Este artigo foi publicado originalmente no Paragons pelo irmão Gabriel Anaya e faço uma cópia integral do artigo aqui no ForjaRPG. Conheçam este fantástico RPG para duas pessoas e vejam como transcorre uma partida dele.

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S/Lay w/Me é um jogo “cara a cara” para duas pessoas, um jogo no qual se cria uma ficção de fantasia pulp envolvendo o herói, o monstro e a amante. Seu desenvolvimento é resultante de um desafio criativo enfrentado por Ron Edwards ao ser convidado para escrever um artigo para a revista Fight On!, tanto o artigo quanto o jogo nasceram juntos. O jogo tem forte influência do suplemento Carcosa (para as primeiras edições de D&D), GHOST/ECHO (um fantástico) e do clima produzido por artistas como Frank Frazetta e Stephen Fabian em suas ilustrações.

O nome “S/lay w/Me” (uma sugestão misto de slay “assassinar” com stay “ficar” comigo) me parece uma síntese de dois aspectos importantes da narrativa que pode ser construída. “O monstro vai matar você” e, “A amante está desejosa” essas são as duas frases que estão na capa do livro. Esse “phantasmagoric roleplaying”, como está descrito na contra capa do livro, é direto e visceral. Aprecio essa dose de testosterona em jogo.

Dinâmica

De maneira geral o jogo se desenrola da seguinte maneira: um dos jogadores é responsável por narrar as ações do monstro e da amante. O monstro quer matar o herói e o pode tentar realizar isso de diversas maneiras, conforme o tipo de abordagem e maneira de ser que o jogador escolhe – como lento ou rápido, por exemplo. Na composição da amante, seu respectivo jogador escolhe de que maneira ela deseja o herói: de maneira manipulativa ou de coração aberto entre outras opções. A amante quer fazer com que o herói fique com ela, essa é uma das situações que define o fim da carreira do herói, tanto quanto sua morte. O outro jogador narra as ações do herói, definindo o mesmo também a partir de uma lista com conceitos bastante inspiradores. O responsável pelo herói também deve escolher seu objetivo e o local no qual acontecerá o encontro entre o herói, a amante, e o monstro, há a possibilidade que monstro e amante sejam o mesmo ser – brrrrrr…

Todas as opções apresentadas são bastante evocativas e fazem entrar no clima correto para iniciar a aventura. As frases curtas conquistam um sentido oracular que também é bastante explorado em jogos como “In a Wicked Age” e GHOST ECHO.

A narrativa se dá em “idas”, nas quais os jogadores buscam um ritmo e um entrosamento para descrever as ações. Cada “ida” (sentença narrativa), dependendo da sua natureza, pode permitir uma rolagem de dado que contará pontos para o resultado final ou não. O jogador responsável pelo monstro e pela amante descreve como o ambiente e pessoas no cenário respondem às ações do herói ditadas pelo segundo jogador. A narrativa, dependendo da fluência dos jogadores, pode ser bem solta, com cada um contribuindo no espaço de autoridade narrativa do outro. O livro dá excelentes dicas para a melhor fluência das sequências narrativas intercaladas.

Eu e Erik, que não jogávamos juntos há pelo menos 10 anos, tivemos a oportunidade de fazer um jogo rápido, com aproximadamente uma hora e vinte minutos: meia hora para repassar as regras, mais aproximadamente uns quarenta minutos para fazer as escolhas narrativas básicas (definir monstro, amante, cenário, herói e objetivo) e jogar o jogo do início ao fim. Acredito que uma partida mediana entre jogadores com fluência em S/Lay w/Me dure em torno de meia hora.

Aí vai um resumo da ficção resultante, e a maneira com a qual lidamos com a mecânica do jogo.

Erik definiu seu herói da seguinte maneira:

Eu sou um fora da lei perseguido, calejado e amargo, mas eu ainda tenho esperanças [Erik declarou ter se inspirado em Aragorn]

Eu estou na Corte de Cristal, na qual a Rainha permanece desconhecida.

Meu objetivo é encontrar a coroa que vai me legitimar como herdeiro do trono.

Eu defini o monstro e a amante:

O monstro mata você: sorrateiramente, lentamente, selvagem, em grupo.

A amante deseja você: inocentemente, proibida, coração aberto, indefesa.

Vou buscar dividir esse texto nas minhas “idas” [G] e nas “idas” de Erik [E].

O herdeiro e a prometida para o rei dos vermes.

[G] Chegada nas cavernas da Corte de Cristal, pessoas pálidas olhando através de janelas cristalinas, galeria que parece um céu estrelado. Por outro lado homens pálidos estão em cavernas superiores observando o avanço do herói. O mesmo vê uma mulher bastante pálida presa a duas colunas de cristal com um emaranhado [E] do que parece ser um misto de raízes orgânicas, pulsantes como carne. [G] A mesma parece desacordada. O chão da galeria está alagado e é frio, escuro e pantanoso.

