Não, não tem nada a ver com as aulas de física da escola. Recentemente estou lendo o excelente livro Solar System RPG, que é uma adaptação genérica do Shadow of Yesterday feita pelo Eero Tuovinen, e o autor faz uma distinção entre as duas formas que os personagens se encontram logo antes do jogo começar.
Em Repouso
Os personagens Em Repouso são aqueles que são o status quo. Ele pode ter seus relacionamentos, talvez até um trabalho e um objetivo de vida, mas ele não incia o jogo buscando nada ou em alguma missão. Por exemplo, um ex-agente secreto que depois de se aposentar tenta viver uma vida normal de assalariado. Ou o bom e velho anão que chega na cidade e só quer ir para a taverna beber um pouco, sem maiores planos.
Neste caso, a responsabilidade de colocar o personagem é colocada no mestre. Pode ser que o jogador queira que o mestre o surpreenda no início do jogo com alguma situação interessante, forçando o personagem a se mover. Ou talvez durante a criação do personagem ele não conseguiu pensar em nada interessante para desestabilizar a vida do personagem. Muitas vezes, este é o modo padrão de criação de personagem – a maior parte dos sistemas tradicionais se preocupa muito pouco em botar nas mãos do jogador este tipo de decisão.
Mas isso não é necessariamente ruim, como pode parecer. Apesar de muito se falar de personagens “pró-ativos”, que melhoram o jogo e são mais divertidos para o GM e para o resto do grupo, a verdade é que isso não é absolutamente necessário. O GM pode ter em mãos um grupo de personagens completamente em repouso e quebrar o status quo e surpreender a todos logo no início da sessão, criando estímulo e tensão para os personagens.
A chave para isso, na minha opinião, está em uma frase chave: “O que é importante para o seu personagem?“. Pode ser sua família, pode ser seu trabalho, pode ser apenas suas posses, ou mesmo uma ambição mais simples como “enriquecer o mais rápido possível”. O importante é que o personagem não seja criado no vácuo – ele precisa de ligações com o resto do cenário, NPCs e talvez até com os outros PCs, para que o mestre tenha de onde desestabilizar a vida do personagem.
Em Movimento
Comumente chamado de “pró-ativo”, este tipo de personagem é aquele que começa o jogo buscando alguma coisa, seja uma pessoa, um lugar ou um objetivo mais intangível. Por exemplo, o anão que foi até a taverna encher a cara no exemplo anterior, poderia estar em movimento se estivesse procurando os rastros de seu irmão desaparecido, e que tem um informante naquela taverna.
Neste tipo de personagem, o mestre tem menos trabalho pois o próprio jogador já deixou claro o que ele vai estar fazendo no início do jogo. Basta colocar obstáculos e/ou dicas para o personagem relacionados ao seu objetivo, que o jogador irá buscar por conta própria. Para quem conhece o Sorcerer do Ron Edwards, o kicker serve para que todos os personagens comecem o jogo em movimento.
Apesar de parecer melhor e mais fácil de lidar no jogo do que um personagem em repouso, ainda assim são necessários alguns cuidados. O primeiro é do GM: ele precisa incorporar imediatamente elementos relacionados ao personagem no jogo, logo no início. Muitas vezes criei um personagem de D&D que estava buscando alguma coisa, para ter sua busca ignorada por 3 ou 4 sessões até que apareça algo no jogo. Isso é frustrante, para dizer o mínimo.
O segundo cuidado é ter consideração pelos outros jogadores. Muitas vezes os objetivos do seu personagem serão pessoais, mas é muito desagradável roubar a atenção do meste apenas para você durante o jogo. Portanto, converse com os outros jogadores, veja se você consegue ligar as motivações de alguma maneira, ou altere seu personagem de uma forma que fique interessante para todo mundo.
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E vocês, que tipo de personagem preferem jogar ou ter no grupo quando você é o mestre? Já teve alguma experiência interessante neste sentido? Deixe nos comentários!
Bem legal essa idéia. Acho que como mestre eu prefiro os personagens que já chegam em Movimento, de forma que eu tenha alguma coisa para improvisar a aventura em cima. Mas entendo muito bem como um personagem em repouso pode ter a vida sacudida se o jogador tiver definido o que é importante para ele. Escrevi bastante sobre criação de personagens no meu Pequeno Guia para Jogadores de RPG (http://aventurandose.wordpress.com/2013/02/06/pgjrpg/)
Excelentes dicas no seu guia, João. Muita coisa do que você escreveu a gente também falou no terceiro episódio do ForjaCast. http://www.forjarpg.net/2012/11/forjacast-3-criacao-de-personagens/A propósito, se você quiser trocar banner, é só mandar um link para o seu que a gente coloca aqui!
Olá. No meu caso em particular, converso com o mestre pra saber qual o estilo dele e qual a proposta da campanha, porque às vezes um personagem parado pode ser melhor para um determinado tipo de campanha do que um em movimento. Bonanças.
Acho que personagens em movimento são piores nos casos de aventuras prontas, onde é difícil de inserir elementos para que encaixem com os personagens. Porém acredito que personagens em movimento são melhores para criar aventuras (ou improvisá-las).
Excelente artigo Pedro.Eu estou um pouco cansado de Personagens em Repouso, prefiro imensamente os Personagens em Movimento e gosto (sinto a necessidade) de aproveitar tudo que os jogadores determinam para seus personagens.Acho que boas histórias se desenrolam a partir do que os personagens almejam.
Você acabou me dando uma ideia para um post! 🙂
A comunicação é a chave para um grupo bem entrosado, muito bem lembrado!
[…] mais chamado minha atenção com sua simplicidade. Ele tem muito em comum com o Burning Wheel, com personagens em movimento, mas com um sistema bem menos mortal e mais cinematográfico. Usando o TSoY é possível misturar […]
Realmente ter um personagem em repouso nem sempre é ruim, principalmente se o jogador faz a sua parte e dá os “flags” – o que ele espera que aconteça no jogo, e sugestões para o mestre envolver o personagem “paradão” dele. Claro que o narrador pode querer surpreender o jogador (ou o jogador querer ser surpreendido), mas acho que o jogador sempre pode dar uma ajudinha.Por exemplo, tenho um personagem assim no jogo de True Blood do meu irmão. Ele é um mecânico texano com uma história mais ou menos conturbada (o pai um italiano ex-mafioso que casou com uma mexicana cujo irmão traficante veio se vingar e acabou matando ela por acidente, blá blá blá), mas ele em si só queria viver na boa na sua cidade. Só que minha ideia era que ele se envolvesse em problemas com o motorcycle club local e ficasse meio que entre os problemas dos lobisomens e vampiros da região, e o narrador inclinou as coisas pra que ele tivesse raízes de brujeria e acabasse virando algo parecido com um skin-walker (que está acontecendo agora), e as minhas expectativas e as dele se alinharam 😀
YES! É o que eu falo, eu vejo toda hora esse papo de “personagem tem que ser pró-ativo para o jogo ser bacana”. Ele não precisa, desde que ele tenha algo que ele quer manter, gente que ele se importa.O foda é fazer personagem mercenário que não tem família nem amigos, e cujo único interesse é dinheiro. Bom, pelo menos dinheiro é uma motivação, mas pô, dá pra deixar bem mais legal que isso.Valeu pelo comentário!
Justo, o jogador tem que ser pró-ativo (não precisa seu personagem ser pró-ativo, o jogador sim, IMHO), sei lá, eu meio que abusei desse negócio dos jogadores acharem que só precisam sentar e eu divertir eles!