Uma Sessão Frustrante

Finalmente, depois de vários meses hibernando, voltamos às atividades RPGísticas há algumas semanas. O sistema escolhido foi o Torchbearer, que eu estava bastante empolgado depois de ler o livro. Na primeira sessão, nós finalizamos a criação dos personagens e eu dei uma visão geral do jogo para o Augusto, que nunca tinha jogado RPG antes na vida.1
Depois de mais de uma hora de explicação, quando o pessoal já estava ciente das mecânicas mais importantes, nós jogamos o início da aventura Under the House of Three Squires, a aventura introdutória do livro. Devido a restrições de tempo, tivemos pouco mais de uma hora de jogo de fato, suficiente para alguns testes e um conflito bem rápido com ratos gigantes, que os personagens ganharam e conseguiram afastá-los para longe. Até este ponto estava tudo tranquilo e o pouco jogo que tivemos fluiu bem e sem maiores incidentes – o conjunto de grupo/sistema parecia muito promissor.
Infelizmente, eu estava errado. O desastre viria apenas na próxima sessão.

Na semana seguinte, continuamos o jogo de onde paramos. Os jogadores ficaram bastante tempo lidando com uma armadilha, e ganharam algumas condições tentando escapar dela. Em seguida, encontraram com um NPC que estava sendo perseguido por alguns kobolds. Este conflito, com apenas 3 kobolds opositores, foi um massacre: os jogadores acabaram com o grupo sem perder nenhum ponto de disposition. O grupo então adentrou ainda mais na masmorra, e chegaram a uma sala em que seis kobolds estavam esperando os jogadores de armas em punho. Eles não pensaram duas vezes e partiram para cima também. Eu julguei o “sangue nos olhos” dos personagens como intenção de matar, então entramos em um conflito de kill. Eu deixei claro que essa era a única maneira de morrer no jogo, pois apenas quando você tenta matar você coloca sua vida em risco. Eles não viram outra alternativa e começaram o conflito assim mesmo.

O que aconteceu depois foi uma sucessão de jogadas de dado ruins. Testes de ataques e defesas com 6 ou 7 dados sem nenhum sucesso, e na segunda rodada do conflito os kobolds ganharam o conflito sem perder nenhum ponto de disposition. Uops!

O livro é muito claro no que acontece nesse ponto: os grupo perdedor morre completamente. Um TPK! A frustração total parecia inevitável, mas então eu resolvi fazer algo que eu não gosto muito: ignorei a regra e decidi dar 3 condições para os jogadores ao invés de matá-los. Eu expliquei isso para eles e disse que não iria dar essa colher de chá novamente. A narração então foi os personagens sendo empurrados pelos kobolds para o fundo da armadilha que eles tinham passado anteriormente. Subitamente eles estavam todos com 3-4 condições negativas, sem nenhum tesouro e com pouquíssimos checks para gastar na recuperação.

O restante da sessão foi com eles tentando sair da masmorra para fazer um acampamento. E aí a espiral de desastre do Torchbearer se revelou ainda mais frustrante do que eu imaginava. Com as condições, os jogadores não podiam se ajudar, e ainda tinham penalidade em todos os testes. Isso levava a mais fracassos, que causavam complicações como o aparecimento de inimigos (encontros aleatórios) ou mais condições. Neste final da sessão, acabei novamente alterando a regra do jogo para não pedir certos testes e facilitar um pouco para os jogadores, mas não adiantou. O golpe de frustração nos jogadores já estava ocorrendo, e era visível principalmente na minha esposa. Eles conseguiram sair da masmorra com alguns barris de cerveja que encontraram perto da entrada da masmorra, e fizeram um acampamento, onde um acontecimento aleatório ainda diminui os estoques de comida do grupo. Eles gastaram os checks e conseguiram cada um se recuperar de um status negativo.

Logo depois terminamos a sessão, e conversei com a Mari sobre o jogo. Mesmo facilitando o jogo para eles, ela ainda me disse que eu estava sendo “sádico” com os personagens. Imagine! Ficou muito claro o descontentamento dela com a brutalidade e dificuldade do sistema, e conversando com outro jogador ele também disse que se sentiu bastante frustrado com o jogo.

Felizmente, de todos os problemas com o RPG, esse é o mais fácil de resolver. Mesmo tendo gostado muito do Torchbearer, ele definitivamente não é o sistema ideal para jogar com este grupo. Resolvemos trocar para o Fate Core, e iremos criar a campanha e se possível os personagens amanhã.

