A partida e o Diário de bordo

Era 8 de Março de 1.500 e eu estava sentado próximo da ermida do Restelo para ver a maior armada já reunida. Treze navios estavam com seus porões abarrotados de suprimentos e armas para viagem, alguns dos quais eu mesmo ajudei a carregar.

No porto falavam em mais de 1.500 homens que embarcariam à caminho da Índia, cujo capitão-mor era um jovem fidalgo chamado Pedro Álvares Cabral.

Uma missa foi celebrada na capela de Belém depois da procissão, na qual seguia à frente o rei D. Manuel, sua corte, nobreza e muita gente do povo. No interior da capela, Pedro Álvares Cabral e seus capitães, pilotos e os que exerciam funções de destaque, esperavam por D. Manuel.

D. Diogo Ortiz, Bispo de Ceuta, celebrou a missa, e lançou sua benção à Cabral e à bandeira da Ordem de Cristo, que lhe foi entregue. Em seguida, D. Manuel colocou na cabeça de Cabral o barrete que o papa lhe mandara, e antes de embarcar nos batéis, o capitão-mor e os seus comandos, ouviram as últimas recomendações reais e beijaram a mão do monarca.

Voltei para casa a noite, mas devido ao mal tempo, a armada passou a noite fundeada. Com o bom tempo, ultrapassaram a barra e iniciaram a partida em 09 de março de 1.500, devendo seguir a rota de Vasco da Gama.

Voltei à praia na manhã seguinte e fiquei lá até depois do meio dia, quando aos poucos, as embarcações se afastaram lentamente.

Depois da partida, percorri as vielas de Lisboa à caminho de casa e guardei na mente as palavras de um trovador desconhecido que da beira da praia declamava:

Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam
As mulheres c’um choro piedoso,
Os homens com suspiros que arrancavam.
Mães, Esposas, Irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperação e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.


A Grande Armada

Diário de Bordo do Capitão Sancho de Tovar, da Nau El-Rei

Segunda-feira, 09 de março de 1.500

Partimos de Lisboa, ao meio dia do dia 09 de março de 1.500 sob o comando do capitão-mor Pedro Álvares Cabral. Embora algumas pessoas duvidem de sua capacidade em liderar esta esquadra, estamos muito confiantes e esperançosos, que o nosso Senhor Jesus Cristo guie nossa viagem e nos proteja de todos os males que possam vir a nos afligir.

Infelizmente, é preciso dizer, algumas circunstâncias de nossa viagem eram um tanto estranha. A maioria dos marujos não foram informados sobre a natureza da viagem e nem para onde iríamos.

Nossa esquadra é composta por dez naus, duas caravelas e uma naveta de mantimentos.

Caravela São Pedro: Pero de Ataíde
Caravela Santiago: Bartolomeu Dias

Nau São Gabriel: Pedro Álvares Cabral
Nau El-Rei: Sancho de Tovar
Nau Anunciada: Nuno Leitão da Cunha
Nau Santa Cruz: Rodrigo Sampaio
Nau Paraíso: Vasco de Ataíde
Nau Flor de la Mar: Diogo de Bragança
Nau Vitória: Miguel Guimarães
Nau Espera: Tomás de Caminha
Nau Espírito Santo: Santiago Coimbra
Nau São Jorge: Francisco da Veiga

Naveta de Mantimentos: Gaspar de Lemos

Terça-feira, 10 de março de 1500

Os ventos sopraram a favor. O dia claro, com poucas nuvens, pouco lembrava dois dias antes. Um grande cardume de sardinhas foi caçado com determinação por um grupo de golfinhos, que depois de se refastelarem, nos seguiram durante parte do dia.

Quarta-feira, 11 de março de 1500

No início da tarde avistamos um navio corsário, mas o mesmo não se aproximou. A armada impõe respeito. Nenhum corsário seria louco o suficiente para nos atacar. Passaram à grande distância.

Quinta-feira, 12 de março de 1500

Continuamos avançando, seguindo em direção à Grã Canária. Os marinheiros de pouca viagem acharam algo estranho nas águas. Eram medusas gigantes. Parecia um grande campo destas estranhas e perigosas criaturas. Passávamos por elas, e era possível observar as expressões de espanto nos rostos dos marujos. Muitos não faziam ideia de que coisas como aquelas pudessem existir.

Sexta-feira, 13 de março de 1500

O tempo seguia bom, mas mudou rapidamente. Uma tempestade rápida se abateu sobre nós, mas não forte o suficiente para mudar as condições de navegação. A noite avistamos um cometa com grande cauda azul. Os marujos interpretavam aquilo como um bom presságio.

