A inserção de itens amaldiçoados em uma campanha de RPG pode ser frustrante para os jogadores, quando estes são colocados na forma de “castigo” pelo narrador. A ideia central de uma boa sessão de RPG é diversão, coletiva, onde o narrador não é o único responsável, mas quando a centralidade do ato de contar histórias está no narrador (como em D&D por exemplo), isso recaí diretamente nas opções narrativas.

Fugindo desse estereótipo de itens amaldiçoados como um “castigo” imposto pelo narrador, trago uma sugestão, com três exemplos que podem ser utilizados, para inserir, de forma diferente, o uso destes itens nas suas campanhas.

Lamuria Sombria

Durante a narrativa, um dos personagens tem de utilizar um item mágico amaldiçoado para derrotar uma criatura sombria, que só é ferida por aquela arma. A aventura vai exigir que aquela arma fosse utilizada, em especifico, para derrotar uma criatura também especifica.

Esse tipo de abordagem é bem comum em crônicas de fantasia, como no próprio Senhor dos Anéis, quando a sociedade tem de jogar o “Um Anel” na Montanha da Perdição para destruir Sauron. Aquele item mágico é a chave, e apenas o hobbit Frodo tem a capacidade de leva-lo sem ser corrompido no processo.

Fonte: Slavorun

Lamuria sombria seria uma espada mágica, criada a partir dos cacos de uma arma lendária que fora encontrada por um Sabah a séculos, com um background próprio. Diz-se que esta foi forjada com o sangue das feiticeiras mais prodigiosas da época e dada a seu guardião, no entanto, o Aço Estilhaçado, ainda guardava resquícios do grande mal que foi destruído Eras atrás, Arvoc o semideus da praga. Com isso, Lamuria Sombria é uma espada bastarda enegrecida, cheia de veios onde muitas vezes pode-se ver sangue vertendo, uma arma feita para destruir tudo que toca, inclusive, seu portador.

Karla, A bruxa cinzenta

Para quem assistiu Record of Lodoss War, Karla, uma poderosa tiara magica, com a intenção de “equilibrar” as forças do mundo (não é a Tiara do Thanos), estava sendo utilizada pela sacerdotisa Leylia. Esse poderoso artefato entrou na vida dos aventureiros Parn, Deedlit, Etoh, Slaynn, Ghim e Woodchuck, pelo Anão do desejar reencontrar sua querida Leylia, no entanto, após a tiara ser removida da moça, Woodchuck (o ladino) se apossou do item, ou melhor, o item se apossou de Woodchuck.

Itens mágicos poderosos causam grande tentação aos personagens, tanto que depois de sucumbir a Karla, o paradeiro do herói Woodchuck é desconhecido. Reparem em como o item foi inserido, dentro de outra aventura, e como ele saiu de cena, dando margem à outra aventura. Sabemos que a guerra entre os reinos é por fim o plot principal de Record of Lodoss War, no entanto, o autor utiliza Karla para explicar muitas coisas que normalmente os telespectadores não saberiam.

Roronoa Zorro e a Espada Amaldiçoada

Um espadachim que luta com três espadas já não é uma coisa muito comum, e um camarada que decide comprar uma espada amaldiçoada, sabendo disso, não pode ser considerado dentro do status quo. Roronoa Zorro (One Piece) é um cara que gosta de aventuras, seu desejo é o se tornar o melhor espadachim do mundo. Dominando uma lamina amaldiçoada ele só prova seu potencial.

Os jogadores gostam de aventuras, eles tendem a se arriscar. Um personagem que compra um item mágico amaldiçoado sabendo o que está fazendo é no mínimo notório. Assim, quem sabe, oferecer uma dessas iguarias para o personagem, deixando-o ciente do mal que pode causar é uma ideia muito interessante a ser explorada.

EM RESUMO

No primeiro exemplo (Lamuria sombria), o objeto em si tem um background, toda uma história, que pode apoiar a narrativa, a busca pelo objeto em si pode ser uma aventura inicial. Os personagens já podem conhecer parte dessa história, e uma nova busca pela história real é uma possibilidade de aventura sequencial; tudo desaguando no “sacrifício heroico” que é utilizar aquela “coisa”. A ideia aqui não é ter um item poderoso, mesmo amaldiçoado, mas antes, criar laços entre a história dos personagens e a história do próprio item, criando vínculos, deixando claro o perigo que aquilo representa.

No segundo exemplo (Karla), temos duas ideias. A primeira é de que o poderoso artefato tem vontade própria, é poderoso, e pode se apossar da mente e corpo de outras pessoas. Karla tem uma missão, seu foco está em cumprir essa missão, ela não é boa ou má, antes disso, ela tem um propósito, e o que faz para cumprir esse propósito pode ser interpretado como bom ou mal. O item, não necessariamente, precisa ser usado para “tomar” o personagem de um jogador, entendo como mais interessante que este seja usado para capturar um NPC, que tenha ligações diretas com os personagens, uma espécie de quebra de laços, que venha a fazer parte da história.

Outro uso para Karla é o de apresentar certas coisas, como informações, lugares, eventos e histórias; que normalmente o narrador atribui a NPCs. Um item poderoso pode sim possuir memória e sabedoria, e dividir isso com os personagens, a algum custo. Não recomendo o uso exacerbado deste recurso narrativo, que exagerado pode tornar o portador um acessório deus ex machina em nossa obra de fantasia.

No terceiro exemplo, o caso de Roronoa Zoro, deriva-se a escolha, a aposta no risco, que um jogador escolhe para seu personagem. Explorar qualitativamente essa opção leva o jogador, e consequentemente seu personagem, a assumir riscos que podem auxiliar, quando bem planejados, no desenvolvimento da história daquele personagem, do grupo e da campanha. Um cuidado óbvio é o equilíbrio, se o narrador ofertar algo de imenso poder, é quase certo, mesmo que com alguma penalidade, o jogador irá querer aquilo! Equilibrar ganhos e perdas é a chave nesse processo, ter tanto a perder quanto a ganhar vai gerar duvidas, o jogador vai ter vontade de usar, mas terá medo de usar, essa é a parte mais interessante, explorar a dúvida e não as certezas na história colaborativa que está sendo contada.

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