Planos de Fundo: Relações comerciais

O pensamento da Idade Média, principalmente a alta idade média, bania qualquer tipo de usura (lucro) e a caracterizava, inclusive, como um pecado extremamente vil e corruptível. Apenas no período Iluminista com as ideias expansionistas e mais fortemente, após a reforma protestante de Lutero, é que o lucro deixa de ser visto como pecado.

Então, por que seus personagens ficam tentando vender coisas e conseguir o maior lucro possível em suas ações? O pensamento medieval era focado na vida protegida pelo suserano, em suas relações de vassalagem, na hereditariedade das condições sociais e por fim, nas relações de servidão como um todo.

Quadro de Vincenzo Campi – The Fruit Seller

Pegue por exemplo, os Reinos Esquecidos, temos na cidade de Águas Profundas um imenso comércio na maior cidade dos reinos, mas como isso é possível se ele é um cenário de fantasia medieval? Basicamente, quando pensamos em comércio, esquecemos que por traz dele existem pessoas que estão à frente de seu tempo.

Lorde Piergeiron, o filho do Paladino; não cobraria, por exemplo, impostos sobre o comércio, visto que eles não estão sobre a proteção de sua flamula, já que, geralmente, comerciantes formam suas caravanas protegidas por mercenário. Outros Lordes poderiam cobrar simplesmente pela entrada em suas terras, lembrem-se, os donos das terras, por hereditariedade, são seus senhores e a Lei (autoridade).

O comercio medieval é focado nas caravanas comerciais, aproveitando tanto as estações do ano, quanto das festas importantes e épocas de colheita. Os personagens poderiam encontrar importantes vendedores, amigos e outros NPCs em diversas cidades de acordo com as épocas do ano. Aproveite esse gancho para inserir os personagens em festividades, afinal se eles precisam comprar uns balsamos de John Huprest, ele poderia ter seguido com sua caravana para o festival em homenagem ao Deus da Guerra que acontece em Baldur’s Gate no fim da primavera.

Pensando nos camponeses, eles produziam para subsistência e pagavam seus impostos com uma terça parte de sua produção. É sabido, porém, que existem relações comerciais do excedente de produção, no entanto, o camponês não produzia com esse objetivo, visto que, via de regra, das terras de seu Senhor, muitos deveriam trabalhar e dividir o espaço.

Outro ponto interessante é que comerciantes, notadamente, necessitam pagar mercenários para ajudar no transporte de suas cargas e na guarda de seus pertences. Este é um gancho já batido e bem comum, que pode ser usado de novas formas. Quem sabe os personagens, sem dinheiro algum, conseguem um contrato para guardar uma caravana de Mith Dranor até Cormyr, assim, garantindo além de uns trocados, a viagem e a alimentação.

As religiões mais tradicionalistas e mesmo as mais voltadas à fertilidade e a família, pregam ostensivamente contra os que praticam a usura. Rogando pela proteção da terra e pela manutenção do poder do regente. Os sacerdotes mais radicais poderiam inclusive, tomar diretivas contra grupos de comercio que se mostrem mais ousados (vendendo bens da igreja adquiridos por intermédios de aventureiros) o que poderia ocasionar uma guerra velada entre comerciantes e sacerdotes.

Lembre-se de outro fato, os ricos e poderosos na Idade Média (e na fantasia medieval) são os donos de terra, estes grandes proprietários são consagrados e ungidos por seu nascimento em bom berço, enquanto, os comerciantes são apenas novos ricos que não detém qualquer posse, títulos ou bênçãos.

Terras não são mercadorias, em muitas culturas, como já estamos cansados de saber, elas são a representação do poder. Reinos fazem guerras por faixas de terra e não por pessoas. No fim, um ser humano terá seu valor medido por suas posses (igualzinho hoje, só que sem gasolina), a guerra por amor e tudo o mais é um floreio romanceado, um nobre nunca declara guerra a outro (um igual, todos os outros estão abaixo) se não puder aumentar o seu poderio, ou mesmo se tiver sua fonte de poder ameaçada.

Visto isso, pense bem, no papel dos comerciantes, nobres e seus vassalos (os agraciados com terras e títulos). Os costumes da Idade Média são realmente um ótimo ponto para se trabalhar o cotidiano em suas campanhas de RPG, e um plano de fundo extremamente rico e interessante.

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  1. Saudações, Jeferson.
    Excelente artigo com esse pano de fundo. Acredito que a razão pela qual esses elementos são muito pouco trabalhados, é justamente por tratar-se de ambientações pseudo-feudalista, sem a utilização do mais complexo do feudalismo.
    O seu artigo traz pontos interessante que, com certeza, mudariam toda a forma de narrar uma Forgotten Realms, SE estes conceitos fossem utilizados.
    Nessa mesma pegada, gosto do livro “Fief – A medieval society from its lower rungs” escrito por Lisa J. Steele e publicado pela Cumberland Games & Diversions, o qual recomendo.
    Forte abraço.

    1. Olá Franciolli, a ideia foi apresentar algo que possa ser explorado nas narrativas da fantasia medieval, mas a própria ideia de Idade Média, na história, não é um consenso, uma vez que as características do medievo só se adequam a uma certa parte da Europa (onde hoje conhecemos França, Inglaterra, parte da Alemanha). Gosto de pensar neste post como pontos a serem explorados, para ampliar a imersão, levando em consideração o plano de fundo histórico.

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