Saudações, amigos.
Recentemente fui convidado à ministrar uma Oficina de Narração aqui em Macapá/AP. O convite partiu do Daniel Coimbra, um dos sócios da Magic Mountain Geek Store, loja especializada em coisas geeks aqui na cidade.
Nos próximos parágrafos vou falar um pouco mais sobre o que rolou nessa oficina e quais as minhas impressões.
Como o próprio nome da oficina já diz, seu objetivo era dar uma introdução à narrativa de RPG e foi direcionada para pessoas que tinham pouca ou nenhuma experiência narrando aventuras de RPG e como eu não sou nenhum especialista no assunto, a ideia que eu tive era uma roda de conversa com os participantes e partir para a prática.
Participação
Poucas pessoas compareceram, contudo, uma semente foi plantada e tenho certeza que em outras oportunidades, teremos uma maior participação. Afinal, estamos falando aqui de uma cidade que já teve um bom momento de jogos e eventos de RPG e que ficou estagnada por um bom tempo, retornando somente agora e buscando espaço.
A oficina foi dividida em dois momentos, que vocês verão detalhados abaixo.
Momento #1 – Alguns conceitos para brincarmos
Primeiro identifiquei quem eram os participantes. Jovens com alguma experiência jogando RPG, mas sem nenhuma experiência na condução de aventuras.
Depois de saber quem eram os participantes, passamos para as definições. Deixei que eles fossem soltando informações sobre o que eles acham que é o RPG, baseado nas experiências que eles possuem, para formular-mos um conceito e avançarmos com a explicação de alguns termos.
Dessa vez, não me prendi a história do RPG…
Falei sobre os sistemas de regras e superficialmente sobre o sistema GNS (Gamista – Narrativista – Simulacionista) e todos os participantes, a todo momento fazendo intervenções e exemplificando. Depois passamos para os gêneros (contemporâneo, fantasia, histórico, etc.) e novamente a interação foi muito boa, com muitos exemplos e questionamentos sobre os gêneros mistos, extremamente comuns.
Ao falar dos gêneros, aproveitei para falar de alguns jogos que eles desconheciam, como o Leverage Roleplaying Game (Cortex System – Margaret Weis Productions), King Arhur Pedragon (BRP – Nocturnal Media), Tales from the Loop RPG (Modiphius), dentre outros.
Em seguida falei sobre a Sessão Zero, falando sobre o contrato social, decisão sobre o que jogar, criação de personagens, criação de vínculos entre os personagens e os tipos de aventuras.
Nessa última parte passamos um tempo considerável, discutindo as regras implícitas e explícitas, chegando ao ponto de alguns participantes relatarem situações que aconteciam em suas mesas que acabavam gerando tensões entre os jogadores, devido a um jogador específico e o que fazer? Tudo isso tratamentos nessa primeira parte.
Momento #2 – Hora da narração
A segunda parte foi bem divertida. Eu queria fazer algo diferente e ao mesmo tempo proporcionar que todos os participantes tivessem uma experiência de como preparar uma sessão e conduzi-la.
Quatro participantes ficaram para a segunda parte e isso me possibilitou desenvolver uma dinâmica com maior controle.
Parte #1 – Os pilares da primeira aventura
[blogoma_blockquote]Hora de criarmos a nossa primeira aventura. Quais elementos vocês gostariam que essa nossa primeira aventura tivesse? Cada um cita um.[/blogoma_blockquote]
Os participantes listaram os seguintes elementos:
- Tecnologia avançada
- Governo instável
- Distorção da realidade
- Rebelião
Estes eram os elementos que tínhamos à mão e sobre a qual a narrativa se desenvolveria.
[blogoma_blockquote]Esse desenho me lembra algumas possibilidades. Podemos fazer algo como o RPG The Strange, mas elaborem mais a ideia de vocês.[/blogoma_blockquote]
Depois de um desenho inicial, fui utilizando alguns elementos já conhecidos pelos participantes para que eles fossem moldando a ideia até estar com um produto semi-acabado. Ideias gerais com elementos fortes que a partir deles possibilitassem o desenvolvimento de uma narrativa.
