Quando nos sentamos ao redor de uma mesa para jogar RPG, todos temos expectativas em relação ao jogo que serão atendidas em maior ou menor grau dependendo da forma como o narrador conduz a sessão.
Mestres experientes aprenderam que o feedback depois da sessão é importantíssimo. Saber o que os jogadores acharam da aventura, se suas expectativas foram alcançadas, o que pode ser feito para melhorar, como seria possível aumentar o nível de participação dos jogadores. Tudo isso é importante e não deve, nunca, ser negligenciado.
Os jogadores devem aprender desde cedo que discussões durante a sessão não ajudam muito. Se o mestre está focando em manter o ritmo da narrativa ou preocupado demais com as estratégias dos adversários durante um combate, ele poderá deliberar ou mesmo conduzir uma situação de uma forma que um ou mais jogadores sintam-se prejudicados, o que poderá gerar um clima estranho na mesa de jogo.
Como são criados estes desencontros?
Muitas vezes, devido a quantidade de tempo que nos resta em uma sessão, somos obrigados a correr com certas coisas. Adiantando a narrativa, agilizando o combate, engolindo descrições, em suma, falhando em ser devidamente transparentes. Mas isso não acontece deliberadamente, tenho certeza, pois nenhum mestre tem a intenção de destruir a diversão do grupo, isso se dá muitas vezes, pela pressão da narrativa.
Acontece com frequência de narrarmos uma cena de uma forma e termos a certeza de conseguimos descrever a cena de forma satisfatória, mas os jogadores começam a agir de formas completamente diferentes, como se cada um tivesse entendido a descrição de forma diferente. E de fato entendem.
E o culpado é…
Outro dia discutia no Twitter algo semelhante. Se o emissor não consegue fazer-se entender pelos receptores, temos um problema de comunicação estabelecido e cabe então ao emissor, certificar-se de que a mensagem foi entendida.
O problema acontece com frequência quando narramos uma sessão sem nenhum auxílio visual, deixando tudo a cargo da abstração. Contudo, a utilização de auxílios visuais não removem por completo o problema, mas o minimiza, pelo menos nas cenas onde estes recursos são utilizados.
É muito difícil comparar descrições com o visual. Entrar em uma taverna, jogando Skyrim, é muito diferente de entrar em uma taverna jogando um RPG ambientado em Skyrim. No primeiro você vê o movimento do personagem entrando na taverna, vê o que compõe a sala e tem uma noção espacial muito melhor de tudo. Uma descrição, por melhor que seja, não consegue transmitir o que vemos com perfeição. O auxílio visual deixa pouca margem para dúvidas, a descrição vai no caminho inverso.
Certifique-se que os jogadores entenderam
Seja transparente e certifique-se que os jogadores entenderam a descrição fornecida. Use e abuse de lápis e papel, desenhando sempre que possível. Pequenos detalhes que deixamos escapar podem acabar com a diversão de um ou mais jogadores na mesa e esta é a forma errada de jogar.
Nunca é demais repetir: pergunte aos jogadores se eles entenderam a situação. Certifique-se de que não há dúvidas em relação a forma como a cena foi apresentada.
Seja transparente. Muitos problemas poderão ser evitados e com certeza a qualidade das sessões aumentará muito.
Boas dicas, Franciolli. Eu já passei por esse problema algumas vezes, e acho que todo mundo deve passar vez ou outra mesmo.Quando acontece isso, os jogadores já começam a se defender “Ah, então eu não teria feito isso, eu entendi errado, eu teria feito tal e tal coisa no lugar!”. Eu costumo fazer um retcon e voltar o tempo, para explicar de forma correta, mas às vezes isso dói! Você já está com a cabeça mais para frente na narrativa, já engatilhou algo que você queria fazer na cena, e aí volta tudo? É difícil, mas eu considero essencial. Afinal, como você falou, a culpa é do emissor.Eu sempre tento me lembrar que devemos sempre jogar com boas intenções e assumir que os outros estão fazendo o mesmo. Ninguém quer ferrar o jogo de propósito, quase sempre é só um mal entendido e que pode ser resolvido na conversa, como bons adultos que somos. 🙂
Obrigado Pedro.É exatamente assim que eu penso e realmente não gosto de ficar dando retcon, por isso é sempre preferível deixar tudo às claras e é claro, embora a culpa seja do emissor, é sempre bom receptor checar, checar e checar.
