O Basic Roleplaying System, ou BRP como é mais conhecido, é um sistema de regras inicialmente desenvolvido para o jogo RuneQuest, ambientado no fantástico mundo de Glorantha, do autor Greg Stafford.
Steve Perrin, Steve Henderson e Ray Turney são os criadores das mecânicas básicas do jogo, e foram desenvolvidas com o objetivo de ser mais fáceis e intuitivas do que alguns RPGs que já existiam na época.
HISTÓRIA E ORIGENS
A Chaosium Inc. foi fundada em 1975 por Greg Stafford e Lynn Willis, com o objetivo de publicar jogos de tabuleiro. O primeiro título produzido foi o White Bear & Red Moon, rebatizado como Dragon Pass. O jogo de tabuleiro era ambientado no mundo de Glorantha, que tornou-se a base para o RPG RuneQuest.
O primeiro RPG da Chaosium foi lançado em julho de 1978, durante a Origins Game Fair 1978, evento ocorrido em Ann Arbor, em Michigan. Com mais de 3.500 participantes, foi considerada a maior convenção de jogos até aquele momento.
O jogo se destacou pelo sistema robusto de perícias e pela resolução de ações baseadas em jogadas percentuais (usando dados de dez lados, um para dezenas e outro para unidades).
Quando o RuneQuest ganhou a sua segunda edição em 1980, o próprio Greg Stafford decidiu simplificar um pouco as regras. Todo o conjunto de regras foi compilado em um livreto de 16 páginas que ficou conhecido como Basic Role-Playing System, tornando-se a base para muitos outros RPGs que vieram a seguir.
Designers como Sandy Peterson, Lynn Willis e Steve Henderson contribuíram significativamente para a ampliação das regras.
Em 1981, a empresa lançou Call of Cthulhu, de Sandy Petersen. O RPG é baseado nos trabalhos de H. P. Lovecraft e o título rapidamente se transformou em um dos jogos mais populadores da história, ganhando elogios por sua mecânica de jogo que contribui para a criação da uma atmosfera sombria.
Em 1982 foi lançada a caixa Worlds of Wonder, trazendo dados e quatro livretos: as regras básicas (BRP) e as ambientações Fantasy World, Future World e Superworld, cada um deles com 16 páginas. A caixa lançou a base para outros RPGs que vieram a seguir, alguns dois quais adaptações da literatura:
- Superworld (1983): as sessões deste RPG inspiraram as histórias do romance Wild Cards (Cartas Selvagens), editada pelo conhecido George R. R. Martin.
- Ringworld (1984): RPG baseado nos romances de ficção científica do autor Larry Niven, de 1970.
- Elfquest (1984): adaptação da série de quadrinhos criada por Wendi e Richard Pini em 1978.
- Hawkmoon (1985): adaptação dos romances da série Eternal Champions do autor Michael Moorcock.
- Pendragon (1985): uma versão muito modificada das regras do BRP na Britânia Arturiana.
- Nephilim (1992 – 1994): RPG francês de ocultismo publicado pela editora Multisim em 1992 e que ganhou uma versão em inglês pela Chaosium em 1994.
Além destes, o BRP influenciou muitos outros sistemas de jogos, direta ou indiretamente, particularmente na Europa, onde muitos jogos são claramente baseados em seu sistema. Alguns exemplos são o Other Suns, publicado pela Fantasy Games of Unlimited e o Drakar och Demoner (Demônios e Dragões) publicado pela Äventyrsspel em 1991.
O site Runeblog traz uma extensiva lista com inúmeros jogos publicados com as regras d100, derivadas do BRP.
O sistema evoluiu de um folheto de 16 páginas publicado em 1980 para um livro robusto de 256 páginas, com sua última edição publicada em 2023. O livro pode ser adquirido na loja oficial da Chaosium ou da DrivethruRPG nos formatos PDF, capa dura ou você também pode acessar o SRD gratuitamente (tradução em pt-br em breve).
MECÂNICAS BÁSICAS
Desde a sua origem, o BRP foi desenvolvido para ser intuitivo e fácil de jogar. Os atributos dos personagens seguem uma curva 3d6, mas a maior parte das mecânicas do sistema baseia-se no sistema percentual.
Os jogadores geralmente usam dois dados de 10 lados (2d10) para determinar o resultado de uma ação. Um dos dados representa as dezenas e o outro as unidades. Os resultados são então somados para criar um número entre 01 e 100 (representado por 00).
