Um post rápido para discutir algumas definições que considero fundamentais para a discussão de teoria e design de RPG. Eu estava pensando em transformar isso em um podcast, mas eu acredito que pra mim será mais produtivo escrever do que falar sobre estes assuntos. Então bote o capacete e aperte os cintos, pois lá vem mais teoria “hardcore”.
O que é RPG?
Não, eu não estou falando de explicar o que é RPG para sua mãe que ficou curiosa com vocês conversando ao redor de uma mesa enquanto jogava dados. Já escrevi sobre esta definição aqui mesmo no ForjaRPG. O que me interessa é saber: o que define nosso hobby? O que é que nós ficamos fazendo ao redor de uma mesa, de fato? Onde está a linha que separa o que é e o que não é RPG?
Algumas pessoas citam como definição de RPG a atividade que um jogador faz durante uma sessão de jogo de um RPG tradicional, como Dungeons & Dragons ou Vampire. Talvez seja algo como: “RPG é um jogo onde você interpreta um personagem através de situações fantásticas“. Se essa é a definição, então o que o mestre/narrador está fazendo? Ele não está jogando RPG junto com vocês? É muito fácil confundir a parte com o todo – seria mais ou menos como definir o que é futebol através da definição do papel do atacante, sem explicar por que um jogador de cada time tem um uniforme diferente, usa luvas e ainda por cima encosta a mão na bola. Então a definição não pode conter “interpretação”, pois mesmo quando o mestre/narrador está descrevendo o cenário, sem interpretar nenhum personagem, ele ainda está jogando RPG.
O Luke Crane e Jared Sorenson disseram que um RPG é “um jogo onde você toma decisões mecânicas inferiores“, o que significa que ao contrário de um jogo de tabuleiro, não é esperado que você jogue sempre da “melhor” forma. O John Wick também compartilha desta mesma definição. Outras definições misturam RPG com a criação coletiva de uma história, o que também é algo bem característico do nosso hobby. Mas estas duas definições deixam de lado alguns tipos de RPG e estilos que não se encaixar nesta definição mas que definitivamente ainda são RPGs, por exemplo o D&D Old School (o de raíz, não o brasileiro), onde não existe preocupação com a história e é esperado que os jogadores tomem as melhores decisões possíveis com seus personagens.
Como vocês podem imaginar, isso é um assunto complicado e não existe consenso. O máximo que você pode fazer é escolher uma definição preferida. A minha é esta (tirada do Deeper in the Game):
RPGs são jogos onde o foco é uma ficção imaginária e ela influencia as escolhas de seus jogadores.
Perceba que isso engloba desde RPGs tradicionais, como os chamados Story Games, e até mesmo os LARPS.
O que é Sistema?
Estamos acostumados com a definição padrão do que é sistema: sistema é um conjunto de regras que pode vir ou não acompanhado de cenário, e normalmente vem em forma de um livro. D&D é um sistema, e Vampire é um sistema. Não é?
Você já teve a experiência de entrar em um grupo de RPG já formado, que joga um RPG que você conhece como o D&D, mas que após algumas horas durante a primeira sessão você se sente um completo alienígena no grupo e acha completamente bizarro a forma que eles estão jogando? Você foi convidado para uma sessão de D&D, mas as suas sessões de D&D eram completamente diferentes do que o que esse grupo novo faz.
Isso não acontece com boardgames. Se você for convidado para jogar Colonizadores de Catan, e se você souber as regras, a chance de você entender o jogo e se divertir jogando é grande. Afinal de contas, é Catan, todo mundo sabe jogar Catan. Mas o mesmo não ocorre com RPG. Por quê?
Sessões de RPG são basicamente conversas. As pessoas conversam sobre uma ficção imaginária e decidem o que acontece nela (veja a definição acima!). Mas como elas decidem o que acontece? Qual o meio utilizado? Exatamente este meio é o que é o sistema, para aquele grupo de pessoas. Isso é chamado por Lumpley Principle, e foi criado pelo Vincent Baker. Esclarecendo a definição:
Sistema é a maneira pela qual um grupo de jogadores chega a um consenso a respeito do conteúdo da ficção imaginária.
