Este artigo de minha autoria foi originalmente postado no Paragons. Já não foi falado o suficiente dos méritos e diferenças do oldschool, causando inúmeras discussões que parecem todas convergir para a discussão anti e pró 4ª edição? O que mais se tem para falar sobre o assunto? Mas meu objetivo nesse artigo não é falar sobre os métodos e o gênero de old school. Se você não os conhece, existem excelentes textos sobre o assunto pela internet. O objetivo será explicar de onde surgiu a OSR, e dar uma breve explicação dos sistemas modernos criados para simular o feeling do old school que valem a pena ser lidos.
Uma Breve História do D&D
Quando comecei a me interessar pelo oldschool, fiquei bastante confuso com as denominções dadas às diferentes edições do D&D. Afinal de contas o que é 0E, 1E, B/X, BECMI? Eu comecei a jogar RPG apenas em 1998, então meu conhecimento se limitava ao AD&D (que depois fui descobrir que era o AD&D 2E), 3ª edição e atualmente a 4ª edição. Afinal, quais são as edições de D&D que a OSR se interessa?
D&D Original – Essa é a primeira edição do D&D, lançada 1974. Nessa primeira edição existiam apenas três classes, fighter, magic-user e clérigo (fora as raças/classes anão, elfo e halfling), e as regras de combate ainda eram baseadas no jogo de miniaturas Chainmail. Ela foi publicada em um boxed set branco, então ela é comumente referida como White Box. Outras denominações comuns são OD&D e 0E.
AD&D 1ª Edição – Esse foi o primeiro AD&D, lançado ainda em 1978, mas que já tinha muitos dos elementos que nos são tão familiares – raças e classes separadas, muito mais classes já consagradas como clássicas (ranger, paladino, druida, assassino, ladrão), a tendência dividia em lei/caos e bem/mal. Essa foi a edição chefe da TSR durante a década de 80, e portanto é nela que os americanos pensam quando pensam em AD&D, e mesmo em RPG. Ela é conhecida porAD&D1E, simplesmente AD&D ou mesmo 1E.
D&D Básico – Aqui as coisas começam a ficar enroladas. Ainda antes do lançamento do AD&D1E, em 1977 a TSR lançou uma versão reeditada do seu D&D original escrita pelo Holmes, focada em novos jogadores e lançado com o nome de Dungeons & Dragons Basic Set. Depois do lançamento do AD&D, em 1981 foi feita uma revisão do Basic Set pelo Tom Moldvay, o famosos red book. Esse basic set continha os níveis 1 a 3, e vinha com a agora clássica aventura Keep on the Borderlands, e não era completamente compatível com o AD&D. O Basic Set foi seguido pelo Expert Set feito editado pelo Dave Cook (e escrito pelo Moldvay), que ia do nível 4 ao 14. Os dois sets são atualmente referidos como B/X. Em 1983 o basic set foi revisado novamente, dessa vez pelo Frank Mentzer, e relançado em uma famosa caixa vermelha com a capa feita pelo Larry Elmore – a famosa Red Box. O sistema foi revisado e ampliado em cinco diferentes boxed sets: Basic Set (nivel 1 a 3), Expert Rules (4 a 14),Companion Rules (15 e 25), Master Rules (26 a 36) e Immortal, para seres que transcenderam os níveis. Estes sets do Mentzner são referidos como BECMI. Em 1991 todos estes sets foram compilados em um único livro, o agora clássico e muito raro Rules Cyclopedia. Então quando vocês ouvirem falar das seguintes denominações, saberão que se refere ao D&D Básico: B/X,BD&D, BECMI, Moldvay’s D&D, Mentzer, D&D Basic, D&D Classic. Muita gente considera essa a melhor edição de D&D até hoje, e alguns números mostram que ela vendeu tanto quanto o AD&D1E, o carro chefe da TSR na época.
AD&D 2ª edição – Primeira edição lançada sem ter o Gary Gygax no comando da TSR, essa é a famosa Segunda Edição, ou simplesmente AD&D, que foi lançado no Brasil e que popularizou o D&D por aqui. Ele simplificou bastante o sistema, desagradando os puristas. Foi nesta época que surgiu a prática de lançar dezenas de livros de opções para personagens com regras que mal passaram pelo playtest. Entretanto, essa foi a época de ouro para os cenários, com o lançamento do Dark Sun, Planescape, entre outros. É conhecida popularmente como 2E.
E agora vem uma das maiores diferenças do mercado americano de OSR e o brasileiro. Nós brasileiros tivemos aqui a caixa do D&D da Grow, que nada mais era que o D&D Basico/red box/Moldavy, e também o AD&D2E. Nos EUA, o AD&D2E não tem quase nenhuma popularidade na comunidade OSR, e os retro-clones se concentram muito na 0E, 1E e principalmente no D&D Básico.
