Alinhando expectativas

Outro dia fui assaltado por lembranças de muitas sessões e campanhas de RPG que joguei. Desde a primeira aventura, sempre preferi personagens menos combativos e que me permitisse explorar outros aspectos do jogo. Joguei com magos, bardos, alguns ladinos focados em perícias não combativas. Na maioria das vezes, estas experiências me decepcionaram fortemente.

Quando fazia um mago, gostava de escolher magias que pudessem abrir oportunidades para ganhar conhecimento em detrimento as magias relacionadas ao combate, somente para arrepender-me disso depois, uma vez que todas as propostas dos mestres envolviam o mais puro e simples dungeon crawl. 

Quando eu comecei a mestrar minhas próprias aventuras, tinha o cuidado de tentar entender as motivações dos personagens e deixava espaço aberto para que todos se desenvolvessem, mas via de regra, os jogadores para quem já mestrei, interessavam-se exclusivamente pelo dungeon crawl e neste aspecto também me frustrei por um tempo.

Eu queria explorar os mistérios de uma academia arcana...
Eu queria explorar os mistérios de uma academia arcana…

As vezes o mestre abre uma mesa de RPG, desejando uma história que possa enfatizar determinados aspectos, como a investigação – como em uma campanha que joguei em Ravenloft – mas invariavelmente a investigação sempre terminava em um combate sangrento e muitas vezes chegávamos a becos sem saída na investigação que nos levavam a mais combates sangrentos. Na teoria, a campanha resumia-se a coletar informações sobre os Senhores dos Domínios que permitisse combatê-los com alguma vantagem – se não me falha a memória, derrotamos uns seis lordes antes da campanha acabar e o meu personagem mago erudito, criado no primeiro nível, logo foi morto e TEVE que dar lugar a um personagem mais orientado ao combate.

Convergindo expectativas de jogo

Ao que parece, tudo isso é um problema de expectativas. O mestre pense em um tipo de aventura, os jogadores querem jogar um outro tipo e no final a diversão fica comprometida.

Podemos facilmente convergir as expectativas do jogo se conversarmos.

Infelizmente eu descobri que isso não é verdade, pelo menos, é muito difícil conseguir em algumas mesas quando os jogadores tem uma expectativa e o mestre outra.

Após conversar, as expectativas podem ser alinhadas, mas a menos que se faça um grande esforço para manter o alinhamento, as coisas tendem a desvirtuar-se, a princípio aos poucos, e ao longo do tempo, completamente, da proposta inicial, simplesmente porque, ou os jogadores ou o mestre acabam alterando a proposta e em alguns casos este é um dos motivos de boicote dos jogadores para algumas aventuras.

... mas o mestre queria que fosse matar dragões.
… mas o mestre queria que fosse matar dragões.

O mestre, por normalmente segurar as rédeas do jogo, termina sendo aquele cara com mais poder para ajustar tudo a sua vontade e logo, uma aventura somente com magos, que tinha a intenção de ser uma aventura de investigação e conspiração, termina por transformar-se em uma aventura de combates mágicos, e aqueles jogadores que escolherem magias totalmente voltadas para ajudá-los a conseguir informações, se veem em uma corrida desesperada para aprender bola de fogo e similares.

D&D 4E como um jogo para uma única expectativa

Gosto de pensar que não sou o único que fica frustrado com esta perspectiva e nem o único que não gostou, até certo ponto, do que o D&D 4E fez ao tornar TODAS as classes combativas. Elas podem ter papeis diferenciados, mas no fim das contas são todas combativas e habilidades que antes eram usadas fora dos combates, foram defenestradas do sistema para alinhar o sistema a uma única proposta.

Contudo, entendam, não considero isso um demérito da 4ª edição, longe disso, ela conseguiu captar o desejo de muitos mestres e jogadores em ter algo mais funcional em combate, não permitindo que nenhuma classe se tornasse inútil quando as coisas ficassem feias e o combate fosse inevitável, mas como dizem, nerfou todas as outras possibilidades.

Quando eu comecei a ler as aventuras para um jogador lançadas para AD&D 2nd Edition, que falei no artigo Série: Desafios de Classes, fica claro e evidente que as classes quando juntas servem para dar suporte umas as outras, mas separadas prestam-se a tipos de aventuras com ênfases completamente diferentes. Enquanto um guerreiro participará de aventuras onde a força física tem mais ênfase, magos se prestarão a aventuras que envolvem mais pesquisas, mais resoluções de desafios intelectuais, ladinos se valerão de sua astúcia e furtividade, etc.