Como experiência da situação, eu reitero a dificuldade que é se divertir com RPG. O investimento de dinheiro e tempo na leitura e preparação do jogo foi muito maior comparado com a de um board game, e o resultado foi um jogo bastante insatisfatório. Espero que o resultado seja melhor com o Fate, ou corro o sério risco de voltar a hibernação RPGística e permanecer com os board games.


1 Sim, eu sei: não é uma boa idéia começar de cara com um jogo tão complicado assim, mas a minha empolgação pelo sistema devia estar atrapalhando meu bom senso.?
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  1. Me parece que mudar de sistema é mesmo a decisão acertada. Uma vez que você encontra os sistemas que funcionam bem com o seu grupo, dai é que a mágica acontece! Conte depois como foi a experiência do grupo com o Fate Core.

  2. Olá,Levando em conta que nos primórdios, a meta do RPG era realmente o mestre desafiar os jogadores tacando desafios que os jogadores, por intermédio dos personagens, deveriam superar… Acho que o sistema atendeu bem à proposta. o.oSó acredito mesmo que não seja a proposta ideal pra ti e pro teu grupo – confesso que eu mesmo me sinto incomodado com tal proposta, visto que não sou tão competitivo.Bonanças.Atenciosamente,Leishmaniose

    1. Com certeza, eu ainda continuo achando que o sistema é ótimo para a sua proposta, mas meu eu e meu grupo estamos procurando outra coisa no momento. Uma pena, TB é um excelente jogo, quem sabe em outra oportunidade.

  3. Isso só me fez ficar mais interessando no Torchbearer! :)A única cosia que não me fez começar a ler o livro logo é esse lance de ir só até o 5º nível.Mas fiquei bem satisfeito com essa mortalidade descrita e dificuldade. Vida de aventureiro não é passeio no parque.Mas, de fato, pode ser que seu grupo prefira um jogo de Heróis ao invés de um jogo de aventureiros.

    1. Pois é, com um pessoal que esteja na mesma vibe do sistema, esse acontecimento teria sido bem vindo e esperado, ao invés de frustrante. Tudo depende do grupo mesmo.E o TB é excelente, eu recomendo fortemente. 🙂

  4. Pedro, acho que se o jogo se propõe a matar os personagens (tendo mecânicas para isso) vc deveria tê-lo feito. E criado um novo grupo de personagens para uma vingança ! Acho que o sistema começou a punir mais a partir do ponto que você foi contra ele.Como em Dungeon World, se você age contra o sistema ele começa a te punir com uma pilha de frustração crescente. Mas se as regras não foram do agrado do grupo, realmente é melhor mudar.

    1. Eu sempre disse que se você precisa começar a alterar regra do sistema, é pq ele não serve para o que você quer fazer. E foi exatamente o que aconteceu – ter que ficar mudando resultado de conflito e mudando quando pedir um teste foi um enorme red flag de que o sistema definitivamente não estava servindo para o grupo.Mas vamos em frente, eu ainda acredito que é possível se divertir jogando RPG. Só resta conseguir fazer isso com regularidade, hahaha.

  5. Comentários nos posts. Olha, me senti em casa. Quanto tempo que não vejo isso, não estranhem, acho que estou muito longe dos blogs. Tenho que voltar, não sei como, mas tenho.

  6. Eu acho que a aceitação do sistema depende da vibe e da boa vontade do grupo. Eu tive umas experiência ruim com o One Ring pq quis forçar a barra em cima dos meus jogadores com determinadas nuances do sistema que eu sabia que não funcionariam com eles mas que no papel soavam melhor que na pratica, grande erro meu.Pedro eu entendo que um board game possa soar mais pratico a principio mas a gama de possibilidades que o RPG nos apresenta ainda me faz preferir o mesmo. Concordo que as vezes o investimento na aquisição de livros e o dispêndio de tempo na leitura pode ser, me perdoe a expressão, um pé no saco mas quando dá certo os resultados são muito gratificantes.

  7. Também há boardgames difíceis de aprender ou que demoram imensas horas para jogar e que facilmente se podem tornar frustrantes se falhar esta ou aquela regra ou se a melhor decisão estratégica não for tomada. O jogo demorou uma hora a ser explicado?! Há alguma forma de ir introduzindo as várias mecânicas progressivamente? O TPK aconteceu por puro azar ou houve alguma inexperiência no domínio táctico do sistema?

