Os clérigos foram criados originalmente como um personagem intermediário entre o Homem de Armas e o Usuário de Magia e ao longo das diversas edições de D&D e diversos outros RPGs baseados em classes, nos quais o Clérigo aparece, a proposta parece ser exatamente a mesma.
O Clérigo é um personagem capaz de conjurar magias, como um mago, e capaz de lutar, embora não tão bem quanto, como um guerreiro. O interessante é que os homens da fé, são interpretados, ou pelo menos sempre o foram em minhas mesas, como guerreiros sagrados que nunca fizeram nada para promover a fé em sua divindade, a não ser lutando para destruir ameaças ao grupo com o qual ele se afiliava.
As raízes eclesiásticas de um clérigo, via de regra, restringem-se ao seu histórico.
Uma coisa que já percebi é que enquanto eu estiver brincando de game designer com um amigo, vou ter alguns artigos para escrever. O primeiro deles, Adorável Sistema Novo, tratou da minha insatisfação em relação aos sistemas de RPG e ao desejo de desenvolver alguma coisa nova e neste artigo, um questionamento levantado pelo amigo Leandro Nantes, com quem estou brincando de game designer, é claro, não tentando reinventar a roda, mas apropriando-se do que já existe para formar, quem sabe, um dócil Frankenstein.
Sobre os clérigos
Uma das preocupações do Leandro foi com os clérigos, com certa razão, pois não conhecíamos mecânicas que estivessem atreladas a vida do personagem como clérigo.
Quer dizer que um personagem clérigo, pode passar toda a sua vida na companhia de um grupo de aventureiros, não fazendo absolutamente nada em prol de sua divindade/igreja e ele ainda manterá os seus poderes?
Qualquer coisa diferente disso é mera decisão do mestre e precisamos procurar algum sistema que tivesse uma mecânica que pudéssemos utilizar e/ou pelo menos nos guiar rumo ao que realmente queremos para uma classe de clérigo em nosso sistema e que tal começar pelo The Complete Priest’s Handbook?
Os clérigos podem adorar um deus, uma força ou uma filosofia, cada uma delas possuindo Etos e Requerimentos, características que ditarão os códigos de conduta, crenças e mesmo as requerimentos dos seus seguidores e sacerdotes, o que poderia incluir alguns valores mínimos de habilidades.
Via de regra, se uma divindade fosse bondosa e o personagem o adorasse, transgredir seu alinhamento seria uma excelente forma de fazê-lo perder os favores da divindade e com isso seus poderes. Algumas restrições poderiam se aplicar aos clérigos, como incapacidade de utilizar certos tipos de armaduras (compensado por certas magias); celibato (não casar); castidade (não ter relações sexuais) – e venhamos e convenhamos, estas últimas duas restrições seriam bem difíceis de não conseguir interpretar – vestuário (vestir-se somente de formas apropriadas); contaminação (não contaminar-se com certos itens ou substâncias considerados impuros pela religião); mutilação (algumas divindades poderiam demandar que o clérigo cometesse algum tipo de mutilação); todos eles, na minha opinião bem simples de ser interpretados e que não demandam nenhuma mecânica especial.
E como queremos os nossos clérigos?
Clérigos, supõe-se, devem ser homens santos postos a prova a cada passo, com pouquíssimo descanso espiritual. A cada aventura ele deve ser testado e tentado. Sua fé precisa ser posta a prova. Ele precisa sobrepujar as tentações, manter sua fé e através de ações converter mais e mais fiéis para a sua igreja, nos intervalos de sua difícil jornada destruindo o mal que ameaça os fiéis adoradores de sua divindade, ou como ele manteria as suas magias?
Traduzindo o Lex Imperia, na seção Pontos de Melhoria e Deveres dos Devotos, deparei-me com uma mecânica interessante, que pode ser um excelente ponto de partida para o nosso clérigo:
Cada culto tem um conjunto de Deveres dos Devotos que representam os objetivos do culto no mundo.
Sempre que um personagem realizar uma ação que atenda a um dos Deveres dos Devotos, ele ganha um ponto de melhoria por um ato menor e até três pontos por um ato maior.