Lembrando que a narração deveria ter os seus pontos amarrados, pois tudo a partir da premissa básica, seria feito no improviso.
[blogoma_blockquote]Legal! Acho que já temos um bom esqueleto. Ficou muito parecido com o filme Elysium. Vamos desenvolver.[/blogoma_blockquote]
A proposta final ficou muito parecida com o cenário do filme Elysium, um ponto comum, conhecido por todos e que renderia uma excelente one shot.
Agora, era hora de organizar o que iria acontecer em cada cena.
- Cena 1: Os personagens interceptariam uma mensagem por acidente, na qual eles ficam sabendo que um grupo mercenário está prestes a infiltrar-se no Céu, uma nave gigantesca que orbita o planeta, onde ficam os mais ricos. Com sua tecnologia avançada, doenças não mais existem no Céu;
- Cena 2: Os personagens iriam verificar a veracidade da mensagem.
- Cena 3: Caso ela fosse verdadeira, e dependendo das motivações dos personagens, eles poderiam se infiltrar no grupo de mercenários e ir para o Céu, mas caso fosse uma armadilha, eles seriam presos;
- Cena 4: Caso os personagens se infiltrassem no grupo de mercenários, eles participariam da rebelião no Céu, caso eles tivessem sido presos, tentariam fugir do cativeiro.
Parte #2 – Criando os personagens
[blogoma_blockquote]Agora que temos o cenário, vamos fazer os personagens. Cada um de vocês, em uma folha de papel, vai escrever dois aspectos positivos de seu personagem e dois aspectos negativos. Estes aspectos podem influenciar uma jogada que vocês fizerem.[/blogoma_blockquote]
De acordo com o cenário, os jogadores desenvolveram os conceitos de seus personagens, escrevendo frases curtas que exprimiam deficiências (físicas ou psicológicas) de seus personagens e anseios.
[blogoma_blockquote]O sistema de regras é simples. Jogue 1d6 quando o mestre determinar que a ação requer uma jogada. Se você conseguir 4 ou mais no dado, você é bem sucedido. Se para a ação, um dos seus aspectos positivos se aplicar, você soma 1 ao dado, caso um aspecto negativo se aplique, você subtrai 1 da jogada.[/blogoma_blockquote]
O que importava era que tivéssemos um sistema de regras que se aplicasse a todas as situações, que pudesse em algum momento ser modificada pelas circunstâncias e que fosse bem simples em sua resolução.
A-CID SLAYER
Um hacker com as seguintes características:
+ Deseja roubar tecnologia do Céu;
+ Usa tecnologia para melhorar a vida no Subúrbio ou diminuir a influência do Céu;
– Dificuldade em expor seus objetivos (retraído);
– Conhecido por ter ajudado a melhorar a qualidade da água consumida no Sub.
EDGAR
Um cientista com as seguintes características:
+ Fome pelo conhecimento;
+ Obter fama e riqueza;
– Fraco e adoentado;
– Mentiroso.
VINCENT
Um desempregado com as seguintes características:
+ Faço tudo por uma cura;
+ Motorista de fuga;
– Alucinação;
– Doente terminal.
FELICIA FOSTER
Uma funcionária do governo com as seguintes características:
+ Quer ter uma vida melhor no Céu;
+ Quer fazer a diferença na vida das pessoas;
– Usa uma prótese na perna direita;
– Baixa escolaridade.
Nesse ponto não me preocupei se houve ou não contradições, deixei que as escolhas deles pudessem ser sentidas durante a narração.
Parte #3 – A narração
[blogoma_blockquote]Terminaram os personagens? Ótimo! Agora, passe o personagem que você fez para o jogador a sua esquerda e o jogador que ficou sem ficha começa a narrar![/blogoma_blockquote]
Todos riram!
Os personagens que eles criaram eram deles. Possuíam as características que eles queriam representar e de repente, pela contagem de participantes e personagens, ele nem sequer chegaria a sua mão. A narrativa terminaria antes que ele pudesse realmente interpretar quem ele criou, enquanto eu seria o único que não narraria, assumindo uma posição mais passiva, observando a narração e interagindo com o personagem que outro participante criou.