[E] O herói se aproxima para libertar a donzela que acredita ter sido colocada como sacrifício, [G] o mesmo é barrado pelos homens igualmente pálidos que começam a cercá-lo, de maneira habilidosa o herói consegue livrar-se dos mesmos ao passo que vê a superfície pantanosa borbulhar e da mesma saírem vermes de variados tamanhos que encobrem o corpo da donzela.

[E] O herói ameaça degolar um dos guardiões do sacrifico, exigindo respostas para o que está acontecendo, interrogando-o sobre o destino da coroa. [G] O herói é frustrado, pois o interrogado, pouco antes de responder, começa a vomitar vermes na medida em que seu corpo começa a se desfazer como um saco sendo esvaziado. Nesse momento o herói percebe que todos os guardiões que estavam no local são na verdade cadáveres animados por milhares de pequenas monstruosidades. A jovem, objeto do sacrifício, é misteriosamente solta pela grotesca estrutura orgânica que a sustentava e cai nas águas negras.

Partimos então para o início do confronto: é o momento mais dramático do encontro e é definido através da mecânica que guia a resolução da estória. Agora, juntamente com a intercalação da narrativa, dados são rolados. Erik rola dados para determinados movimentos importantes para o herói – tanto em relação à amante, quanto em relação ao seu objetivo. Eu rolo dados para determinados movimentos chave do monstro.

Início do confronto

[E] Contra uma maré de vermes que surgem das águas pantanosas e contra os corpos animados o herói abre seu caminho a golpes de espada, procurando sair da região alagada, o mesmo vislumbra um pálido humanóide que está com a coroa que busca. Ao atravessar o salão do sacrifício o herdeiro exilado se dirige para a coroa, em um hábil movimento, consegue segurar a dama pelo pulso e a levar consigo, rumando em direção ao bruxo coroado.

[G] A visão do herói começa a ficar turva devido ao veneno paralisante das criaturas, o mesmo consegue proteger a dama dos ataques mortais. Esse efeito lhe causa fortes alucinações. O salão se revela magnífico e brilhante, povoado por lordes e ninfas da antiga corte de cristal, agora um fosso de podridão e desespero.

Apesar de lutar com todas as suas forças o herói é ludibriado momentaneamente pelas ilusões e cai em um fosso de vermes. Ainda sim, é guiado pela poderosa presença da coroa que busca.

Fim do confronto

Nessa fase ambos os jogadores verificam o resultado dos dados rolados em cada “ida” (GO), os resultados são comparados e o encaminhamento da estória é definido. O herói consegue sobreviver? O quão ferido está? E a amante? E o monstro? Resultado do conflito: o herói vence. Isso permitiu a Erik conquistar seu objetivo e não ser morto pelos vermes. Se perdesse teria que comprar essas vantagens narrativas (não ser morto e conseguir o objetivo) com alguns bônus de rolagem específicos. A amante não está ferida e pareceu ser imune, de alguma maneira, aos ataques dos vermes. Erik decide gastar seus bônus para se recuperar de todos os ferimentos e demais efeitos maléficos causados pelo monstro (vermes), também investe pontos para aprisioná-lo. Seu herói, ao invés de ficar, vai levar a amante consigo. Após a consolidação desses pontos continuamos as “idas” na ficção compartilhada.

[E] Sendo afogado pela massa de vermes o herói luta para sair, a jovem o ajuda, puxando-o do fosso. Algo agarra firmemente o corpo do mesmo puxando-o para baixo. É o bruxo dos vermes puxando o príncipe rejeitado para sua morte lenta, que será uma decomposição em vida. Recuperando momentaneamente os sentidos o herói usa de sua espada curta, e com um golpe preciso decapita o bruxo. Isso faz os vermes recuarem, podendo assim ser puxado do fosso com a ajuda da jovem. Em sua outra mão o herói segura firmemente a coroa perdida. Ao colocá-la uma aura de majestade se expande. O foragido recupera-se misticamente do efeito do pernicioso veneno. [G] A jovem parece ser tocada por tal aura, o que lhe dá ainda mais beleza e lucidez, .diz seu nome em um idioma ancestral esquecido. Ambos rumam para a saída, selando as passagens através de mecanismos que apenas a princesa da Corte de Cristal conhece…

De maneira geral gostei muito da proposta e do estilo de S/Lay w/Me. Ele parece aproveitar tanto a movimentação de alguns desenvolvedores de jogos que buscam mecânicas que suportem bem a narrativa compartilhada, quanto mergulhar no ambiente cru e picaresco da fantasia “velha guarda”, retomado pelo movimento que promove o “ Old School Renaissance” no RPG.

Por: Gabriel Lopes Anaya

Joga RPG desde meados dos anos de 1990, mora em Natal com sua esposa e uma schnauzer chamada Leela. Fez muitos amigos jogando RPG e participa ativamente das atividades do Trampolim da Aventura. Atualmente tem interesse em jogos de ficção científica e fantasia que valorizem a narrativa compartilhada.

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