Quando o personagem realiza uma ação que vai de encontro aos Deveres, ele perde entre um e três pontos de melhoria, dependendo da gravidade de sua transgressão. Se eles não possuem pontos de melhoria disponíveis, eles começam a perder magias aprendidas no culto como penitência, na base de um para um. O jogador pode escolher quais magias perderá, mas elas devem fazer parte das magias que ele aprendeu no culto e as Magias Divinas são perdidas antes das Magias de Combate.
Achei a ideia muito interessante devido os seguintes fatores:
- Existe um conjunto de Etos e Requerimentos que são parte integrante no jogo, fazendo com que a religião realmente pareça viva;
- Mesmo que o personagem saia com um grupo de aventureiros, ele ainda terá deveres com o culto, que devem ser respeitados, caso contrário, perderá experiência ou magias como sinal de penitência.
Em D&D, retroclones e similares, o personagem poderia perder uma quantidade de experiência fixa, digamos 1000 pontos de experiência. Caso esta perda o fizesse perder um nível, ele perderia acesso ao maior círculo de magia. Caso perdesse três círculos de magia, devido a suas transgressões, eles seria irremediavelmente destituído de todos os seus poderes clericais, não podendo ser aceito na mesma fé.
Não sei, mas talvez este seja um bom ponto de partida. E vocês? O que acham deste elemento em particular em suas aventuras? Que sugestões nos dariam? Como melhorar a base de fé do clérigo?
Abraços e aguardo seus comentários.
Na época que jogava RPGs de aventura com classes, eu curtia muito as que davam suporte para os demais jugadores, seja curando, dando bônus, etc. O clérigo era perfeito pra isso. Porém sempre ficava um vazio de propósito quando a aventura não casava com os interesses da religião que ele pertencia.Agora quero ver o resultado final dessa brincadeira. Quero me apaixonar novamente 🙂 CONTINUEM!
Olá Franciolli.Eu não acho que punição seja o caminho. Mesmo porque um sistema punitivo desse aplicado somente ao clérigo do grupo é desleal com o jogador, pois as outras classes não tem a obrigação religiosa que o mesmo. Acredito que uma conversa bem amarrada entre o mestre e o jogador traz mais frutos para ambos do que um simples sistema de punição. Eu entendo que Paladino e Druida poderiam se encaixar nesse sistema, pois ambos são devotos de alguma coisa, mas estou me concentrando somente no clericato como o texto expõem.Eu jogo de Clérigo numa campanha de Pathfinder e vários da minha mesa, quando eu mestrava, jogavam de clérigo e sempre conversávamos sobre as inclinações religiosas que isso teria para a interpretação do personagem. De longe a conversa no grupo e pessoalmente conseguiam resolver todos os “problemas” que a conduta errada ou falta dela era exercida na pessoa do clérigo.Eu não consigo ver como isso, esse sistema de punição, poderia tornar o jogo mais divertido para o mestre e para o jogador.
Pode deixar Rick. Tudo indica que o negócio vai render.
Saudações Jeferson.A ideia não é criar uma sistema punitivo, e sim, um sistema que seja justo com a proposta da classe.Conversar é uma boa maneira, mas não é uma mecânica e o que queremos é uma mecânica que seja clara e não dê margens a interpretações erradas, como a proposta pelo Lex Imperia.O Clérigo é a primeira classe que estamos trabalhando, mas outras modificações podem surgir em outras classes, lembrando que a ideia principal não é punir, e sim ajudar a focar no tema do personagem.