Testes de Habilidade
Para realizar uma ação, os jogadores devem rolar abaixo ou igual ao valor de sua habilidade correspondente. Por exemplo, se um personagem possui a perícia Arco e Flecha com um valor de 75%, ele precisa obter 75 ou menos em 2d10 para acertar um alvo com sua flecha.
Pontos de vida e Dano
Os personagens tem um certo número de pontos de vida que representam sua saúde e resistência. Quando sofrem dano, esses pontos são reduzidos. O dano é determinado pelos resultados das rolagens de dados, com diferentes armas e ataques causando quantidades variáveis de dano.
Ao contrário de outros sistemas, no BRP os pontos de vida realmente representam ferimentos. Se um golpe acerta o alvo e remove pontos de vida, o alvo terá sofrido um corte, arranhões ou lesões mais graves, representadas por lacerações e até amputações.
Combate
O combate no BRP é relativamente simples, embora alguns sistemas baseados possam apresentar maior número de nuances, e é baseado em turnos. Os personagens e adversários alternam turnos realizando ações como atacar, defender-se, lançar feitiços etc. O sucesso em ataques e defesas é determinado por rolagens de dados, que são comparadas com seus valores de perícias.
Progressão de personagens
As perícias dos personagens são melhoradas através de treinamento e pesquisa, mas a principal forma de melhorar suas habilidades é usando suas perícias em situações perigosas.
Quando um personagem utiliza uma perícia em situação dramática, como em um combate ou situação de grande tensão, deve fazer uma marcação em uma caixa próxima ao nome da perícia, indicando que aquela perícia foi utilizada.
Quando determinado pelo mestre, o jogador fará uma jogada de experiência, que é um teste da perícia marcada adicionada de metade de seu valor de Inteligência. Se o resultado for maior do que o valor da perícia, a jogada é bem sucedida e o personagem aumenta o valor da perícia em um valor que dependerá da velocidade que o mestre quer imprimir à evolução dos personagens. Esse valor pode ser 1d4, 1d6 (mais comum), 1d8 ou 1d10.
Poderes
Uma das características modulares do BRP se evidencia nos poderes, diferentes manifestações que inclui magia, mutações, habilidades psíquicas, feitiçaria e super poderes. Os poderes podem ser utilizados separados ou em conjunto, fornecendo perspectivas interessantes para a construção de cenários.
Uma adaptação dos Vingadores, por exemplo, poderia incluir a utilização de todos os cinco conjuntos de poderes, enquanto adaptações de cenários de fantasia medieval poderiam utilizar apenas magia e feitiços, enquanto ambientações em nosso mundo real poderia não utilizar nenhum poder.
Magia e Feitiçaria não são a mesma coisa no contexto do BRP. Cada magia é representada por uma perícia diferente e para ser bem sucedido, o mago precisa ser bem sucedido no teste de perícia e gastar os Pontos de Poder requeridos, podendo potencializar os efeitos com gasto extra.
Um feiticeiro, por outro lado, só precisa dizer as palavras corretas e o efeito acontece. Diferente do mago, um feiticeiro precisa de um grimório e alguns efeitos podem ser tão poderosos que drenam permanentemente Pontos de Poder.
Flexibilidade e Adaptabilidade
O BRP se destaca como um sistema genérico de RPG devido à sua flexibilidade e adaptabilidade.
Desde o seu surgimento, o BRP cativou jogadores e mestres ao oferecer uma estrutura sólida que pode ser facilmente moldada para se adequar a uma ampla variedade de gêneros e ambientações, desde a fantasia medieval até a ficção científica e o horror mais sombrio.
O jogo pode ser desenvolvido em quatro níveis de poder: normal, heroico, épico e super-humano.
O nível de poder Normal é aquele no qual os personagens não possuem poderes, ou se possuírem eles são poucos e não confiáveis. É o nível de poder indicado para campanhas de horror ou modernas, onde tecnologia e perspicácia são fatores decisivos para a sobrevivência.
No nível de poder Heroico os personagens possuem alguns poderes fortes ou uma gama de poderes variando entre os níveis baixo a médio. É o nível de poder adequado para grupos de heróis mascarados, aprendizes de magos, sobreviventes mutantes de um apocalipse radioativo, vigilantes, ou um mundo de alta fantasia de feiticeiros e guerreiros. Alguns cenários futurísticos podem ser criados com esse nível de poder, simulando cidadãos com poderes garantidos por manipulação genética.