Perceba que destaquei a palavra “maneira”. Ela é a chave para entender a definição, e não o consenso, como muitas pessoas acabam fazendo.
No exemplo que foi dado, pode ser que o problema seja o outro grupo utilizando um sistema completamente diferente do que você está acostumado ou esperando.
Os livros de regras que nós chamamos de sistema são apenas instruções e procedimentos, que só irão se tornar sistema a partir do momento que forem utilizados para se chegar a um consenso a respeito da ficção do jogo. O fato de alguma regra estar escrita nos livros não significa de maneira nenhuma que ela será seguida durante o jogo de fato.
O RPG, como uma atividade social (é uma conversa, lembrem-se) também segue regras sociais que não são descritas em nenhum livro e que podem variar enormemente de grupo para grupo, mas que ainda fazem parte da definição de sistema pois influenciam na ficção imaginária da mesma forma que uma bola de fogo lançada pelo mago.
Também não importa se você está jogando um sistema de regras rebuscadas e complexas, como D&D 4ª Edição, ou se está jogando um freeform sem regras escritas, apenas seguindo informalmente o que o narrador decide: ambos os grupos estão utilizando sistema. No caso do freeform, a diferença é que as regras são informais e sociais, e regidas por consenso ao invés de um livro escrito por um game designer.
concordo com praticamente tudo. Mas acho que a frase “RPGs são jogos onde uma ficção imaginária é o foco do jogo e influencia as escolhas durante o jogo.” pode ser trabalhada mais.Vamos lá: primeiro vou ‘podar os excessos'”RPGs são jogos onde o foco é uma ficção imaginária e influencia as escolhas dos jogadores.”Acho que a palavra “proposta” poderia ser bem utilizada nessa frase. Afinal, como o Pedro disse no texto, existem vários tipos de jogadores e grupos. A Proposta, no caso, depende do que o grupo quer.Também gosto muito da ideia (cara, um parenteses…como eu ODEIO escrever ‘idéia’ e na mesma hora o pc avisar que idéia está errado por causa do acento…VTNC nova regra de acentuação) de criar uma história. Não concordo com o Pedro na hora que ele diz que Old School não se “cria uma história”. Pra mim se cria. A história dos personagens, sobrevivendo, juntando tesouros. Pelo simples fato de que os jogadores ficam contando suas aventuras, com velhos dando quests, tesouros e dragões, depois das sessões já indica que é um jogo de CRIAR histórias. Obviamente histórias algumas vezes escritas por crianças de 5 anos e bêbados, mas faz parte.Incluindo essas duas idéias na frase:”RPGs são jogos onde o foco é criar uma ficção imaginária seguindo uma proposta, que influencia as escolhas dos jogadores.”mas não gostei da “proposta”… ah, mas fica aí pra me xingarem :_/
A tradução da frase ficou ruim mesmo, mea culpa. Gostei muito da sua versão reduzida.Mas não gostei muito da parte “seguindo uma proposta”. Muitas mesas (muitas mesmo!) tem grupos em que cada um entra no jogo com uma proposta diferente. Vai dar merda, normalmente não funciona, MAS não deixa de ser RPG.Quanto a sua questão de história, acho que é só semântica. Você pode dizer que história é algo que possui drama, um ou mais temas, e talvez até uma moral por trás. Essa é a definição que tive para dizer que Old School não tem. Mas ela tem história no sentido de “eventos em sequência que possuem conflitos”. Portanto talvez seja melhor ainda deixar “história” fora da definição, por ser algo que por si só já é complicado de definir.
A propósito, corrigi a frase usando sua sugestão. Valeu Chikago!
no sweat, pode usar sem problemas.O problema da ‘proposta’ é que teoricamente é relacionada ao sistema e ao “contrato social” do jogo. Assim, cada jogo, mesmo usando o mesmo sistema, ou usando o mesmo contrato social, é diferente um do outro. Por isso dá pra dizer que fica foda tentar incluir isso na definição.
Puta texto foda!
Ótimo texto, qualidade boa. Mas eu não consigo concordar com essa definição de RPG do Deeper in the Game. Ali só fala restritamente na história em si, o RPG contém regras que são alinhadas ao objetivo de contar e participar de uma história. Respeito e talz, mas sei lá, não usaria esta frase para conversar com alguém.