No Brasil tivemos um movimento chamado Marcha para o Oeste, influenciado pela expansão territorial americana, feita pelo governo de Getúlio Vargas para incentivar o progresso e a ocupação do Centro-Oeste, onde havia muitas terras desocupadas.
West Marches (Marcha para o Oeste) também foi o nome dado a uma campanha de RPG que Ben Robins, do site Ars Ludi, jogou por cerca de dois anos. Mas o que essa campanha tinha de diferente? Vamos ver nesta série de artigos.
A série está dividida em sete partes:
- Marcha para o Oeste
- Marcha para o Oeste: Compartilhando Informações
- Marcha para o Oeste: Reciclando
- Marcha para o Oeste: Morte e Perigos
- Marcha para o Oeste: Mestrando sua Própria Campanha
- Marcha para o Oeste: Segredos e Respostas
- Marcha para o Oeste: Camadas de História
Segundo o autor, a campanha foi pensada para ser o oposto de uma campanha semanal convencional, usando três premissas básicas:
(a) Não existia uma agenda fixa: as sessões eram agendadas pelos jogadores de improviso.
(b) Não existia um grupo regular: cada sessão tinham jogadores diferentes, de um grupo de 10 a 14 pessoas.
(c) Não existia uma trama regular: os jogadores decidiam aonde ir e o que fazer, em um mundo aberto, no sentido atual que descreve jogos como Grand Thef Auto, mas sem as missões. Nada de velhos senhores misteriosos enviando os personagens em missões, ou tramas abrangentes, apenas um ambiente abrangente.
A intenção de Ben Robins, era criar um ambiente capaz de eliminar a apatia dos jogadores quando seguindo tramas sem sentido, ao colocar os jogadores no comando do quando eles queriam/podiam jogar e o que eles queriam fazer no jogo.
Outro ponto era fazer com que as agendas se ajustassem a complexa vida adulta. Deixar os jogadores responsáveis pela agenda das sessões e ter um elenco flexibilizado iria significar, pelo menos idealmente, que as pessoas poderiam jogar quando pudessem, sem contudo travar o jogo quando não pudessem. Se o jogador só pudesse jogar uma vez no mês, enquanto outros pudessem jogar mais vezes, tudo bem para todos e o jogo continuaria evoluindo.
Quando os jogadores decidem aonde ir, isso também faz com que alguns mestres saiam de sua zona de conforto e deixem um pouco da procrastinação (Ben diz se encaixar bem no perfil de procrastinador). Para ele, alguns mestres só sentem-se confortáveis em mestrar uma aventura até que ela esteja 100% pronta, o que algumas vezes significa nunca. Já nessa configuração, quando os jogadores desejavam ir para um local específico no final de semana, como o Forte Inundado, ele teria que correr e finalizar o cenário, criando um jogo sob demanda, onde os jogadores determinam prazos de entrega para o mestre.
Essa situação parece ter mudado um pouco da época que esse texto foi escrito à 12 anos, com muitos mestres mestrando de improviso, mesmo que com diferentes graus de sucesso.
Cenário: Vá para o oeste meu jovem
O jogo conduzido por Ben era ambientado em uma região na fronteira da civilização (apelidada de Marco Poente). Existia uma conveniente cidade fortificada que representava o posto mais avançado da civilização e ordem, mas depois dela, o ambiente era completamente selvagem. Todos os personagens eram aventureiros sediados na cidade.
A profissão de aventureiro não é uma profissão segura ou comum, então, os personagens dos jogadores são os únicos dispostos a arriscar suas vidas nos ermos selvagens, na esperança de fazer fortuna (NPCs aventureiros são poucos e dispersos). Entre as excursões nos ermos, os PJs descansam, compartilham informações e planejam a sua próxima incursão na animada taverna Machado & Cardo.
Todo o território é necessariamente muito detalhado. O cenário é dividido em várias regiões (Pântano Batráquio, Floresta da Aurora, Pico Oco, etc.), cada um com seu tom particular, ecologia e perigos. Existem masmorras, ruínas e cavernas em todos os lugares, algumas grandes e muitas pequenas. Algumas são pontos de referência conhecidos (todos sabem onde fica o Forte Inundado), a localização de alguns, no entanto, é apenas especulada (dizem que o Salão dos Reis fica em algum lugar na Floresta da Aurora), enquanto outros são completamente desconhecidos e descobertos apenas através da exploração (procure na floresta infestada de aranhas e você encontrará o covil do Monte da Aranha).
Os PJs conseguem explorar qualquer lugar que desejem, embora retornar para o leste não seja possível – não existem aventureiros nas terras civilizadas, apenas aposentados pacíficos.
O ambiente é perigoso. Muito perigoso. Isso é intencional, porque o perigo nos une. Os PJs precisam trabalham em equipe ou serão massacrados. Eles também terão que pensar e escolher suas batalhas – uma vez que eles podem ir aonde quiserem, não existe nada que os impeça de andar por áreas com potencial de destruí-los.