Notavelmente ausente também está a 3ª edição do D&D. Primeiramente por ser mais recente, mas o motivo principal é que todo o movimento OSR surgiu durante a vida da 3ª edição – a OSR nada mais é do que um movimento criados pela comunidade insatisfeita com o D&D moderno.
Retro-clone, retro-golem, simulacrum?
Por muito tempo, quem gostava das versões antigas do D&D teve que se contentar a jogar com os livros antigos. Não existia nenhuma possibilidade de lançar um retro-clone por problemas de licença – apesar das regras não serem patenteáveis, todo o resto ainda era propriedade da TSR e posteriormente Wizards of the Coast. Tudo isso mudou com a criação da licença OGL, que permitiu criar outros sistemas derivados utilizando o próprio material do D&D, tudo isso legalmente.
E foi então que surgiram os retro-clones. Essa denominação é dada a sistemas que tentam emular o mais parecido possível as regras das edições passadas, de forma a ficarem compatíveis com as aventuras e suplementos lançados para o sistema original. No entanto, essa denominação é bastante controversa – quanto um sistema deve diferir do original para não ser considerado mais um retro-clone? A partir de que ponto ele se torna um sistema diferente?
O pessoal do Old Dragon criou um nome bem bacana para o sistema deles – o “retro-golem”, pois ele bebeu de diversas edições diferentes para formar seu sistema. O grande problema é que a grande maioria, se não todos, os retro-clones também fazem isso em maior ou menos grau. A diferença acaba sendo apenas a denominação dada, o que convenhamos, não significa absolutamente nada. Dessa forma, costumo me referir a todos estes sistemas como retro-clones, ainda que não sejam um clone direto, por falta de uma expressão mais abrangente.
Por que usar Retro-clones?
Essa é uma pergunta que eu me fiz algumas vezes. Afinal de contas, se a intenção é jogar um clone de um sistema antigo, por que não utilizar o sistema antigo de uma vez? Afinal, nessa época de PDF tão acessíveis e tablets, que vantagem teria alguém em não utilizar o original?
A principal vantagem é a disponibilidade. É muito mais fácil e barato encontrar para comprar legalmente um Labyrinth Lord ou mesmo o Old Dragon do que um Rules Cyclopedia.
A segunda vantagem eu só percebi depois de começara ler o Player’s Handbook do AD&D1E. Muita coisa evoluiu nos últimos 40 anos de hobby, e as regras hoje em dia são escritas com muito mais clareza do que na década de 70. É muito mais simples aprender a jogar D&D lendo o Labyrinth Lord do que pegando o livro da época. Não apenas a escrita, como a organização e a diagramação dos livros também são muito superiores atualmente.
A terceira diferença faz parte do ponto que expliquei anteriormente. Praticamente ninguém joga D&D utilizando as regras by the book, e o sistema avançou para maneiras mais simples e compreensíveis com o tempo – CA que aumenta, bônus de ataque ao invés de tabelas. Diferenças simples que tornam o jogo muito mais acessível sem alterar sua essência fazem parte de muitos retro-clones.
Os Sistemas
Enfim entrando na parte interessante, irei comentar de alguns “retroclones” que acho que todo gamer oldschool deveria conhecer. Nesta primeira parte será apresentado o mais conhecido e bem conceituado deles:
Labyrinth Lord
Esse é o retroclone mais conhecido e um dos mais bem conceituados. O livro básico dele é baseado no D&D Básico (B/X, para ser mais exato), e ele tem pouquíssimas mudanças de regras: a AC ainda é calculada de 10 para baixo, e não existe sequer base de ataque, você precisa consultar uma tabela para acertar.
Talvez justamente por causa desse cuidado para se manter fiel ao D&D Basico original ele seja tão estimado pela comunidade. Você pode mestrar a Keep on the Borderlands original sem nenhum tipo de ajuste necessário nas regras utilizando o Labyrinth Lord.
O livro básico possui todas as regras necessárias para se jogar, incluindo todas as magias e uma lista bem extensa de monstros. Todas as regras de exploração, XP, itens mágicos e toda a parafernalha necessária está presente no livro, que é claramente escrito e de leitura extremamente fácil e agradável.
Além do livro básico baseado no B/X, ele ainda tem dois outros livretos extremamente interessante. O primeiro e maior deles, o Advanced Edition Companion tem todas as regras que foram publicadas no AD&D1E, permitindo que você seja um elfo mago e não mais apenas um elfo. Além disso, estão descritas todas as regras novas criadas com a 1E, incluindo magias novas, itens e monstros. Tudo foi mantido para tentar ser o mais fiel possível ao original (inclusive possuindo o polêmico limite de atributo por sexo introduzido na 1E), mas algumas concessões foram feitas para manter o material completamente compatível com o Labyrinth Lord básico. Isso significa que você pode ter na mesma mesa personagens utilizando o espírito do D&D Básico e da 1E, o que acho particularmente genial.