    1. Ricardo, eu concordo que existem board game complexos e que podem se tornar frustrantes, mas nenhum deles tem tanto investimento de tempo e dinheiro quanto o RPG. Mesmo o Twilight Imperium 3E, que eu já até desisti de jogar de tanto trabalho que é não foi tão frustrante. Idem para Arkham Horror, Dominant Species, etc.E o sistema infelizmente precisa de uma certa quantidade de conhecimento para fluir no nível básico ainda. Eu não precisava explicar tanto, mas ele não é o tipo de sistema que funciona explicando na hora, infelizmente. Para tomar certas decisões corretas, você precisa compreender várias partes móveis do sistema. E o pseudo-TPK (que eu evitei alterando as regras) ocorreu por uma soma dos dois fatores que você colocou. Más decisões táticas e muito, muito azar. Como eu expliquei para os jogadores, você não precisa entrar num conflito para matar, e se você não entrar não tem como morrer tão facilmente.

    2. Eu também estou empolgado pelo Torchbearer e mal posso esperar que chegue a minha cópia 🙂 daí estar a fazer tantas perguntas. Portanto, seria possível enfrentar os 6 kobolds sem ir logo para matar, é isso?Quanto aos boardgames, eu tive, por exemplo, uma experência com um dos jogos de comboios da série 18xx em que precisamos de múltiplas sessões de várias horas e ao fim da terceira ainda estávamos a assimilar as regras todas. Antes disso, o grupo já tinha tentado jogar, mas descobriram ao fim dumas três horas que não estavam a seguir bem as regras e tiveram de desistir. Também tive uma outra situação em que jogamos Ghost Stories durante uma tarde inteira, ficamos desapontados com a dificuldade estúpida do jogo e só quando eu cheguei a casa no dia seguinte é que me apercebi que não estávamos a seguir exatamente os procedimentos corretos, mesmo após eu ter lido o manual umas três vezes e assistido a uma série de vídeos.

    3. Ah, o Ghost Stories dizem que é absurdamente difícil mesmo. E eu ainda não joguei nenhum jogo da série 18xx, mas me lembrei de um que eu nem tentei jogar depois de ler o manual: Throught the Ages. Coisa de doido aquele jogo.No Torchbearer, existem os seguintes tipos de conflito pré-definidos: Banish or Abjure, Capture, Convince, Convince Crowd, Drive Off, Kill, Pursue or Flee, Trick or Riddle, Other. Dentro deles, apenas o Kill permite que você morra. Importante também é que cada criatura tem o atributo Might, que você só consegue matar criaturas de might abaixo de você ou até um nível acima. Os aventureiros são Might 3, e os kobolds normalmente são Might 1, exceto quando estão em grupo de mais de 5, quando se tornam Might 2. Mesmo assim essa diferença de Might a favor dos jogadores dá +1 sucesso nos testes bem-sucedidos, mas não foi o suficiente para eles não perderem o conflito.Como eu disse na mini-resenha, eu acho o sistema ótimo, mas é para quem aprecia essa dificuldade brutal. As condições negativas são muito piores do que as do Mouse Guard. O jogo é realmente muito difícil.

  8. É rapaz, a porrada é duríssima… :PCom o suporte acabando para meu sistema favorito, estou buscando outras opções no mercado. Embora não pretenda parar de jogar o sistema que jogo atualmente, gostaria de ter opções para jogos “one shot” e para cenários ambientados fora do escopo de fantasia medieval.No caso, o sistema que tenho visado é também o FATE! ^^ Estou lendo quando posso o FATE Core (e tenho tido pouco tempo para tal) e já tive uma experiência positiva com o sistema FATE através do Strands o Fate. Com um pouco de hacking (e a ajuda de suplementos vindouros do FATE Core), acho que posso fazer este sistema se adequar ao meu gosto e o dos meus jogadores! ^^

  9. Você deveria ler novamente todo o jogo e tirar um tempo só para os jogadores criarem os personagens e não necessariamente jogar no mesmo dia.Acho muito precipitado a sua desistência, para eu desistir de um sistema eu teria que rolar no mínimo umas 5 sessões ( de no mínimo 4 horas de jogo jogado por sessão). Só assim eu poderia ser justo com o sistema. Fica claro que você tem experiência zero com o sistema pelo seu relato, e já o dispensou o jogo sem ao menos testa-ló por mais tempo.

    1. Eu li o livro duas vezes. Acredito que é o suficiente, contando minha experiência de 14+ sessões de Mouse Guard e algumas de Burning Wheel.Eu não tenho mais tempo na minha vida para gastar 5 sessões de 4 horas em um jogo que foi frustrante nesse nível tão básico. Não é como se apenas alguns detalhes tivessem desagradado o grupo, foi com a proposta básica do jogo.E é claro que eu tenho experiência zero com o sistema, ele foi entregue tem um mês para os backers.

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