Resenha – Burning Wheel Gold

Muitas pessoas tem um sistema preferido, geralmente algum que mais se aproxima do que ela espera que um sistema de RPG faça por ela. Pra mim, esse lugar é ocupado pelo Burning Wheel desde o momento em que comecei a ler a sua segunda edição, a Revised. Desde o primeiro capítulo fica claro que o BW não é um RPG comum, mas sim um sistema bem pensado, testado e com regras bem integradas com uma única intenção: fazer um RPG cujo foco seja todo dos personagens jogadores e o drama que eles criarem e/ou se envolverem.

Mas afinal, o que é Burning Wheel?

O Burning Wheel é um sistema de fantasia medieval, e no livro básico estão disponíveis os homens, anões, elfos e orcs como raças, e as influências de Tolkien são bem claras. No entanto, isso é tudo que ele tem em comum com outros RPGs tradicionais, com o bom e velho D&D. O foco de um jogo de BW não está no tesouro, na exploração de masmorras e o massacre de monstros – no BW o que importa são os personagens e a narrativa. Ele pode ser um jogo sobre um personagem que luta, mas o foco não são as batalhas, e sim o personagem.

Atualmente na sua terceira edição, chamada de Burning Wheel Gold, o livro é um behemoth de mais de 600 páginas em capa dura, formato A5, em preto e branco. A qualidade do livro é inegável, o papel e a encadernação é de excelente qualidade, o que chama ainda mais atenção quando este livro custa apenas 25 dólares. E gastando apenas isso, você tem tudo necessário para jogar, não sendo necessário nenhum suplemento.

A primeira edição do Burning Wheel, atualmente chamada de Burning Wheel Classic/BWC, foi bastante premiada e esgotou rapidamente, o que é um grande feito para qualquer RPG independente. Ela foi rapidamente seguida por uma segunda edição, que revisou algumas regras e adicionou algumas mecânicas, o Burning Wheel Revised. Até o Revised, o sistema era dividido em dois pequenos livretos de 300 páginas em capa mole, mas que eram vendidos juntos pelos mesmos 25 dólares. Quando o Revised esgotou, foi lançado a versão atual, Gold, encadernado em apenas um livro capa dura.

As mudanças entre as diferentes edições são pequenas, o sistema é basicamente idêntico a versão lançada em 2001, ao ponto que um suplemento lançado em 2002 para a versão clássica ainda seja perfeitamente utilizável na sua terceira edição.

E o que esse Burning Wheel tem de especial?

O básico do sistema é bastante simples: você rola uma quantidade de d6 igual a sua perícia ou atributo. Qualquer dado que sair maior ou igual a 4 é um sucesso. As jogadas de dado podem ser simples, quando o mestre define uma dificuldade e você precisa tirar uma quantidade de sucessos maior ou igual ao obstáculo, ou versus, onde dois personagens rolam ao mesmo tempo e comparam quem teve mais sucessos. Esta é a base do Burning Wheel e sabendo somente isso você consegue jogar.

É claro que as regras utilizam esta base para criar as mecânicas, e o livro do Burning Wheel é bastante cheio de regras e crunch. Inclusive, em uma leitura superficial, a grande quantidade de regras e exceções pode até assustar. Ele não é um sistema light, com poucas regras e mais abstrato. No entanto, o próprio livro recomenda que todos os subsistemas são opcionais e devem ser utilizados aos poucos durante o jogo.

A criação de personagem é feito de uma maneira que eu nunca vi em nenhum outro RPG. Você literalmente define tudo que o seu personagem já passou desde a sua infância escolhendo os chamados lifepaths. Os lifepaths são atividades, “pedaços” da vida do seu personagem que duram alguns anos e que você irá encaixar para formar as experiências que seu personagem possui.  Você não cria um personagem cavaleiro, você monta sua história: Born Noble, Page, Squire, Knight, por exemplo. Cada lifepath tem suas perícias que ele permite comprar e seus traits, que são mais ou menos como vantagens/desvantagens. O resultado é quase um “mini-jogo” muito interessante que você faz para criar seu personagem, e no fim você tem muito mais do que um esqueleto – o personagem tem mais profundidade e dimensão, apenas seguindo as regras do livro.

