Agora que estou participando mais efetivamente do Google+, tenho tido a oportunidade de participar de algumas discussões interessantes, inclusive relembrando velhas discussões do passado, como esta sobre Pontos de Vida nos sistemas OSR.
A questão inicial dizia respeito a um descontentamento entre a existência de Constituição e Pontos de Vida, considerando que os dois poderiam transformar-se em um único conceito.
Inspired by a few posts on hit points, I am wondering if anyone has ever tried to collapse the concept of CON and HP into one “thing.”
Quando um guerreiro avança em direção a um grupo de kobolds, desferindo vários golpes e recebendo alguns, a perda de pontos de vida não implica ferimentos, mas a perda de confiança diante dos golpes, sorte em reduzir um golpe que poderia ter sido mortal, mas que foi aparado pela espada ou escudo do personagem… mas nada disso faz sentido, nunca teve, pois é um tipo de abstração que, eu particularmente, não consigo simular em minhas mesas.
O kobold desfere um golpe com sua lança, que passa perto da sua cabeça e você começa a pensar se conseguirá sair ileso da luta. Você perde 6 pontos de vida!
Então, se os pontos de vida não representam ferimentos, o que curariam as poções de cura? Elas serviriam para reanimar o personagem, aumentar sua confiança… e os ferimentos?
O artigo Pulp Heroes and Damage, postado em 2009 no Akratic Wizardry, apresenta uma regra caseira para lidar com esse problema, uma solução elegante que já utilizei algo parecido em meus áureos tempos de AD&D.
The protagonists of classic ‘swords and sorcery’ tales are a remarkable lot. They are a ‘cut above’ the common stock of humanity, physically and mentally superior to most people, although perhaps sometimes less prudent. Even this occasional lack of prudence, however, is compensated with superior luck and drive.
Sem dúvida, este é o pensamento comum sobre os heróis da fantasia. Pessoas superiores física e/ou mentalmente do homem comum que largam o conforto de suas vidas por aventuras, muitas vezes imprudentes. Eles se destacam, logo tem estatísticas e características distintivas, como por exemplo uma maior facilidade de sobreviver a situações nas quais outros não sobreviveriam [pontos de vida].
O autor do artigo, então, levando isso em conta, apresenta a seguinte regra caseira:
To reflect this aspect of the ‘swords and sorcery’ genre, it is recommended that first-level player characters start with the maximum number of hit points possible for their class, plus five additional hit points (modified by their constitution scores, as appropriate). Hit points should be rolled normally after first level.
Nas primeiras edições de D&D e em alguns retroclones, mesmo no primeiro nível o personagem precisa ter seus pontos de vida iniciais determinados por um rolamento. Essa regra, não somente dispensa o rolamento, como também adiciona, no mínimo, mais 5 pontos de vida iniciais. Excelente para um mago, que poderia começar com 9 pontos de vida ao invés de 1 a 4.
Player characters’ hit points represent only ‘superficial’ damage (i.e., exhaustion, light bruises, minor scrapes, and so forth.). Because of this, all lost hit points may be recovered by sleeping without interruption for eight full hours. Resting (not sleeping), or sleeping for less than eight hours, will enable a player character to recover one hit point per full hour of rest or sleep.
Muitas pessoas argumentam que acham inverossímil um personagem recuperar 50 pontos ou mais de dano em uma noite de sono, mas o dano não são ferimentos! Este dano representa a exaustão, pequenos cortes e hematomas e nada além disso, por isso é possível curá-los com tanta rapidez. Uma noite de sono restaura toda a energia perdida.
Once a player character’s hit points have been depleted, any further damage is done to the character’s constitution score. Damage to a character’s constitution score represents ‘serious’ damage. Every time a character takes damage to his/her constitution, he/she must make a saving throw (versus ‘death’ if using a system other than S&W) or fall unconscious. In addition, a character that has taken damage to his/her constitution suffers a -2 penalty to all actions (including attack rolls and saving throws). If a character’s constitution score is reduced to 0 or lower that character is dead.
Então, quando os pontos de vida do personagem se forem, aí sim ele começa a sofrer ferimentos, que vão reduzindo sua Constituição. Estes são aqueles ferimentos sérios, que realmente machucam e podem levar o personagem a inconsciência ou a morte. O autor sugere que sempre que o personagem sofra um ferimento ele faça um teste de resistência para permanecer consciente. Caso a Constituição do personagem seja reduzida a zero ou menos, já era! O personagem cruza finalmente os portões negros da morte e enquanto isso não acontece, ele segue sofrendo uma penalidade de -2 [ou apropriada ao sistema que se esteja usando] ao tentar realizar qualquer ação.
