Nesta semana recebi a cópia em hardcove do Durance (valeu Koenma!). O novo story-game do Jason Morningstar (Fiasco, Grey Ranks, Shab-al-Hiri Roach) em que um grupo de 3 a 5 amigos criam uma história de colonos tentando sobrepujar seus semelhantes em um planeta hostil. O jogo na verdade é uma reestilização de ficção científica da colonização da Austrália. Será que em apenas 130 páginas Jason Morningstar conseguirá superar sua magnus opus, o Fiasco? Com apenas dois dias de leitura, eu acredito que ele conseguiu. Eis o resumo do jogo, retirado do site da Bully Pulpit Games:
Em um planeta remoto longe da civilização, a pior escória criminosa de uma dúzida de sistema solares foi despejada, deixados responsáveis para construir novas vidas sob o olhar atento da Autoridade. Com uma hierarquia brutal de selvageria e servilismo, presos e guardas terão que fazer escolhas difíceis. Cada colono tem seu próprio código de conduta e suas próprias aspirações – aspirações que invariavelmente virão às custas de outros. Este mundo novo e perigoso é pequeno demais para todos serem bem sucedidos. Na verdade, ele pode ser pequeno demais para qualquer um ter sucesso. Apenas os mais astutos, os mais durões e os mais sortudos terão a chance de descobrir. Você vai estar entre eles?
A Preparação do Jogo
Durance foi feito para ser jogado em aproximadamente 4 horas, e funciona com 3 a 5 pessoas, sendo quatro jogadores o ideal. Neste tempo, você e seus amigos irão contar a história de prisioneiros e guardas vivendo nesta colônia em um planeta hostil, fazendo as coisas erradas pelos motivos certos. Basicamente, o tipo de coisa que criam boas histórias.
Na primeira parte do jogo é feita a preparação. Inicialmente são definidas as características do planeta. O Levantamento Planetário feito definiu que a Atmosfera é excelente, o Clima é ameno, a Geologia é estável, a Hidrologia é favorável, a Biologia é benigna e a Vida Inteligente é ausente, mas é claro que não foi bem assim. Seja por incompetência, fraude ou descaso, algo deu errado. Cada jogador irá escolher um item do levantamento planetário para ser verdadeiro, e um item para ser falso.
Além de definir o planeta, o grupo também deve definir como será a colônia. Com um processo bem semelhante, existe o Registro Colonial com as seguintes itens para serem escolhidos para os jogadores: o Planejamento é meticuloso, a Densidade é baixa, a Força de Trabalho está motivada, a Prosperidade é elevada, a Ordem é bem estabelecida, a Justiça é universal. Continuando em ordem pelos jogadores, cada um irá escolher um para ser verdadeiro e um para ser falso.
A terceira parte da preparação é escolher o Ímpeto (Drive) da sociedade. Ela é utilizada no sistema de resolução do Durance, mas também ajuda a definir o clima do jogo. A lista inicial tem Controle, Harmonia, Status, Indulgencia, Segurança e Liberdade. A lista passa para cada jogador e cada um risca um da lista, até que sobre um. O que sobrou se junta as dois outros ímpetos obrigatórios do jogo: Subserviência (servility) e Selvageria (salvagery).
Depois de responder tudo isso, o grupo terá dois códigos referente aos itens que eles escolheram como falhos. Por exemplo, ADE/UWY. Com esta informação, o livro irá dizer como é o planeta e a colônia, incluindo a colônia. A maior parte do livro é gasto com estas descrições de plantes e colônias, análogos aos playsets de Fiasco, mas não ache que isso diminui a rejogabilidade. Jason conseguiu escrever o suficiente para focar o jogo dando forte inspirações, mas da forma com que cada grupo de pessoas irá interpretar de um jeito diferente.
Com o planeta, colônia e ímpeto definido, é hora de criar os personagens. Ou melhor, os ilustres (notables), como o livro chama. Jason propositalmente evita chamar de personagem jogador, por motivos que vão ficar bem claro mais para frente. Cada jogador irá criar dois ilustres, um por vez, e irá colocá-los na hierarquia de autoridade ou de condenado. A hierarquia tem 5 níveis dos dois lados, que vai desde governador/chefe de quadrilha, até mendigos e ex-prisioneiros. Cada jogador no início do jogo precisa ter um condenado e uma autoridade.
