Nesse texto, apresento um exercício de pensamento de design de jogos acerca de como funcionam os sistemas de magia em jogos de RPG. Essa reflexão tem por objetivo compreender os elementos utilizados no RPG para desenvolver mecânicas que podem ser utilizadas em sistemas que tenham a possibilidade de que os personagens utilizem magias.
Estava esses dias refletindo sobre a experiência pretendida por designers de jogos ao inserir a possibilidade de que, jogadores e jogadoras, criem personagens que utilizam magia. O que significa a magia? Nesses jogos, compreendo a magia como uma manifestação realizada pelo personagem que quebra a realidade ficcional, da narrativa produzida pelas pessoas, algo que seria muito difícil de realizar sem essa manifestação.
Vou explicar melhor. Quanto estou jogando Mago: Cruzada dos Feiticeiros, meu personagem foi criado com esferas de vida, matéria e uma que serve para teleportar coisas (nem me lembro o nome). Meu personagem “lutava” usando moedas, usando o poder de teleporte, associado a matéria e vida, para teleportar moedas para o cérebro ou coração dos oponentes, que ficavam indefesos.
“Raoni (@raoni no twitter): Um Hermético acredita que a capacidade de moldar a realidade vem do estudo constante dela. Enquanto os cultistas do êxtase acreditam que você consegue fazer isso apenas alterando seu estado de consciência”.
Isso seria, normalmente, algo impossível se a manifestação desse poder não estivesse ligada a quebra da realidade. Falando com Raoni (@raoni no twitter), ele me lembrou que em Mago, a magia é de origem sobrenatural, que é dominada por personagens que são “magos” a partir da percepção de que a realidade é composta para moldar as coisas a sua vontade. Essa habilidade pode ser aprendida ou inata.
O que eu percebi com isso? A magia tem uma origem, um poder que concede sua possibilidade (em Mago é o sobrenatural). Ela tem requisitos para aprendizagem (em Mago, conhecer como a realidade é formulada). Ela tem forma de aprendizagem (em Mago, pode ser inata ou aprendida). Ela tem uma forma de manifestação, o efeito que ela causa para distorcer a realidade (teleportar uma moeda para o coração de um inimigo, causando parada cardíaca). Isso tudo é parte da história, do contar história.
A mecânica está lá, justamente para compor o sistema de regras do jogo, ela diz o que pode ser feito com os recursos que você escolhe para sua personagem. As regras, segundo Jane McGonigal, servem para, justamente, limitar as formas óbvias de desenvolver o jogo. Essa mecânica pode ou não orientar ou ser orientada pela narrativa/história criada pelas pessoas que participam da atividade de jogar.
Nessa minha reflexão, esses elementos essênciais: origem, requisitos, aprendizagem e manifestação; são elementos que podem ser utilizados para a construção dessas mecânicas/regras. Vamos a um exercício para deixar mais clara essa ideia.
Eu não sou um grande leitor de Hellblazer, mas vejo que a magia que Constantine utiliza tem o sobrenatural como fonte de poder. É um sobrenatural fantástico, ligado a demônios, anjos, artefatos e símbolos, que seriam os requisitos para manifestar esse poder. Além de adquirir esses requisitos, Constantine tem que estudar para compreender como usar esses feitiços, que necessitam também de palavras magicas em diversas linguagens ficcionais, criação de novos símbolos e movimentos corporais. Esse é o processo de aprendizagem do personagem. Usando esses artefatos, símbolos, signos, palavras e movimentos, o personagem pode materializar fogo, prender e banir inimigos, criar ilusões, invocar criaturas e tudo mais.
Resumindo: o acesso a “energia” sobrenatural seria a origem dos poderes, que pode ser acessada por artefatos místicos, mas que requer que o personagem estude os “feitiços” para manifestar esses poderes. Mas como isso poderia funcionar de forma mecânicas, quais regras podemos utilizar?
Sendo a origem sobrenatural, as regras de magia poderiam exigir uma relação de background de personagem, um contato com criaturas sobrenaturais ou mesmo herdar um artefato familiar.
Background: Origem sobrenatural, seria um nome legal. Depois disso, o personagem tem de ter acesso a artefatos, símbolos e pactos com entidades para cumprir pré-requisitos de acesso a essas magias. Como as magias são estudadas, poderia ser uma lista, que tem como pré-requisito estar de posse do artefato, além de alguma habilidade de conhecimento em um valor mínimo, que representa o tempo de estudo do feitiço. Então, para manifestar esse poder, o personagem tem de estar de posse do artefato e conhecer as palavras-magicas, conectando as duas coisas com recursos na ficha de personagem, para que se possa manifestar a magia.
Artefatos mais poderosos poderiam gerar versões mais poderosas da mesma magia? Cada artefato ou pacto só funciona com uma magia? Depois de usar a magia existe um tempo de espera para usar novamente ou pode usar repetidas vezes? Usar essas magias causa algum efeito negativo físico na personagem? Essas são perguntas que precisam ser pensadas e desenvolvidas, mas esse não é o espaço.
O que desejei demonstrar com esse texto é a minha reflexão, como designer de jogos, sobre um jogo que tenho desenvolvido. Pensar os elementos narrativos que compõem um sistema de magias é, na minha opinião, uma forma interessante de construir regras e mecânicas sobre magias para meu jogo de RPG. Faltou algum elemento? Algo que poderia ser inserido nessa reflexão? Ou teriam muitos elementos? Aguardo seus comentários.