, ele sempre encontra uma maneira de encaixar o plano e a história planejada dentro da ação dos jogadores e ele nunca deixa os jogadores descobrirem isso. Este estilo é chamado de Ilusionismo. Ao mestre deste estilo é dado tanto poder e autoridade sobre o jogo que permite que ele esconda dos jogadores o fato de eles não terem controle nenhum sobre a narrativa. Um mestre ilusionista sabe exatamente como as diferentes histórias irão se cruzar, o que irá acontecer com cada personagem jogador em cada ponto da história, quem irá ganhar e quem irá perder, e até mesmo saber como irá terminar a história e quem irá dar o golpe final no vilão.
A chave para o ilusionismo é que os jogadores não tem impacto no que está acontecendo, mas eles não sabem disso. O mestre diz o que está acontecendo; os jogadores respondem com as ações de seus personagens, permitindo o que estava dentro dos seus planos e negando de alguma forma o que for contra o que foi planejado. Quando os jogadores reparam isso, ressentimento e brigas ocorrem, ou pior ainda, a total dissolução do grupo. Aposto eu que muita gente simplesmente parou de jogar RPG por causa dessa desprotagonização de seus personagens. Por causa disso, o ilusionismo normalmente é encarado como um estilo disfuncional de jogo.
Mas de vez em quando estes grupos se transformam. Os jogadores percebem que isso está ocorrendo (ou o mestre deixa claro, não tem diferença) e eles não tem nenhum problema com isso. Já vi muitos justificando como “É o papel do mestre criar a história”. A este estilo é dado o nome de Participacionismo. Nele, os jogadores apenas colocam cor dentro da narrativa, e eles estão felizes e satisfeitos com isso. Dessa forma, este estilo já não é mais considerado problemático, e sim completamente funcional.
Tanto o participacionismo quanto o ilusionismo dependem de técnicas do mestre chamadas de “GM Force” no jargão de teoria. Aquele conselho básico dos RPGs modernos de “não deixar uma rolagem ruim estragar toda uma boa história” é um exemplo perfeito de técnica de GM Force. Outras técnicas como “não deixe para uma rolagem de dados decidir algo crítico ou que precise acontecer na aventura”; “alterare o resultado dos dados para evitar um massacre ou para dificultar uma batalha”; a “preparação flexível” sugerindo que o mestre prepare eventos, lugares ou cenas de forma flexível para encaixar de forma mais orgânica para onde os jogadores resolverem ir, também são outros exemplos. Perceba que todos os mestres, de um estilo ou de outro, utilizam algumas destas técnicas de GM Force. Elas não são boas ou ruins por si só, pois elas podem ser utilizadas tanto para aumentar a credibilidade e autoridade dos jogadores, quanto para diminuir, causando a temida desprotagonização e o railroad.
O terceiro estilo é o que era praticado no D&D de antigamente ou que ainda está presente nos módulos e aventuras prontas. Ela resolve o impasse com o mestre preparando um cenário bastante linear, com gatilhos ou pistas espalhadas pela narrativa, e que acontecem quando os jogadores as encontram. Dessa forma, os jogadores estão livres para fazer o que quiserem, mas a história só acontece realmente quando eles vão no lugar correto. A este estilo é dado o nome de “trailblazing“, na falta de uma tradução apropriada. O interessante sobre este estilo é que ele também depende de um certo acordo entre o mestre e os jogadores onde eles concordam em se manter dentro da trilha e encontrar a próxima pista, e acaba-se criando um desafio para eles – o de se chegar no fim da aventura através da suas sagacidades e testes bem sucedidos.
Nem sempre é fácil separar estes três estilos de mestrar, mas em todos eles os jogadores estão explorando uma história criada pelo mestre, mudando apenas o relacionamento que eles tem com ela. Seja com ou sem consentimento, ou através da boa-fé dos jogadores, eles ainda estão explorando a história criada pelo mestre.