Como a aventura foi estruturada em quatro partes, cada participante narraria uma das partes, tendo que desenvolvê-la em segmentos de 25 minutos, totalizando 1h40min de dinâmica, com uma possível margem para mais.
No princípio, o caos
O primeiro a narrar foi o participante que criou a ficha do Vincent. Os momentos iniciais foram marcados pelo caos, com explicações que não ficaram muito claras, mas que, os agora jogadores se esforçavam para ajudar na condução. Um dos jogadores, logo de cara, agora não mais na condição de mestre, mas de jogador, afirmou que as verdades definidas não funcionavam bem para o que ele pensava da personagem e após alguns minutos, as coisas foram arrumadas.
[blogoma_blockquote]Quando estiver mestrando, seja como a água, se adapte, se molde ou simplesmente contorne os obstáculos.[/blogoma_blockquote]
Os personagens agora corriam por suas vidas, em um ambiente caótico, sem entender muito bem o que estava acontecendo. Reunidos ao acaso, precisam seguir para um bairro chamado Alpha, onde ficam sabendo que, uma mensagem que interceptaram por acidente, poderia estar relacionado à planos de uma infiltração ao Céu, para mudar a estrutura de poder.
Eles conhecem um homem que pede que eles entrem em contato com um traficante para descobrir se ele será o executor dos planos de infiltração.
Um poderoso chefão
O grupo chega a um galpão e conseguem infiltrar-se. Ouvem os planos de invasão e esperam. Uma limousine blindada deixa o local e o grupo entra novamente. Dessa vez, na tentativa de infiltrar-se, acabam matando um soldado e quase capturam o chefe da quadrilha, mas após uma troca de tiros desajeitada, acabam conversando e conseguem infiltrar-se na organização, para subir ao Céu e ficam sabendo que precisarão pegar algumas armas em um galpão para fazerem a incursão.
Traição e traições
Com quase todos os detalhes arrumados, todos retornam para o mercador e contam a ele o que aconteceu, omitindo alguns fatos e inventando outros. O mercador diz que eles precisam ir pegar as armas uma hora antes.
Um teste dentro de um teste
Os personagens chegam ao galpão e conseguem chegar ao container com as armas. Eles conseguem pegá-las antes do outro grupo chegar, mas quando estão saindo, são surpreendidos e descobrem que os dois gangsters estavam na verdade testando-os para saber se eram confiáveis e poderiam realmente ir na missão para o Céu.
A narração terminou nesse ponto e então fomos falar sobre os pontos que considerei positivos e aqueles que poderiam ser melhorados para que a narração ficasse mais fluida.
Dei os exemplos do início, quando tudo era caos e não foi possível determinar exatamente o que estava acontecendo. A narração deve envolver os jogadores e dentro de uma premissa inicial, que pode ser quebrada (na maioria das vezes ela é quebrada), o mais importante é adaptar-se e manter a coerência, mantendo pontas soltas que possam auxiliar os jogadores a movimentarem-se e ajudarem a desenvolver a narrativa.
De uma forma geral, o realizado destoou muito do planejado, o que também foi uma grande lição, pois deu margem para improviso, o que gera um desconforto inicial, principalmente para quem nunca teve uma experiência atrás do escudo, mas que se incentivada desde o começo, garante excelentes situações.
Pelo menos um dos participantes da oficina está com uma mesa aberta, mestrando Vampiro: Idade das Trevas e tem relatado experiências positivas. Espero que os demais logo estejam mestrando e se divertindo muito nessa função.
Ao final da oficina, houve sorteio leilão de brindes.
Espero que mais eventos, visando a promoção do RPG em Macapá sejam realizados.
Parabenizo a Magic Mountain pela iniciativa e aos participantes por uma tarde agradável e uma excelente história contada.
Até a próxima.
Material em PDF
https://drive.google.com/file/d/0B1d50Womx-wmSTFVY1pVTGZHR1k/view
Prof. Gilson Rocha de Oliveira