Magias como Curar Ferimentos, não curariam pontos de vida, mas pontos de Constituição perdidos. Algumas bebidas como vinho, cerveja, hidromel, etc., poderiam recuperar pontos de vida perdidos e alguns alquimistas poderiam desenvolver algumas poções de revigoramento, que teriam efeitos similares a poções de cura, com efeitos reduzidos.
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Verdade seja dita, em nenhuma edição de D&D que eu me lembre de ter lido, é dito que os pontos de vida representam ferimentos, mas a abstração necessária requer um esforço muito grande quando queremos efetivamente descrever o que acontece em um combate. Se o sistema possuísse um sistema de ferimentos ligados a Constituição do personagem, provavelmente conseguiríamos abstrair melhor.
O D&D 4E adiciona o valor de Constituição do personagem a um valor fixo de pontos de vida iniciais, que depende da classe escolhida. Porque não a
firmar que estes pontos são na verdade os ferimentos? Por exemplo, um guerreiro começa com 15 + valor de Constituição pontos de vida. Os 15 pontos poderiam ser a sua medida de sorte, exaustão, etc., enquanto o valor de Constituição representaria ferimentos reais. Isso poderia trazer algumas implicações, indesejadas para alguns, muito bem vindas para outros.
O D&D Next já apresenta alguma informação sobre os pontos de vida, assim descrevendo-os:
Enquanto os seus pontos de vida atuais forem iguais ou maiores do que metade de seus pontos de vida totais, seu personagem não demonstrará nenhum sinal de ferimento. Quando os pontos de vida atuais caírem abaixo de metade de seus pontos de vida máximos, você mostrará sinais de desgaste, como cortes e contusões. Um ataque que reduza seu personagem a zero pontos de vida ou menos, deixará um ferimento sangrando ou outro trauma, ou simplesmente o deixará inconsciente.
Com isso já temos alguma diretriz explícita, na mecânica de jogo, para interpretar as condições advindas da perda dos pontos de vida, com uma política bem parecida com a condição sangrando, apresentada no D&D 4E.
Cara, excelente o texto…muito. Acredito que essa discussão será eterna em mesas de jogos ( e de bar ) e aqui tem muitos argumentos bons. Nas minhas mesas eu nunca tive problema, no maximo uma piada aqui ou ali com um guerreiro que acha mais pratico saltar de um precipício e se recuperar do dano com ajuda do clérigo. rsAcho que vale lembrar que Pontos de Vida é uma tradução pobre de HIT Points, que traduziriam “melhor” como Pontos de Acerto. Abraços e muito XP
O sistema de Tagmar II tem uma abordagem excelente sobre pontos de vida.Os heróis possuem sua energia física, que é determinada no primeiro nível, e também energia heróica. Danos na energia física seriam os danos sérios que o personagem sofresse, como críticos, quedas, venenos, etc. Quando a energia heróica acabasse, os danos passariam a acontecer na energia física.Procurem o sistema na internet, no site oficial, que é de graça e leiam pra ter uma idéia.
No livro Unearthed Arcana de D&D 3.5 tem um capitulo, ou coisa do genero, só para sistemas alternativos de pontos de vida. Um sistema apresentado ali, que é 99% igual ao que foi descrito no post é chamado de vitality/wounds. Onde Vitality sao os “pvs de fôlego” e wounds sao os “pvs de ferimento”. Um adicional é que sucessos decisivos dao dano direto em wounds, tornando o jogo mais perigoso, e a recuperaçao de vitality nao é 100%/descanço.Uma ideia que eu tive prum E6 proprio, e roubando um pouco da inspiraçao do D&D next é a seguinte:pontos de vida sao iguais ao valor de constituiçao, e a partir do segundo nivel o personagem adquire dados de vida, começando com d4 e evoluindo até o d12 de acordo com a classe e nivel (até o 6). O valor maximo do dado é acrescido aos pontos de vida, entao provavelmente, um “barbaro humano nivel 6” poderia ter até 30 pontos de vida sem itens magicos ou furia (18 de CON + d12). A diferença é que esse dado de vida funciona justamente como “pvs heróicos”, e sao recuperados numa taxa relativamente alta enquanto o personagem nao apresentar “ferimentos reais”.
Excelente abordagem. Fiz algo parecido, mas para GURPS.