O nível de poder Épico é adequado para criaturas muito poderosas, como arqui-magos ou criaturas formidáveis. Aventuras épicas podem envolver heróis mascarados lutando contra as forças das trevas em um mundo moderno.
Já o nível de poder Super-humano envolve personagens com imensas capacidades, sendo considerados os heróis mais poderosos. Os jogos poderiam envolver guardiões de galáxias ou mesmo a incarnação de grandes semi-deuses.
Com algumas adaptações simples, o sistema pode ser usado em jogos de ficção científica, transportando os jogadores para futuros distópicos, viagens intergalácticas e encontros com alienígenas de todos os tipos. As regras de combate e tecnologia podem ser ajustadas para refletir o ambiente tecnológico avançado desses cenários, enquanto as mecânicas de magia podem ser substituídas por poderes psíquicos ou tecnológicos.
Além disso, o BRP se destaca no gênero de horror, especialmente através de títulos como Call of Cthulhu. Nesses jogos, os jogadores enfrentam criaturas sobrenaturais, mistérios obscuros e ameaças cósmicas que desafiam a compreensão humana. As mecânicas do BRP contribuem para a atmosfera tensa e opressiva dessas histórias, onde o perigo espreita em cada esquina e a sanidade dos personagens está sempre em jogo.
A CRIAÇÃO DE PERSONAGENS
A criação de personagens é realizada em 10 passos, sumarizadas abaixo:
Passo 1. Nome e características
Escolha o seu nome, de acordo com o cenário e determine as suas características. A determinação das características pode ser feita de forma aleatória através de jogadas de dados ou distribuição de pontos.
No primeiro caso os jogadores determinarão características jogando 3d6 para Força (FOR), Constituição (CON), Poder (POD), Destreza (DES) e Carisma (CAR); e 2d6+6 para Inteligência (INT) e Tamanho (TAM).
Dependendo do nível da campanha, esses valores podem ser diferentes.
Passo 2. Poderes
Esse passo pode ser pulado caso a sua ambientação não tenha poderes. A quantidade de poderes é também limitado pelo nível da campanha.
Passo 3. Idade
A idade é importante, pois influencia pontos de perícias profissionais que os personagens podem acessar.
Passo 4. Jogadas de Características
As características Força (FOR), Constituição (CON), Poder (POD), Destreza (DES), Carisma (CAR) e Inteligência (INT) são multiplicadas por 5 para determinar as jogadas de Esforço, Vigor, Sorte, Agilidade, Charme e Ideia.
Passo 5. Características Derivadas
As características derivadas são:
Modificador de dano: FOR + TAM e consulta na tabela apropriada;
Pontos de vida: (CON + TAM)/2 arredondado para cima;
Nível de Ferimento Grave: 1/2 dos pontos de vida arredondados para cima;
Pontos de Poder: inicialmente é o valor de POD;
Bônus de Experiência: 1/2 da INT, arredondado para cima;
Movimento: para humanos, 10 metros.
Se algumas regras opcionais estiverem sendo usadas, outras escolhas podem ser feitas, como pontos de vida por região do corpo, fadiga, sanidade etc.
Passo 6. Personalidade
O jogador pode escolher ou sortear em uma tabela para determinar a personalidade do personagem. Ele pode ser brutal, perito, esperto e encantador. Cada uma delas fornece bônus em algumas perícias.
Passo 7. Profissões e Perícias
O jogador vai escolher a sua profissão e as perícias. A quantidade de pontos de perícias disponíveis para gasto dependerá do nível de poder.
Campanha de nível Normal = 250 pontos de perícias. Nenhuma perícia pode começar com nível maior do 75%;
Campanha de nível Heroico = 325 pontos de perícias. Nenhuma perícia pode começar com nível maior do que 90%;
Campanha de nível Épico = 400 pontos de perícias. Nenhuma perícia pode começar com nível maior do que 101%;
Campanha de nível Super-humano = 500 pontos de perícias. Sem limite de alocação.
Passo 8. Posses
As profissões do personagem determinará suas posses iniciais.
Passo 9. Tamanho e características distintivas
Uma etapa cosmética para determinar altura e algumas características que distinguem o personagem.
Passo 10. Toques finais
Neste passo o jogador vai fazer um apanhado geral sobre tudo que já foi feito e preencher lacunas.
PARA QUEM É O BRP?
Embora extremamente versátil, o sistema não é para todo todos, não em função de sua complexidade, mas pelo simples fato de algumas pessoas preferirem sistemas com característias diferentes. A seguir faço um apanhado geral sobre os aspectos do jogo que poderiam fazer você querer jogar o sistema.
