Lavar a louça, além de ser bom para o relacionamento, também nos garante um momento único para refletir sobre aspectos existenciais, assim como também nos fornece tempo para ensaiar monólogos que pretendemos utilizar em nossas aventuras.
Em uma dessas oportunidades, enquanto removia o molho de tomate de uma panela, o vermelho sangue me fez refletir sobre aventuras de RPG e os vários sistemas. Tentei buscar um elemento comum a todos eles, mesmo que este elemento tivesse mais ênfase em um sistema do que outro.
Me lembrei das primeiras aventuras de AD&D que joguei e de muitas outras que joguei depois disso, incluindo uma campanha que narrei durante alguns anos. Tracei um paralelo com outros sistemas que tive a oportunidade de jogar e tantos outros que li e cheguei a uma conclusão, que agora me parece até redundante, no mesmo nível de pesquisas que constatam o óbvio.
O elo que une todos os sistemas e aventuras é o elemento investigativo.
É muito improvável que a primeira aventura que você tenha jogado não tenha girado em torno de uma investigação. E é muito improvável que as aventuras e campanhas que você tenha jogado ao longo de sua vida como rpgista não tenha girado em algum nível em cima de investigações.
Todo personagem de RPG faz parte de uma elite.
Mesmo que estejamos jogando Call of Cthulhu, onde a recompensa do investigador é não enlouquecer, não estamos lidando com um indivíduo qualquer, uma vez que a ele são apresentados fatos que permanecem ocultos da maioria e é missão dele, além de suportar os horrores, fazer com que isso permaneça longe dos olhos do mundo, afinal, a realidade é terrível demais para suportar.
O sistema GUMSHOE inovou por focar exclusivamente na investigação, independente do estilo de história sendo narrada, como podemos ver em seus títulos:
- Fear Itself, Esoterrorists e Trail of Cthulhu (horror);
- Mutant City Blues (supers)
- Ashen Stars (space opera)
No sistema GUMSHOE não existem becos sem saída. As habilidades investigativas do personagem farão com que ele consiga sempre a informação necessária para que o jogo continue fluindo. Gastar pontos permitirá que informações adicionais sejam fornecidas, mas os becos sem saída simplesmente não existem.
O mesmo não pode ser dito para outros sistemas que não são focados em habilidades investigativas, como D&D por exemplo, onde becos sem saída são comuns e precisam ser contornados por soluções caseiras, embora a quarta edição, ao introduzir os desafios de perícias tenha reduzido um pouco este efeito, embora não de uma forma muito eficiente.
Os jogos da linha Storyteller também são sobre investigação. Mesmo sendo “um jogo de horror pessoal”, os personagens acabam se envolvendo em situações nas quais precisam investigar e a partir dessas investigações, determinar o curso de ação para evolução da trama, seja descobrir Sabats em uma cidade comandada pela Camarilla, seja o desaparecimento de magos, supostamente por maquinações da benevolente tecnocracia.
As mecânicas podem não ajudar, mas…
Todos os jogos são sobre investigação, em maior ou menor grau, nós jogadores nos especializamos em aventuras investigativas, o que me faz pensar se aventuras de RPG poderiam ser diferentes.
Se você conhece algum RPG (indie ou não) que não se utilize investigações como elemento de suas histórias, não deixe de comentar e compartilhar o seu conhecimento.
Que a verdade ilumine o seu caminho.
Ora, que bom que está de volta Franciolli! (muito embora eu mesmo tenha desistido, hehe).
Pode crer, eu aproveito muito esses momentos onde não dá pra preencher de atividades (ida ao supermercado, lavar louça, ficar com a filhota no colo enquanto ela embala de vez no sono, etc) pra ensaiar diálogos e pensar na história que estou narrando (nesses dias de recém-nascida, estou só narrando pra Elisa o jogo solo dela muito raramente); muitas vezes, como aconteceu recentemente, aparece uma ideia pra incrementar o enredo.
Sobre esse lance de becos sem saída, eu gosto que os sistemas tenham mecânica para contorná-los de formas legais, mas gosto da ideia de que em determinado momento da trama *pareça* que o beco é sem saída, mas acontece algo ou um personagem tem um estalo que faz a coisa continuar. Dá uma verossimilhança legal. Por isso gosto tanto dos plot points!
Abs companheiro, espero que você prospere onde eu tombei!
Obrigado Dan.
Espero que a sua desistência seja, como a minha, temporária e que logo logo nos brinde com seus excelentes artigos.
Realmente, existe momentos em que um beco sem saída é legal, afinal, podem configurar-se como mais um ponto a ser explorado.
Que os caídos em breve levantem-se 🙂
Indo para o lado do indie, uma partida de Fiasco pode não necessariamente envolver investigação. Mas, já que a postagem é sobre reflexões, fiquei me questionando se, numa partida de Fiasco, mesmo que existam revelações, há realmente “investigação”, uma vez que as respostas emergem da mente narradora coletiva do grupo de jogo. Resumindo: se o princípio da investigação é que haja a busca por uma resposta, há investigação quando não há uma resposta definida? Diga-se de passagem (já ia me esquecendo), isso também se aplica ao excelente Blood & Honor, com sua narração coletiva bem livre.