Ao final da criação dos personagens, todos terão suas crenças, traços e instintos que servem para mostrar o jogador escolheu para motivar o seu personagem e como ele quer interagir dentro da história. Isso faz com que a tradicional tarefa de planejar a aventura do mestre seja drasticamente alterada – cada jogador já tem definido como ele quer ser integrado a história e o que ele quer fazer. Isso faz com que a responsabilidade do jogo deixe de ser exclusivamente do mestre e faz com que cada um crie uma parte do jogo na definição dos personagens.

As mesmas crenças, traços e instintos também servem para dar recompensa aos personagens, chamada no Burning Wheel de  Artha. Ao interpretar o seu pesonagem de maneira condizente com suas crenças, traços e instintos, os jogadores ganham pontos que permitem que eles ganhem dados extras, diminuam a dificuldade ou rerolem jogadas. Ao longo da campanha, após gastar uma quantidade grande de Artha em uma perícia, ela muda o seu “shade”, e ao invés de ter sucesso com 4, 5 ou 6, você começa a ter sucesso com 3, 4, 5 ou 6, se tornando ainda mais heróico. Repetindo: ao interpretar seu personagem da maneira que você mesmo o criou, você fica melhor nas jogadas e com o tempo irá chegar ao nível dos grandes heróis.

Também é tido em muitos lugares em que cada jogada de dado no Burning Wheel é importante. Isso acontece pois no Burning Wheel o mestre precisa seguir a regra “diga sim, ou role o dado”, que faz com que apenas em situações importantes ou dramáticas o mestre deve pedir um teste. E também a partir do “let it ride”, que significa que não existem rerolagem de testes ou muitos testes para a mesma situação – role uma vez e torça para ter sorte!

A evoução do personagem também é bem diferente no Burning Wheel. Embora pareca complicado a primeira vista, seu personagem evolui fazendo os testes. Ele precisa fazer uma certa quantidade de testes de dificuldades diferentes para evoluir na perícia, e você controla isso na ficha de personagem. Quanto maior sua perícia, mais difíceis e mais testes você precisa para evoluir. Isso significa que não apenas cada jogada de dados é importante para a história, mas você também define a evolução do seu personagem escolhendo o que você faz durante o jogo.

Ok, parece interessante. E o que mais?

O sistema de combate também é bastante inovador. Cada turno é divido em três “voleys”, e cada pessoa envolvida no combate escolhe suas ações previamente e em segredo. O resultado disso é um combate caótico, rápido e realista. Finalmente um sistema onde aspectos como o alcance da arma e a armadura sendo danificada durante a batalha são implementados de forma simples e interessante.

Além do sistema de combate, Burning Wheel possui o Duel of Wits, uma forma de “combate social”, onde dois lados tentam provar que estão certos para seus oponentes. Ele funciona da mesma forma que o combate, onde você escolhe com antecedência sua manobra ou ação, e compara o resultado. Quem ganhar convence o outro de que est
á certo, mas se ele também tiver recebido “dano” do seu oponente, precisa fazer concessões. Então, tome cuidado ao tentar convencer os guardas ao soltarem o menestrel preso injustamente, pois você pode acabar conseguindo isso ao custo de ficar preso no lugar dele enquanto ele prova sua inocência.

Cada personagem tem um atributo chamado Circles, que é o quão bem relacionado ele é. E o jogador é quem vai criar seus próprios NPCs, perguntando a dificuldade ao mestre. Quer ver se encontra um guia para levá-los através da Floresta Amaldiçoada? É pedir ao mestre e rolar bem. Mas cuidado, pois se você não for bem sucedido, ele pode ser uma pessoa suspeita que não os irá levar para o lugar que vocês imaginam. Se você for bem sucedido no teste, esteja preparado, pois até o nome do NPC é de responsabilidade do jogador que o criou. Da mesma forma, as perícias de conhecimento permitem ao jogador criar fatos durante o jogo. Basta ser bem sucedido no teste, na dificuldade que o mestre determinar.