Alinhe e calibre as expectativas periodicamente

Tanto quanto a sessão de jogo, eu me amarro no pós-sessão, onde recebo o feedback dos jogadores em relação ao jogo e quando estou como jogador, também espero que o mestre seja aberto a essas discussões, que servem para calibrar as expectativas e reduzir as chances de que jogadores ou mestres se frustrem com a experiência.

Só conversar para alinhar as expectativas do jogo não são suficientes, é necessário conversar sempre, principalmente nos intervalos das sessões, para manter as expectativas alinhadas, proporcionando diversão a todos.

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Visualizar Comentários (6)
  1. Também temos que pensar nas expectativas de cada jogador, quando elas são diferentes a pouco de minar o jogo. Por isso parei de mestrar todas as minhas campanhas de fantasia, tinha expectativas conflitantes entre eles e eles não conversavam a respeito, e haja eu apagar incêndios, ouvir reclamações e pedir pra conversarem entre si, sem sucesso (ou rolavam as conversas mas logo depois todos esqueciam). =/

  2. Muitas vezes, uma sessão de RPG é um desafio de coordenação entre pessoas diferentes no qual conta muito a comunicação e transparência que existir entre elas, mas também o sistema com que estão a jogar, uma liderança que as possa ajudar e o grau de confiança que teem em si próprias e nos outros.http://jogadorsonhador.podbean.com/2012/07/18/60-confianca-e-expetativas/Fica aqui o link para o episódio que gravei no ano passado sobre este assunto 🙂

  3. franciolli

    Obrigado ao Jogador-Sonhador e Dan pelos comentários.Sem dúvida, o número de fatores que nos levam a ter que apagar incêndios é muito grande, mas com muita dedicação, acho que se pode chegar a um denominador comum, ainda que, em casos extremos, seja a dissolução do grupo.

  4. delibriand

    Eu li em algum lugar que negociar um jogo/estilo de jogar com seus jogadores é bem parecido com decidir em que restaurante vocês vão comer. Você até aceita ir em um que não é tanto ao seu gosto, desde que na próxima vez vocês possam ir a um que você gosta mais. Mas no RPG, o que geralmente acontece é que uma pessoa decide unilateralmente que todos do grupo irão comer no mesmo restaurante pelos próximos 2 anos. Aí é lógico que diferenças de gostos vão ficar muito mais a mostra.Uma das maiores mentiras que os RPGs tentam nos fazer acreditar é que o jogo pode agradar a todo mundo e se adaptar a cada jogador. É basicamente o grupo inteiro que gosta de pizza indo a uma pizzaria, mas tem um que não come glúten e tem intolerância a lactose e você tem que se virar para fazer alguma coisa para ele na pizzaria, quando o melhor seria se ele fosse direto a um restaurante vegetariano.

  5. franciolli

    Seria também como todo mundo gostando de pizza calabresa, mas alguns simplesmente não gostam da cebola. Ou gostarem de portuguesa, mas alguns preferem sem ovo.

  6. Leishmaniose Donovani

    Olá,Acredito que é um problema comum até demais em grupos, quando um pouco de honestidade seria o suficiente. Os membros do grupo precisam ter a maturidade de serem honestos em relação ao tipo de jogos que gostam de jogar e/ou mestrar – e entender que dizer “não, não quero jogar esse” não é sinônimo de “você mestra ruim”, “não quero ser seu amigo mais” ou “te odeio”.Uma solução encontrada pelo meu grupo foi o de conduzir várias aventuras ao mesmo tempo (a média é de 4 campanhas, cada uma de 15 e 15 dias revezando sábados e domingos – atualmente estamos com uma de Reinos de Ferro, uma do Aegis Project, uma de 3D&T e uma de Marvel Super Heroes, quatro estilos e maneiras bem diferentes de jogos), permitindo que o grupo permaneça saudável para o mestre (4 a 5 jogadores), joga-se o estilo que deseja e o mestre pode mestrar o seu estilo sabendo que quem vai não está ali “só pela amizade”, mas porque curte a parada. Apenas um membro do grupo participa de todos os jogos e a gente costuma zoá-lo dizendo que ele é o Wolverine – por estar em vários grupos ao mesmo tempo, como X-Men, X-Force, Vingadores, etc..Sei que nem todo mundo tem a sorte de ter um grupo constituído 80% de mestres, como é o meu caso, mas talvez seja uma boa idéia dar uma olhada no mundo fora da torre de marfim e ver uma possível integração com outros grupos. Costuma funcionar, pelo menos com o meu (cada mestre tinha seu próprio grupo, aí a gente foi se conhecendo e amigando e compartilhando jogos, até sermos hoje um único grupo).Bonanças.Atenciosamente,Leishmaniose

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