Aventuras sombrias funcionam em D&D?

Eu venho me fazendo essa pergunta a alguns anos, mas resolvi lançá-la a comunidade de jogadores, fazendo-a em dois grupos do Facebook.

As respostas, é claro, são diversas e refletem a falta de um consenso em relação ao tema, o que é normal, e remete ainda a velha discussão sobre se o sistema importa ou não.

Até o momento da publicação deste artigo, foram gerados 55 blocos de discussão nas respectivas comunidades que lancei o questionamento.

Existe um grupo que defende que o clima não depende do sistema de regras; outros apontam a utilização de uma ou de outra regra como a solução para tornar o jogo mais sombrio; enquanto outros ainda apontam cenários de campanha idealizados para o sistema de D&D (Ravenloft), como um caso de sucesso dessa proposta, e claro, as famosas regras caseiras e adaptações tão comuns em todas as mesas de RPG também são mencionadas.

Quando se associa D&D ao Ravenloft, as regras para medo, insanidade e loucura são repetidamente citadas, mas embora essas regras apareçam como opcionais no Dungeon Master’s Guide da quinta edição, não foram incorporadas à aclamada aventura Curse of Strahd, o que me causou estranheza, uma vez que esses elementos são tão icônicas do jogo quanto o próprio vampiro.

O contexto de criação de clima sombrio também é freqüentemente associado ao nível do poder dos personagens. E sejamos francos, como criar um clima sombrio, puxando para o terror, quando os personagens rivalizam em poder com os inimigos? É possível? Sem dúvida, mas exigirá mais do mestre e dos jogadores, que precisam entrar no clima e se comprometerem em manter a capa; mas como fazer com que o Príncipe Adam não se transforme em He-Man quando as coisas ficarem feias?

As alternativas também passam pela criação de atmosfera (músicas, props, etc.), bem como situações que beirem o escatológico, embora eu dispense esse último, principalmente pela enorme possibilidade de violar as expectativas e limitações de jogadores com os quais eu possa não ter muita familiaridade e correr o sério risco de disparar gatilhos indesejáveis.

Algumas opiniões mais contundentes, negam absolutamente a existência de qualquer relação entre sistema de regras e a ambientação, o que me faz pensar por que existem tantos sistemas, e como eles se propõe a certas propostas. Enfim!

A realidade que o próprio AD&D, quando lançou Ravenloft como um cenário de campanha em 1990, trouxe algumas regras, que não eram apresentadas no Player’s Handbook, para ajudar a fornecer o clima do jogo. Isso veio na forma de alterações nas classes de personagens, principalmente Paladinos, Rangers, Magos e Clérigos.

Além disso, haviam os Testes de Poder, que mediam os níveis de corrupção das personagens, concedendo alguns benefícios mecânicos, enquanto convidava-os a agirem de forma mais maligna, até que o seu personagem fosse perdido para as forças misteriosas de Ravenloft. Somando-se a isso, as regras para Medo e Horror, que podiam fazer com que as personagens largassem tudo que estivessem segurando e sair em disparada, fugindo o mais rápido possível do objeto de medo, aos casos mais graves, onde o horror paralisava a personagem, fazendo com que a mesma desenvolvesse até algumas aflições, como aversão, repulsão, dentre outros.

Quando a terceira edição de D&D foi lançada, Ravenloft também ganhou uma versão para o sistema de regras, com um bom número de títulos – e de muita qualidade, diga-se de passagem – também sendo lançados. Mas o problema de escalonamento do sistema (eu ainda considero isso um problema) preocupava até mesmo os autores.

Dito isto, se seus PJs começaram a encarar grupos de horrores com bocejos de tédio, você pode experimentar métodos para tornar o combate mais letal.

Ravenloft Dungeon Master’s Guide, p. 28. Tradução livre.

No Ravenloft Dungeon Master’s Guide, no capítulo Creating Atmosphere (a partir da p. 26), são fornecidas 13 dicas para manter a tensão, como remover distrações, esconder as mecânicas de jogo na descrição, fazer jogadas fantasmas (muito criticado por alguns, afinal, fazer jogadas sem sentido só para manter a tensão?), dentre outras. Os autores também sugerem aumentar a letalidade do combate, seja reduzindo o limiar de dano massivo (de 50 para 15 por exemplo), seja produzindo penalidades em testes, devido aos ferimentos.

Dessa forma, tanto no AD&D 2ª Edição, edição original do cenário de campanha (não das primeiras aventuras em Ravenloft), quanto na terceira edição de D&D, temos modificações ou acréscimos nas mecânicas básicas (regras), para ajudar a dar o tom do cenário.

A quarta edição de D&D não trouxe nenhum produto com o selo Ravenloft, o que particularmente não achei muito ruim, pois sempre acreditei que este cenário de campanha não se encaixava bem na proposta da quarta edição, que emulava melhor jogos ambientados, por exemplo, em Dark Sun.

A quinta edição de D&D, por sua vez, nos presenteou com a excelente aventura Curse of Strahd, contudo, muitos elementos do cenário não foram introduzidos na aventura, o que me fez sentir que algo estava faltando. E falo isso por ter visto, por exemplo, as regras de Loucura na aventura Out of the Abyss, então, por que não apresentar regras essenciais também no produto de Ravenloft? Tudo bem, não precisava repetir as regras no livro, mas nem uma referência a essas regras apresentadas do DMG?

Voltando a questão original feita nos grupos do Facebook, fica claro que é possível utilizar as regras de Dungeons & Dragons para criar uma atmosfera sombria, utilizando algumas técnicas, mas também regras que dêem suporte e ajudem a manter o clima. Embora a contagem de corpos de personagens não seja o objetivo, os jogadores precisam sentir que suas personagens não são imortais e que pode haver coisas mais terríveis do que a morte.

Tentar criar um cenário apenas com as regras apresentadas no Players Handbook exigirá mais do mestre, uma vez que ele terá que se valer de técnicas mais narrativas, sem suporte de mecânicas e principalmente, contar com o bom senso dos jogadores

Essas são apenas algumas conclusões a que cheguei após ler os comentários e analisar o material publicado de Ravenloft nos últimos anos.

Obrigado a todos que ajudaram nessa discussão e que me trouxeram a essa conclusão.

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Visualizar Comentários (2)
  1. Alan Sampaio

    Até hoje eu me ingando com isso, eu não sei se depende do sistema do jogo, ou em alguma regra da casa, ou ainda em algum suplemento de aventura ou cenário para joga uma aventura de tudo isso, alguns até dizem para que o bom senso dos jogadores no início da sessão como a famosa sessão zero é o posso essencial para definir o rumo, outros dizem que depende da proposta do jogo e por ai a fora… Não sei como responde a essa pergunta, e ledo o artigo me gerou ainda mais duvida nesta questão, pois são tantas “ferramentas” ou “métodos” para usar.

  2. Ezna Alchemyla

    Acho o sistema d&d apropriado, no livro do mesmo sugeri muitas outras narrativas, uma delas a Dark Fantasy. A meu ver o sistema não importa muito, obviamente existam sistemas mais apropriados; outros menos apropriados. Conduzir uma aventura com tais elementos é um desafio, o DM terá muitos obstáculos, e o maior deles são os jogadores; especialmente aquela que não compraram ou entenderam a ideia da mesa.

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