Jogadores e Mestres que Valorizam a Simplicidade e Flexibilidade
Simplicidade das Regras: O BRP é conhecido por suas regras simples e intuitivas, baseadas principalmente em rolagens de porcentagem. Isso o torna acessível tanto para jogadores iniciantes quanto para veteranos que preferem menos complexidade nas mecânicas.
Versatilidade: O sistema é altamente modular e pode ser facilmente adaptado a praticamente qualquer gênero ou cenário. Desde fantasia medieval até ficção científica, horror, ou aventuras modernas, o BRP pode ser ajustado para se adequar à visão do mestre e do grupo de jogo.
Jogadores que Gostam de Narrativas Profundas e Envolventes
Foco na Narrativa: O BRP facilita uma experiência de jogo rica em narrativa, permitindo que a história e o desenvolvimento dos personagens sejam centrais. Os jogadores que apreciam uma imersão profunda na trama e na construção de personagens encontrarão no BRP um excelente sistema.
Desenvolvimento de Personagens: O sistema de criação e progressão de personagens é robusto, permitindo um desenvolvimento significativo ao longo do tempo. Jogadores que gostam de ver seus personagens crescerem e evoluírem vão apreciar as opções oferecidas pelo BRP.
Mestres de Jogo que Gostam de Criar e Adaptar Cenários
Facilidade de Adaptação: Mestres que gostam de criar seus próprios mundos ou adaptar cenários existentes encontrarão no BRP uma ferramenta poderosa. A modularidade do sistema permite a incorporação de novas regras, habilidades e elementos de cenário sem grande dificuldade.
Suporte para Vários Gêneros: O BRP suporta uma vasta gama de gêneros, desde os clássicos como Call of Cthulhu (horror) até RuneQuest (fantasia), tornando-o ideal para mestres que gostam de variar suas campanhas e experimentar diferentes ambientes de jogo.
Grupos de Jogo que Apreciam uma Abordagem Realista e Detalhada
Realismo e Detalhamento: O BRP é conhecido por seu realismo e pelo detalhamento nas regras de combate e habilidades. Grupos que valorizam uma abordagem mais realista e detalhada, onde as ações têm consequências claras e mensuráveis, encontrarão no BRP um sistema satisfatório.
Jogadores que Buscam Experiências de Longo Prazo
Campanhas Longas: O BRP é bem adequado para campanhas de longo prazo, onde os personagens podem evoluir significativamente. Grupos que preferem investir tempo em campanhas que duram meses ou anos vão se beneficiar das mecânicas de progressão do BRP.
O Basic Role-Playing é um sistema extremamente adaptável e acessível, ideal para jogadores e mestres que buscam flexibilidade, simplicidade e uma forte ênfase na narrativa. Ele é adequado tanto para iniciantes quanto para veteranos, e suporta uma ampla variedade de gêneros e estilos de jogo. Se você valoriza a criação de personagens profundos, a imersão em histórias envolventes e a capacidade de adaptar o sistema às suas necessidades específicas, o BRP é uma excelente escolha para suas sessões de RPG.
COMUNIDADE E RECURSOS ONLINE
A comunidade do Basic Roleplaying System pode ser acessada a partir da fórum oficial do BRP, que também abriga áreas para discussão de diversos títulos da família d100.
Outro local para falar sobre o sistema é o grupo do Basic Roleplaying System no Facebook.
No Brasil, a maior comunidade sobre o sistema é o Mundo Tentacular, com perfis no Facebook, Instagram, e o melhor blog sobre assunto no país.
CONCLUSÕES
O BRP é um sistema ideal para quem gosta de sistemas robustos, mas simples, focado em sistemas de perícias e com progressão orgânica, baseada na utilização das perícias.
A possibilidade de transitar entre várias ambientações, sem necessitar de outros sistemas também é um atrativo, assim como a possibilidade de ajuste de níveis de poder para acomodar desde campanhas baseadas em nosso mundo real até campanhas onde deuses andam pela terra e além.
Infelizmente o sistema ainda não possui tradução para o nosso idioma, mas o Chamado de Cthulhu (New Order Editora) e em breve o Delta Green (Retropunk) dão um gosto do que é o sistema. Ambos derivam do BRP, tem a mesma temática, mas tem abordagens um pouco diferentes, ainda assim, podem dar uma boa ideia de todo o poder do sistema.
Deixe um comentário