Se eles se apegarem apenas as suas espadas e investirem contra tudo que vejam, eles terão que criar novos personagens com frequência. Os jogadores aprendem a observar o ambiente e se adaptarem – quando eles encontrarem pegadas de ursos-corujas na floresta, eles podem contornar a área (pelo menos até ganharem alguns níveis). Quando eles topam com o refúgio de uma terrível Hidra, eles se retiram e juntam uma grande equipe para atacá-la.
Os personagens são fracos, mas centrais: eles são peixe pequeno em um mundo perigoso, que eles tem que explorar com cautela, mas porque eles são os únicos aventureiros que nunca devem ficar em segundo plano. Ofuscados por picos brilhantes e florestas sinistras, sim. Ofuscados por outros personagens, não.
Agendamento: Os jogadores estão no controle
O contrato social das aventuras Marcha para o Oeste determina que os jogos só acontecem quando os jogadores decidem fazer alguma coisa – os jogadores iniciam todas as aventuras e é sua tarefa agendar os jogos e organizar o grupo de aventureiros, quando decidirem para onde ir.
Os jogadores enviam e-mails para a lista (ou mensagens no WhatsApp, Telegram, Facebook, Tinder, etc.) informando quando eles querem jogar e o que querem fazer. Uma mensagem de agendamento pode ser algo como:
Eu queria jogar na quinta-feira. Quero voltar e explorar as ruínas do monastério do qual ouvimos falar além das Colinas Douradas. Eu sei que Miguel quer jogar, mas precisamos de mais um ou dois. Quem está interessado?
Os jogadores interessados se manifestam e negociam. Os jogadores podem sugerir diferentes datas, locais diferentes para explorar…
Eu estive no monastério e é muito perigoso. Ao invés disso, vamos rastrear a bruxa do Pico Oco!
… não importa – este é um processo caótico, e os detalhes são resolvidos de acordo. Na teoria, isso simula o que está acontecendo na taverna no mundo de jogo: aventureiros conversando sobre seus planos, procurando companheiros para juntarem-se a eles, compartilhando informação, etc.
As únicas regras rígidas no agendamento são:
(a) O mestre tem que estar disponível naquele dia (isso é óbvio), de forma que esse sistema funciona bem quando o mestre tem uma agenda flexível.
(b) Os jogadores tem que informar o mestre onde eles planejam ir com antecedência, para que o mestre possa preparar qualquer coisa que esteja faltando. A medida que a campanha evolui isso se torna cada vez menos um problema, porque já vão haver tantas áreas prontas que os PJs podem ir a praticamente qualquer lugar no mapa e encontrarem uma boa aventura. O mestre também pode vetar uma ideia que soe completamente entediante que não renda uma boa aventura.
Todas as outras decisões dependem dos jogadores – eles lutam entre si, as vezes literalmente.
Eu confesso que fiquei encantado pela proposta do jogo, já tendo proposto algo similar a meus jogadores alguns anos atrás, mesmo não tendo conhecimento dessa experimento.
Uma coisa interessante, é ele se aplicar não somente a um tipo de ambientação, assim como também a um único tipo de sistema.
Voltarei a falar mais sobre esse método de jogo, que me encantou sobremaneira e que pretendo adaptar para uma campanha futura em um dos meus sistemas de jogo preferidos.
Fiz uma campanha West Marches usando o Forte das Terras Marginais com meus alunos. Haviam cerca de 15 jogadores na roda, e eu fazia anúncios de trabalho e alguns rumores. Eles se organizavam entre si e decidiam o que investigar. É um lance muito interessante, mas acho que só vale a pena se o Mestre tiver mais disponibilidade que os outros jogadores. Aliás, West Marches permite até múltiplos mestres, desde que as informações descobertas nas aventuras sejam compartilhadas.
Essa disponibilidade do mestre é essencial, e infelizmente nem sempre é o caso.
Contudo, por exemplo, caso o mestre deixe determinado o dia que tem disponibilidade, os demais jogadores se programam sempre para aquele dia e horário específicos. Com um número grande de jogadores, esse tipo de problema tende a ser minimizado.
Obrigado por comentar e seja bem vindo.
Só uma observação: a tradução de “West Marches” não seria “Marcha para o Oeste”, mas algo como “Marcas Ocidentais”, ou “Fronteiras do Oeste”.
“March”, neste caso, não se refere a uma marcha, mas significa uma província fronteiriça (tradução direta para português: marca). Como descrito pelo autor, “The game was set in a frontier region on the edge of civilization” (O jogo foi ambientado em uma região fronteiriça na borda da civilização).
Considero para a tradução o movimento homônimo ocorrido no Brasil e que tem a ver com a marcha dos personagens para o oeste (explorem o oeste, o leste é proibido).
Mas a terminologia fica a cargo de quem for usar.
Obrigado pelas dicas, e seja bem vindo aos Dados Místicos.
Já tinha lido antes sobre este estilo de jogo, é bem interessante.
Obrigado pelo comentário e seja bem vindo aos Dados Místicos.
[…] Marcha para o Oeste […]
[…] Marcha para o Oeste […]
[…] Marcha para o Oeste […]
[…] Marcha para o Oeste […]
[…] Marcha para o Oeste […]
[…] Marcha para o Oeste […]