O segundo livreto é o Original Edition Characters, que seguindo o mesmo espírito do AEC, tem as regras para fazer personagens utilizando o D&D Original, ou 0E, mas também mantendo a compatibilidade com o base.
O livro básico do Labyrinth Lord pode ser baixado de graça no site oficial da editora, a Goblinoid Games. O livro Advanced Edition Companion também pode ser baixado de graça, mas em ambos os casos é fornecido o livro sem as imagens. Para ter o livro com imagens, é necessário comprar o PDF no DriveThruRPG.
Para quem quiser testar o Labyrinth Lord, recomendo também a simples e curta aventura introdutória The Tomb of Sigyfel, que pode ser pega de graça neste link.
OSRIC
OSRIC significa Old School Reference and Index Compilation, e foi criado em 2006 para simular o AD&D 1ª edição, embora ele nunca cite isso diretamente no livro. A base pelo qual o OSRIC foi criado é que regras não tem copyright, apenas a “apresentação artística” das regras. Como boa parte desta apresentação foi liberada pela Wizards através da OGL (nome das classes, maioria das magias, monstros, itens mágicos e por aí vai), foi possível fazer o lançamento deste livro sem nenhuma ameaça legal. Assim como o Labyrinth Lord é praticamente igual ao Basic D&D, o OSRIC é funcionalmente idêntico ao AD&D1E, com todos as suas qualidades e defeitos.
O propósito maior do OSRIC não foi de disponibilizar um livro para novos jogadores entrarem no mundo do oldschool. Portanto muito do texto de “favour”, fluff, dicas e conselhos presentes principalmente no Dungeon Master Guide não estão presentes neste livro. Isso se aplica em mair ou menor escala para todos os retroclones, porém é mais visível no OSRIC do que em seus concorrentes.
Ao invés disso, a idéia por trás do OSRIC foi de disponibilizar as regras do AD&D1E para a a criação de novo material compatível, mesmo para quem ainda joga a 1E. E ele parece ter sevido a este propósito, pois até o momento tem 71 títulos publicados e cadastrados como compatíveis, em sua maioria aventuras.
Você pode baixar o OSRIC completamente de graça no site do projeto, que atualmente está em sua segunda edição.
Swords and Wizardry
Em muitos lugares se fala em uma “santa trindade” dos retro-clones, composta pelo Labyrinth Lord, OSRIC e o Swords & Wizardry. Isso se deve ao fato dele ser o retro-clone mais popular feito para o D&D Original ou 0E, de 1974. Disponível gratuitamente no site do projeto em sua versão Core, ele também possui uma versão Complete que está a venda por 10 dólares no DriveThruRPG. Como se não ba
stasse, ele também possui uma tradução não oficial para a o português.
Eu já tentei ler o D&D Original, um PDF do lendário primeiro RPG feito na história, e minha experiência foi terrível. Além de ser meio mal escrito, ele depende das regras de outro jogo de miniatura para funcionar, o Chainmail, além de ser famoso por ter inconsistências de regras, regras que são mencionadas mas nunca explicadas, ou mesmo regras que simplesmente não funcionam. Devido a isso, na época deste primeiro D&D, cada mesa jogava de maneira diferente – era impossível jogar “by the book”, as house rules eram mais do que caprichos do mestre, elas eram necessárias para o jogo funcionar.
Felizmente, o Swords & Wizardry atualiza o D&D original para o nosso tempo, um texto extremamente claro, tabelas fáceis de entender e uma experiência de leitura muito mais parecida com um RPG moderno do que um dinossauro com mais de 30 anos de idade. Eu li a versão Complete, então nos momentos em que a regra original era obscura ou incosistente, existe uma sidebar explicando as interpretações possíveis e quais motivos levaram a interpretação utilizada no sistema. Muito interessante, pois além de conhecer o sistema você tem uma aula de história sobre o primeiro RPG.
Se você tem ao menos um pouco de curiosidade em conhecer a primeira edição do primeiro RPG publicado, vale a pena uma leitura do Swords & Wizardry, ainda que eu prefira mestrar utilizando outro retro-clone.
texto muito bacana e util!apenas três correções da minha parte, se nao te importares: é “Moldvay”,e nao “Moldavy”, e o Expert nao foi escrito por Dave Cook, e sim editado por ele. Tanto o Basic quanto o Expert de Moldvay sao…de Moldvay :De faltou citar o nome de Holmes, no D&D de 77 (vc menciona o D&D, mas nao o autor).parabens pela materia!
Obrigado pelas correções, Rafael. O texto já foi corrigido!Valeu!
Basic foi editado por Moldvay e Expert foi editado por Cook. Antes teve uma edição do Holmes e depois a edição de Mentzer. Todos creditados a Gygax e Arneson.
Muitos links de imagens quebrados. Adorei reencontrar este artigo aqui, porque a primeira vez que o li foi na falecida Paragons, que já não existe nem no Web Archive.
Nunca “joguei” nada que não fosse Old School