O post me fez pensar em duas situações em especial: …às vezes você fica preso na passagem de um livro, lendo e relendo tentando decifrar o que aconteceu… A apresentação linear de informação de um livro faz com que seja mais difícil, por exemplo, o entendimento de eventos que acontecem simultaneamente, em rede, com relações complexas entre si. De qual direção veio o disparo? Por que acertou na parte da frente e não na parte de trás do personagem?…porém, o mais interessante é: às vezes você fica perdido num filme, viajando numa cena de ação sem sacar quem está fazendo o quê:http://vimeo.com/28792404#at=0 Montadores, no cinema, observam um conjunto de convenções de uma boa montagem (dá pra ver um pouquinho disso tudo no link acima, mas o vídeo está em inglês). O interessante de falar desta ‘falta de transparência’ no cinema é que o diretor tem à sua disposição uma vasta quantidade de recursos audiovisuais! O que eu quero dizer é, cada tipo de narrativa, recurso, ou forma de apresentação de informação necessita do desenvolvimento de uma linguagem própria.Isso passa por convenções também… Em diferentes grupos, dizer que “vocês escutam raspar de pedra e respiração pesada do outro lado” pode significar coisas diferentes. Talvez o grupo x tenha visto um certo filme, ou tido certa experiência prévia que indica que numa situação como essa a resposta desejável dos jogadores é tentar reunir mais informações sobre o desafio que espera do outro lado, e bolar uma estratégia para superá-lo… Talvez o grupo y, porém, esteja acostumado a interpretar esse tipo de informação vinda do mestre como um estímulo para derrubarem a porta e partirem logo para a ação. Imagine então um jogador do grupo y metido no meio de uma sessão do grupo x! O mestre conta sobre os estranhos barulhos, o jogador y fala: vamos em frente, e o mestre responde “Vocês entenderam quando eu disse que vocês escutam raspar de pedra e respiração pesada do outro lado, não foi?”Por fim, acho que uma boa idéia seria anotar algumas dessas situações e tentar descobrir ONDE e COMO se deu o erro de comunicação. Isso pode nos deixar mais próximos de entender a linguagem e as convenções da narrativa rpgística com suas particularidades da mesma forma que entendemos a linguagem cinematográfica, por exemplo. A utilidade disso tudo? Não só fazer com que todos na mesa estejam compartilhando, por assim dizer, o “mesmo” espaço fictício, mas também, e principalmente, desenvolver a linguagem narrativa!
E mais: muitos jogadores ficam perdidos na cena porque são tímidos pra perguntar ou mesmo porque são desligados/esquecidos e se perdem. Não sei como resolver =/
Já tive um problema clássico de falta de entendimento na minha primeira campanha de fantasia caseira: O Passo do Osso. Era um traço geográfico importante, que os jogadores atravessavam com frequência, para ir do lado Norte ao lado Sul do continente. Tinha este nome por ser uma trincheira colossal, cavada na pedra montanhosa, dividindo ao meio uma cordilheira que separava pela metade o continente, de lado a lado. Jogamos ali por dois anos, quase diariamente (ah, juventude!). O nome do local derivava dos ataques contínuos das tribos orcs locais às caravanas mercantes que obrigatoriamente tinha que passar por ali. Ossos de animais, humanos, elfos e orcs cobriam várias partes do caminho, e daí veio o nome.Há poucos anos atrás, voltamos ao cenário e quando citei que teriam que passar pelo Passo do Osso, um dos jogadores entabulou a conversa:Jogador 1: Ei, por que esse lugar tem esse nome? Eu mesmo joguei mais de um ano de campanha, passei por aqui um montão de vezes e nunca vi um urso.Jogador 2: É, eu também.Jogador 3: Idem.Eu: Urso?! Por que %$#@ haveria um urso?Jogador 1: O nome – Passo do Urso!Eu: É Passo do OSSO!!Todos: ?!?!?!Eu: Sério que esses anos todos vocês achavam que era Passo do URSO?!Todos: …Clareza nas suas palavras nunca, nunca, NUNCA é demais – que nem dinheiro.
Retcon, ou Rewind/Edit/Play, como era usado na minha mesa, à época de meu início como mestre semiprofissional (ha, ha), era comum, e logo descobri que apesar de comum, não era bom. Melhor era ser claro, ser preciso. Embora não fosse mais fácil.