No entanto, existe um quarto estilo – um estilo em que o mestre já não tem mais o controle completo da história. Ele ainda cria o mundo, dá o clima e o tema, cria as oposições e as situações iniciais, mas o que ocorre depois disso cabe completamente aos jogadores decidirem. O estilo chama-se “bass-playing“, ou tocando baixo, comparando o papel do baixo em uma banda de jazz ou de rock. O baixo é quem geralmente dá a batida, define o tom e faz as viradas e mudanças na música, mas ele nunca toca a melodia. Da mesma forma, o mestre que segue este estilo cria estas situações iniciais e então vai para o plano de fundo, deixando que os jogadores criem a história através das suas ações. O bass-playing é o estilo mais interativo e livre de se jogar, mas também é o que mais demanda pró-atividade dos jogadores e muita improvisação do narrador.
Isso não significa que o bass-playing é o melhor jeito de se jogar. O participacionismo e trailblazing são formas funcionais e que muita gente se diverte enormemente, sem nenhum problema. Os quatro estilos em sua forma pura também dificilmente são encontrados. O mais comum é que você mude entre um estilo e outro durante diferente pontos da aventura, ou que utilize um estilo mas pegue elementos de outro, ou ainda como o Franciolli seu estilo seja diferente dependendo do grupo que você está jogando. O interessante é que você reconheça os diferentes estilos para evitar problemas de expectativa com o seu grupo, além de ser uma excelente forma de conhecer outros lados do RPG que você não conhecia.
Eu gosto do estilo Participacionismo, e eu o utilizo bastante, mas também tenho um pouco de bass-playing. Deixando eles fazerem suas histórias, e improvisando em cima disso, gostei do post, parabéns.
ainda tem o porraloquista, que deixa a coias correr solta e não sabe como conduzir o jogo direito. kkkkkkkkkkkk
Hahahahaha “porraloquista” foi foda. Tenho certeza que eu mesmo já usei esse estilo 😀
O estilo “ideal” é aquele se se enquadra no teu grupo. Eu sempre que tento pegar uma aventura pronta faço um trailblazing, mas quando é aquela “aventura planejada do corassaaaum, com mundo próprio, e etc”, é um bass-playing.O ideal é que, acabada a sessão as pessoas digam “Me diverti! Valeu gurizada!”
Como eu disse, o meu estilo é por demanda, depende do que o grupo quer, mas de todos, o que evito usar é o Ilusionismo, simplesmente porque o considero uma falta de respeito com os jogadores 🙂
[…] 1d6 leitores! Se vocês estão lembrados, algum tempo atrás aqui no ForjaRPG eu escrevi sobre os quatros diferentes estilos de mestrar. Estes quatro estilos são respostas possíveis a pergunta “De que forma é conciliada a […]
Interessante a postagem, e acredito que sou um mestre que se encaixa mais no “bass-playing”, mas gostaria de fazer um comentário sobre o estilo que mais caracterizava o D&D antigamente. As aventuras antigas estavam longe de terem trama lineares, isso só começou a surgir lá pela segunda edição. A imensa maioria das aventuras eram bastante no estilo “bass-playing”, com Módulos apresentando lugares e situações e os personagens podendo ir para onde quiserem. A história era mais emergente do que planejada. Muitas vezes não existia uma história pronta, e ela ia se formando a medida que os jogadores, junto com o mestre, fossem a criando. Está aí o motivo do nome ser “Módulos” e não aventuras ou histórias. Eles eram encaixáveis em quaisquer lugares, histórias e mundos.
Estou estreando como narrador em uma campanha de TORMENTA, já tive que variar entre três destas modalidades em momentos diferentes… Gostei demais do post.Acho que um pouco de ilusionismo se encaixa quando o grupo toma uma decisão, escolhe um destino e um jogador resolve”F” com todos os outros…Mas também é desagradável para o mestre.
Lendo esse artigo, vejo que narrei muito o estilo tailblazing, mas mudei para o bass-playing há alguns anos. Acredito que melhorou muito o jogo.