Acho pesado o clérigo não poder voltar para a sua fé (a menos que ele tenha negado e contribuido claramente contra a sua religião). Que tal usar apenas um sistema de bônus para aqueles que se dedicam. Fica bem mais atraente sem as penalidades. Nem todo clérigo exerce 24h os seus dogmas (as vezes ele tem uma crise de fé e se dedica menos – o deus vai desprezar os seus feitos anteriores? Talvez se o alinhamento do deus for desleal).Quatro idéias que vi em Exalted sobre clérigos que acho interessante:1) Eles tem o respeito dos deuses, por serem homens dedicados (reflete em bônus de interação social com criaturas divinas).2) Algumas funções/profissões, no mundo todo, são exclusivas deles: Heremita, Hierofante, Medicante, Monge e Xamã (eles recebem bônus em interações sociais com humanos, especialmente com membros da sua fé, e ganham vários antecedentes por serem juizes). Isso demonstra o impacto que a religião tem nas sociedades.3) Práticas dogmáticas geram bônus enquanto são executadas. Sendo proporcionais a gravidade do “Tabu”. O “Tabu” gera bônus nas resistências de qualquer praticante. Cabe aos sacerdotes mostrar quais são os tabus e suas vantagens. Outros personagens ficam motivados a seguir a fé.4) Podem receber milagres temporários cada vez que fizerem sacrifícios ao deus (aumento de atributos, magia extra, item especial, etc.). Existe um teste para isso no sistema, quanto mais pessoas e recursos envolvidos maiores as chances de sucesso. Sacerdote tem a dificuldade reduzida nesse teste (o teste é muito difícil até pra eles).
Quando o clérigo não trabalha para a sua fé e ainda age contra os dogmas, muitas vezes merece a expulsão, afinal, não defende-se (com toda razão) a expulsão de padres pedófilos?Particularmente não vejo muito motivo de ser, de um sistema que somente dá bônus para quem age direito e não penaliza quem não age de acordo, é ter dois pesos e duas medidas. Interessante as opções de Exalted.
Franciolli,A ideia ainda é fazer um sistema com classes? Sempre imaginei que o arquétipo de devoto/sacerdote pudesse se sobrepor a uma ocupação mundana do personagem.Não sei o quanto você gostaria de se afastar do D&D, mas levando em conta o artigo anterior pensei que você iria para uma outra vertente.Em todo caso, ótimo texto e discussão. Realmente os jogos
Meu comentário saiu incompleto, sorry.Em todo caso, ótimo texto e discussão. Realmente é comum que nos jogos o papel do Clérigo seja apenas de um curandeiro e sua religião não faça parte do jogo.Uma coisa que me incomoda é que as religiões são sempre uma paródia do Catolicismo…
Saudações Fagner.A princípio precisamos de uma basa, e como base estamos usando D&D e Tagmar, bebendo de diversas fontes.Não sei ainda se iremos evoluir para algo como realmente desejamos, que é um sistema sem classes, mas com fortes inclinações de arquétipos. Como estávamos jogando uma campanha de D&D 4E, mudando para Tagmar e com vistas a desenvolver algo próprio, acho que ficamos com o ponto de partida para o desenvolvimento futuro, mas vamos ver onde isso leva.
Grande Franciolli,Discussão interessante, gostaria de dar minha contribuição, alguns pontos que sempre critiquei no jogo, desde a época de AD&D. Veja, em minha humilde opinião, acho difícil criar um CONCEITO verossímil a qualquer cenário, por que clérigo, ao contrário de guerreiro, não se resumo a musculos, armas e habilidades, mas a crença, e esta é tão variável e rica, quanto as possibilidades de cenários possíveis, gostaria de dar exemplos:1- Se vc pensar neles, inspirados nas ordens sagradas de cavalaria medieval, como os templários e/ou hospitalários , creio que o de DeD se encaixou bem, mas veja como tudo depende da crença e teologia do cenário, vc disse q não é justo q certo sacerdote aja contra sua fé e continue com seus poderes, eu até concordo, MAS tudo depende… Num cenário de DEUS: único, onipotente, onipresente e onisciente, lhe lembra algo? A Igreja baseada na teologia da soberania divina crê q uma vez eleito, sempre eleito, por que senão Deus erraria (impossível, ele é onisciente) e o homem não pode escolher negar a graça divina (impossivel, ele é onipotente, logo sua graça é irresistível). Deu pra sentir o drama? Logo uma vez clerigo, sempre clerigo, por mais q a Igreja (humana) o expulse, ele continua sacerdote/eleito perante seu DEUS, com seus dons espirituais