Depois que cada um tiver criado seus dois ilustres, é necessário criar os Juramentos. Cada ilustre precisa ter escrito algo que ele jurou que nunca iria fazer, de maneira nenhuma. Os jogadores podem consultar no livro uma lista de juramentos de exemplo ou criar seus próprios, e colocar em qualquer ilustre, não apenas nos seus. Escritos os juramentos, os jogadores tem uma chance de conversar sobre os ilustres, o planeta e a colônia antes do jogo começar. Depois disso, é hora do jogo!
Cenas, Interpretação e Incerteza
Começando com o host, que é quem leu o livro e quem está ensinando as regras para os outros jogadores, ele terá o papel do guia. Este papel é rotativo e irá para o próximo jogador em sentido horário. O papel do guia é simples no papel, mas desafiador e interessante: ele deve fazer uma pergunta sobre os ilustres e o cenário para os outros jogadores criarem uma cena e responderem, levando em conta os juramentos e relacionamentos existentes. Lembrou um pouco o papel de um GM tradicional, não é mesmo? O interessante é que o guia não pode participar com seus próprios notáveis, nem interferir na cena depois que ele fizer a pergunta. “Eu estava pensando, será que o governador vai ter os culhões para colocar o chefe da quadrilha em julgamento, mesmo depois de jurar que não iria traí-lo?”. BAM.
Depois que o guia tiver feito a pergunta, é papel dos jogadores criar a cena (fazer o scene framing, em jargão de teoria) e chegar ao resultado dela, de preferência utilizando os ímpetos que estão em jogo nesta sessão. Normalmente tudo é resolvido pelos jogadores por roleplay, mas se houver alguma incerteza em jogo, entra em cena o sistema de resolução do sistema.
Sob a mesa do jogo fica o Triângulo da Incerteza, que terá três dados de cores diferentes, conforme a ilustração acima. Quando os jogadores quiserem usá-la, eles irão escolher dois dados para re-rolar, e irão colocá-los novamente nos lugares. O impulso que tiver um dado maior do que o próximo dado na direção da seta pode ser usado para resolver a situação. Se tiver um empate, será usado o impulso dominante decidido pelos jogadores, além de um evento aleatório definido por uma tabela no final do livro (pense na tabela de virada do Fiasco).
E uma parte interessante: se um ilustre quebrar um juramento, o jogador que está controlando este ilustre tem algumas opções. Algum ilustre (não necessariamente ele) pode mudar de posição na hierarquia; um item do levantamento planetário ou do registro colonial muda, para melhor ou para pior; ou o ímpeto para o jogo muda; de qualquer forma o ilustre que quebrou o juramento deixa de ser um ilustre. Ele ainda pode permanecer como um personagem, mas não se pode mais fazer perguntas sobre ele. Agora se um ilustre morrer – e eles podem e vão morrer, não tenha dúvida disso – você pode criar outro ilustre em uma posição vazia ou, se não houver posição vazia, em alguma posição que você ainda não teve notáveis.
O jogo termina quando todos os notáveis tiverem quebrado seus juramentos.
Considerações
Este jogo me impressionou. Vou confessar que inicialmente foi o tema que me chamou atenção (“Colônias espaciais de prisioneiros em planetas hostis? Parece ótimo!”) mas o jogo oferece muito mais do que simplesmente um background interessante e um tema bonitinho. Se um story-game (ou RPG) é um kit de ferramentas para construção de histórias, o Durance possui algumas ferramentas mais bem feitas que já tive o prazer de encontrar.
Jason tem a experiência de ter feito vários RPGs premiados e bem conceituados, e ele soube aproveitar isso nesse jogo. Assim como o Grey Ranks, ele aproveitou conceitos histórios, mas ao contrário dele, colocou uma roupagem de sci-fi para facilitar a digestão por boa parte dos gamers (como eu). E como se não bastasse, pequenos detalhes como o juramento dos personagens, o guia que faz as perguntas para os outros jogadores, facilitam enormemente o jogo em comparação com o Fiasco.
E por fim, a escrita do J. Morningstar está primorosa como sempre, e a qualidade do livro está suprema. Fãs de story-games, temos uma nova obra-prima!
Eu sempre pensei nos sistemas de RPG como uma ferramenta. Agora essa visão ficou mais clara ainda.Alô Retropunk, queremos DuranceBR!!! o/
ótima resenha parece ser um grande jogo, o que mais me chamou a atenção foi a parada das perguntas como forma de construção de cenas.
Álvaro, isso também me chamou muita atenção. Principalmente pq as perguntas são em essência bangs. 🙂
Fiquei muito interessado na proposta do Durance, pois seus mecanismos de jogo me parecem muito mais amplos e fáceis de assimilar que o Fiasco (que, por si só,já é muito bom).Preciso obter esse material logo.