Sábado, 14 de março de 1500

No meio da manhã passamos à vista da Grã Canária. Seguíamos o caminho como planejado. Os homens, porém, começavam a perguntar quais eram mesmo os objetivos de nossa viagem. Muitos haviam subido à bordo com a promessa de riquezas, mas não lhes fora explicado nada sobre nossa missão e sobre o nosso destino. Os pilotos, sob ordens dos capitães, começaram a incentivar os homens à jogar. Um passatempo poderia dirigir os seus pensamentos para o trabalho que tinha que ser feito. Os padres acompanhavam de perto as jogatinas para evitar as apostas. Continuávamos observando o cometa, que parecia seguir para o sudoeste.

Domingo, 15 de março de 1500

O tempo voltou a mudar. Fomos atingidos por ventos fortes que bem aproveitados pelos pilotos experientes, nos fizeram avançar ainda mais em nossa jornada. Nas águas um pouco mais revoltas encontramos tubarões, alguns excepcionalmente grandes, que nadaram ao nosso lado por um bom tempo.

Segunda-feira, 16 de março de 1500

Algumas das embarcações foram arrastados por uma perigosa corrente, que os afastou brevemente de suas rotas. A perícia dos pilotos e a determinação de seus marujos as colocou todas em suas rotas. Houve grande comemoração.

Terça-feira, 17 de março de 1500

Encontramos um grupo de golfinhos na manhã e a tarde. Se intensifica o desejo dos marinheiros em saber para onde vamos. Os padres estão tendo cada vez mais trabalho. O cometa segue no céu, e alguns brincam, dizendo que ele nos levará à terra prometida.

Quarta-feira, 18 de março de 1500

Continuamos avançando sem grandes problemas. O vento tem estado sempre a favor e os auspícios são favoráveis. Pela manhã os tubarões estiverem conosco. No início da noite alguns homens assustaram-se e relataram ter visto estranhas luzes embaixo da água, que acompanharam algumas das embarcações durante algum tempo. Houve assombro, mas todos creditam as visagens ao temor de navegar por áreas pouco exploradas.

Quinta-feira, 19 de março de 1500

As naus El-Rei e Santa Cruz abalroaram alguma coisa. Inicialmente pensamos ser um banco de areia. O impacto fez as naus fazerem água, o que exigiu um trabalho rápido dos marujos. Conseguimos mantê-las navegando, mas perdemos algumas caixas de mantimentos. Teríamos que consertá-las em Cabo Verde e pegar alguns suprimentos. Ninguém conseguiu determinar em que ou no que batemos.

Sexta-feira, 20 de março de 1500

A viagem seguiu calma durante todo o dia. A noite, contudo, todos foram tomados de grande pavor. Figuras brilhantes saltavam da água e flutuavam ao lado de nossas embarcações. As figuras tinham silhuetas vagamente humanas, com longas asas, e brilhavam em várias cores, do branco ao vermelho. Muitos começaram a rezar, sem saber ao certo se aquelas coisas eram anjos, demônios ou alguma outra coisa. A maioria dos marujos não viu nada, ou pelo menos disseram não ter visto.

Sábado, 21 de março de 1500

O dia seguiu com pouco vento, reduzindo bastante o nosso ritmo de viagem. As estranhas criaturas não foram avistadas nessa noite, o que talvez coloque como verdade a afirmação de alguns marujos, de que tudo aquilo poderia ter sido alucinação. Os marujos pareciam mais calmos.

Domingo, 22 de março de 1500

Alcançamos Cabo Verde no início da manhã e lá algumas embarcações aportaram, enquanto as demais ficaram fundeadas. Reparamos a Del Rey e a Santa Cruz, trazendo à bordo algumas provisões e água, embora nenhum homem tenha sido autorizado à deixar a área. Tínhamos pressa e no meio da tarde seguimos viagem. Durante a noite alinhamos a esquadra ao cometa, seguindo para o sudoeste, como nos fora orientado por Dom Manuel, embora fosse segredo reservado exclusivamente aos capitães e pilotos.

Segunda-feira, 23 de março de 1500

Seguíamos em condições de vento e visibilidade favoráveis, quando ao cair da noite, vimos aquele imenso tapete de luzes azuis brilhando no oceano. Todos ficaram maravilhados com aquele espetáculo. Foi uma noite tranquila.

Na manhã seguinte demos por falta da nau Paraíso, e nos pusemos a procurá-la por ordem do capitão-mor.

Durante dois dias procuramos a nau ou vestígios de um possível naufrágio, embora nada pudesse explicar tal acontecimento. Nada encontramos e assim escreveu Pero Vaz de Caminha à coroa, algum tempo depois:

Na terça-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver vento forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais”

Pero Vaz de Caminha, 1500

De sua carta, alguns acontecimentos, que pudessem ser atribuídos à mentes fantasiosas, foram omitidas por razões óbvias.

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