intactos, em nosso mundo existe variantes desta posição, na Biblia o Rei Saul, mesmo depois de ir contra vontade de Deus e se corrompido, não deixou de ser UNGIDO DO SENHOR, i.e rei era mistura de juiz, general e sacerdote neste período, no calvinismo temos bem elaborada a doutrina da eleição, na Igreja Católica idem…Agora, imagine o q lhe disse não como uma limitação ao seu projeto, mas uma digressão que pode ajudar a aprofundá-lo, devido as consequencias para a história/cenário: A Igreja teria uma inquisição para punir e até executar seus sacerdotes desviados, os homens comuns poderiam temer levantar a mão contra o ungido de DEUS, mesmo q maligno(os herois são mais do que nunca necessários), os heróis podem ate ser amaldiçoados por DEUS por terem levantado a mão contra o ungido “evil” e terão q se sujeitarem as expiações da Igreja para se purificar … Neste contexto, o sacerdote poderia até continuar recebendo seus poderes, todavia a divindade seria mais atuante no mundo e poderia mandar sinais, repreensões, maldições para admoestar seu ungido, se mesmo assim ele se voltar o mal, desviar do ETOS, não tem problema, deve fazer parte dos desígnios insondáveis da divindade.Tudo: o bem e o mal está nas mãos dela. Até um desviado tem função nos planos de DEUS: seja como instrumento da ira divina, lembra de gengis khan que dizia q se seus inimigos não tivessem pecado, Deus não tinha mandado um flagelo como ele? ou Provação dos eleitos que ao o vencerem ou lhe sobreviverem saem mais purificados (olha XP).Bem, não da pra pensar nesta classe sem pensar em qual o conceito de DEUS e como é a sua relação com seus fiéis no cenário, isso tem q ser definido de antemão, minha crítica ao ADeD, DeD etc é que ao gerar a classe daquele geito, como aquela mecânica, em todos os cenários, sem excessões significativas, congelou os cenários no processo, um eterno “mais do mesmo”. Desculpe por ser tão longo, não é todo dia q nos fazem questões tão instigantes, abraço.
Você me fez mudar de idéia. Concordo com você. Mas se NÃO estivermos falando de deuses de alinhamento bom e mau?Tipo deuses neutros… ai a história muda. Lembra de Crom? (deus dos cimérios). Ele não cobrava nada e oferecia NADA mas tinha sacerdotes que ensinavam a adorar uma pedra pois ninguém sabia como ele era. Mesmo assim ajudou Conan mandando o fantasma de Belit. Em exalted, existem vários deuses que não tem dogmas, pois são baseados no animismo. Eles tem domínios (vulcão, cidade, floresta, criatividade, vôo, assassinato) e suas motivações são manter seus domínios. Nesse caso os deuses são engrenagens do mundo, você suborna-os para te favorecerem. Orações e sacrifícios chegam até eles como uma música que se transforma em quintessência (líquido prateado que eles usam pra criarem qualquer objeto não-mágico, apenas com a vontade). Mas não são obrigados a responderem (pra isso serve o teste que mencionei antes). O sacerdote se torna um mercador de favores (e é respeitado por “entender” o mundo).Logo, ainda acho possível existirem deuses que só forneçam bônus.
Recomendo uma leitura no GURPS Conan, sessão religiões. Pra ser sacerdote naquele mundo é necessário sangue frio e muita coragem.Ou talvez Exalted onde os deuses são divididos em especies podendo ou não ter igrejas. As igrejas não tem formato definido podendo ser organizadas como uma empresa (deus das estradas), corpo de burocratas (deus das cidades) ou células terroristas (deus dos assassinatos). Até mesmo essas igrejas se organizam de forma diferente em lugres diferentes ou nem tem igreja pra eles.Nos dois cenários os deuses são alienígenas.
Conan é foda mesmo!O conceito de deuses aliens estou familiarizado por causa do Lovecraft.Mas em cenários de fantasia medieval vi pouca coisa fugindo disso.Nas meses que joguei os deuses normalmente nem eram citados (como viemos de GURPS nunca ficamos presos aos arquétipos do D&D, meu espadachim tinha magia de cura e soltava bola de fogo).
Salve Francioli,Entendi. Acho que arquétipos/ocupações é sempre um bom caminho pra se começar. Estou esboçando um jogo de fantasia medieval também e em vez de usar como arquétipos as classes do D&D, estou partindo dos arquétipos de Heróis (Herói Pleno, Herói Relutante, Herói Trágico e Anti-herói).Quando tiver algo formatado compartilho com você.
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