Como se não bastasse, o Burning Wheel ainda tem uma excelente Wiki cheia de material para o jogo, e um amigável e movimentado fórum oficial, onde o próprio autor aparece para responder as dúvidas dos jogadores.

Conclusão

É bastante óbvio o quanto eu gosto de Burning Wheel. Em minha opinião o melhor sistema de RPG existente, ele com certeza irá mudar a forma com que você enxerga outros RPGs se você der uma chance a ele.

No entanto, existem pontos negativos que até mesmo eu preciso admitir. O sistema tem muitas regras, ele é admitidamente um jogo. Jogadores que conhecem bem o jogo irão se dar melhor do que os iniciantes, e pode não ser interessante para aquelas pessoas que não se envolvem tanto e/ou não gostem de ler regras. Se você está procurando um sistema light, com poucas regras e fácil de ensinar e jogar, talvez Burning Wheel não seja pra você.

Além disso, os Lifepaths do sistema não são facilmente alteráveis. Neste ponto, sinto que o sistema de certa forma engessa as modificações e hacks,  pois você precisa ter bastante conhecimento do sistema para alterar alguma parte dele sem causar alguma catástrofe não planejada. Logo, se você procura um sistema base para alterar e deixar do seu gosto, também não posso recomendar o Burning Wheel.

Se esta resenha lhe interessou mas não o suficiente para comprar o livro, dê uma lida nas minhas análises detalhas do Burning Wheel, parte 1 e parte 2, além de ver a criação de um personagem do zero. Se você quer mesmo entrar no mundo do BW, eu também fiz um texto chamado Começando a Jogar Burning Wheel que pode esclarecer mais algumas dúvidas.

EDIT: Eu esqueci de mencionar, mas o Luke disponibilizou a primeira parte do Burning Wheel Gold, que tem todas as regras básicas do sistema junto com alguns personagens pré-feitos de graça para baixar. São 74 páginas de awesomeness, perfeito para quem quer conhecer o Burning Wheel.

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Visualizar Comentários (6)
  1. O BW é muito bom. Joguei a versão “simplificada” (segundo meu narrador) implementada no Mouse Guard RPG, e gostei demais, principalmente dos conceitos de evolução, escolhas de rolagens e narrativa compartilhada. O jogo contribuiu (por ser focado em amizades e na crença do dever por um bem maior) para dar o clima de saga divertida de fantasia, mas o sistema pareceu ser ágil e foi bem divertido.Acho que esse é um daqueles jogos onde, se você tiver alguém pra te guiar pelo caminho, se torna fácil jogar.

  2. Delibriand

    O Mouse Guard é um RPG excelente, uma verdadeira obra prima do Luke. Ele conseguiu sintetizar o Burning Wheel em um sistema mais acessível e simples, e ainda conseguiu deixar com o mesmo clima dos quadrinhos. É sensacional mesmo, não vejo a hora de chegar o meu Boxed Set :DNo entanto, jogar Mouse Guard e jogar Burning Wheel é uma experiência bem diferente, por causa da estrutura que tem no Mouse Guard que não existe no BW. Eu recomendo ambos, os dois são muito animais!

  3. Engraçado, ao ler o começo do texto eu pensei exatamente no que você descreveu no final dele. Esse estilo de criação de personagem é benefico porque varios jogadores acabam sendo bem superficial nesse ponto, mas prejudicial porque pode ceifar algumas ideias bacanas de interpretação.A parte de combate pode dar um twist interessante , mas os “combates sociais” não me agradam muito. Me parece regra demais e pelo menos pra mim, quantifica e numera os dialogos, que me é o mais importante. Dito isso só jogando pra ver como se desenrola.

  4. Rapaz, bem que você poderia fazer um video-review de RPGs também né :)Mas te digo, comprei BW por sua “culpa” hehe

  5. Delibriand

    Video-review de RPG seria bacana, mas eu mal ando com tempo de fazer os de boardgames, e eles são prioridade :-)E parabéns pela aquisição, espero que goste e se quiser discutir alguma coisa sobre o BW é só me procurar 😀

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