Saudações, aventureiros.
No último artigo falei sobre como tenho tentado evitar frustrações em minhas sessões deixando bem claro que tipo de aventuras vamos jogar, se abertas e fechadas. Neste artigo, vou detalhar um pouco mais sobre esses dois tipos de aventuras e como elas impactaram diretamente na minha forma de narrar e nas expectativas dos grupos com os quais eu já joguei.
Meu primeiro contato com o RPG foi através do First Quest, lançado no Brasil pela Editora Abril. Na época, eu trabalhava em uma locadora de jogos e estava terminando o consórcio de um Super Nintendo, adquirido em dez meses.
Na época, eu já havia jogado todos os jogos que eram “novidade” e quando um amigo falou em um jogo, que era jogado com livros, dados e a imaginação, não pensei duas vezes, vendi o vídeo game assim que o recebi, para poder entrar em um mundo épico de fantasia.
Comprei um jogo chamado RPG. Para jogar usamos livros, dados e a imaginação. Vamos jogar no domingo?
Assim como eu, muitos outros jogadores foram moldados por produtos como First Quest, reproduzindo, alguns até hoje, a estrutura de aventura apresentada naquele produto, portanto, é ela que utilizarei para falar sobre os tipos de aventuras: fechadas e abertas.
Aventuras fechadas ou “vamos zerar aquela aventura?”
A história começa com os personagens na cidade, na Taverna Dragão Vermelho. É um lugar agitado, repleto de pessoas bebendo, músicos tocando e cidadãos jogando dardo. A cidade está tranquila. Tão tranquila que os heróis não tem como aventurar-se.
Este é um trecho da introdução da aventura A Tumba de Demara, primeira aventura do First Quest. Os personagens encontram-se em uma taverna, sem absolutamente nada para fazer a não ser beber, divertir-se com a música ou jogar dados com os locais. Como está tudo tão tranquilo, o tédio é certo e os personagens não vêem a hora de alguém entrar pela porta da taverna anunciando alguma coisa com a qual eles possam se envolver.
Quando caçoar de camponeses arrogantes parece ser a coisa mais interessante a fazer, um trompete soa na rua. É o porta-voz da cidade que tem notícias importantes!
Ouçam todos! Ouçam todos! Uma terrível tragédia abateu-se sobre nossa cidade. O Grande Mago Nethril precisa de bravos heróis para uma missão perigosa. Se houver um ladrão, guerreiro e mago bravos o suficiente para realizar esta tarefa, que me sigam até a torre do mago.
Confesso que me arrepio quando leio este trecho ou ouço o áudio. Isso faz parte da minha história como jogador. Foi ali, nessa missão que tudo começou… talvez por isso, pensei logo nessa aventura quando decidi escreve sobre o assunto.
Quando estamos jogando pela primeira vez, nós temos como único objetivo aprender sobre o jogo, e naquela época principalmente, precisávamos de algo que nos guiasse, quanto ao que fazer e como fazer.
Pergunte aos jogadores: “Vocês irão seguí-lo?”
Sim: Retorne ao CD e continue executando a faixa 3.
Não: Diga a eles para voltarem à taverna e ali permanecerem por algumas horas. Depois pergunte se desejam ir a torre de Nethril. Continue insistindo até que percebam que nada acontecerá enquanto não seguirem o porta-voz.
Definitivamente existe um trilho a ser seguido e os jogadores não podem sair dele. Se eles não seguirem o porta-voz, a aventura não acontece, nada mais acontece e todos são tomados por um terrível tédio e permanecerão para sempre na taverna, bebendo, ouvindo música ou dançando e jogando dardos.
As aventuras desse tipo são cheias de becos sem saídas e normalmente possuem apenas um caminho que leva a sua conclusão.
Se os personagens não concordarem com o preço, Nethril fica fica zangado e manda-os embora. (…) Diga aos jogadores que seus personagens estão novamente na taverna, entediados. As coisas vão continuar assim até que aceitem a oferta de Nethril. Quando isso acontecer, execute a faixa 4 e continue a aventura.
Os becos sem saída ficam evidentes em diversos trechos da aventura, onde, só será possível avançar se, e somente se, os jogadores seguirem um determinado curso de ação. Não tem escapatória. Ou você faz o que a aventura demanda, ou não tem aventura. Essa é basicamente a premissa de uma aventura fechada ou completamente railroad.
Gosto de comparar esse tipo de aventura a jogos de vídeo game, aqueles bem lineares, onde o personagem precisa atravessar a tela e chegar do outro lado da sala. São as aventuras que gosto de classificar como “aventuras para zerar” e foi esse tipo de aventura que me moldou e que acredito, moldou tantos quantos outros mestres.
Durante anos criei aventuras estruturadas, fechadas, que demandavam muito tempo e energia para serem escritas e que geravam grande insatisfação quando os jogadores, por alguma razão, resolviam não seguir os direcionamentos da aventura, estragando todo o esforço que eu fiz.
Eu detalhei as 43 salas do complexo de cavernas que vocês deveriam entrar para parar o mago maligno e vocês não vão entrar na sala?
Isso aconteceu várias vezes e em algumas delas, quando não usava um subterfúgio pouco honesto como uma horda de zumbis que empurrava os personagens para o complexo de túneis, simplesmente encerrava a campanha mais cedo e ia embora.
Quando a proposta do grupo é jogar uma sequência de aventuras, formando uma campanha que os fará evoluir, por exemplo, do primeiro ao trigésimo nível, possivelmente teremos pelo menos três arcos de campanha abarcando esta evolução e para cada nova aventura, o mestre vai gastar mais tempo e mais energia, pois quanto maior os poderes dos personagens, maiores serão os elementos que deverão ser gerenciados.
Nas campanhas de aventuras interligadas, baseadas em arcos prontos e cujo desenvolvimento não foi feito em parceria com os jogadores – a sua concepção – todos os objetivos dos personagens precisam estar ligados aos objetivos da aventura/campanha e não podem destoar muito para que não acabe gerando conflitos. Por mais que os personagens consigam moldar aquele mundo, não necessariamente o farão a partir de seus próprios objetivos.
Aventuras abertas ou “vamos explorar o mundo”
Denomino de aventuras abertas, aquelas que nos vídeo games chamamos de “mundo aberto”.
Nesse tipo de aventura, o mestre nos apresenta o mapa do reino e nos pergunta o que queremos fazer. Se quisermos, poderemos ajudar o Mago Nethril, podemos ficar na taverna bebendo e ouvindo música, podemos investigar o desaparecimento de pessoas próximo à floresta, seguir uma caravana para uma cidade a dois mil quilômetros dali, tudo isso sem o perigo de frustrar o mestre que preparou um gigantesco complexo de cavernas que não foi utilizado.
Então você quer dizer que essas aventuras de mundo aberto são mais fáceis de conduzir e não ficaremos frustrados narrando-as?
Infelizmente não! Eu não quis dizer isso. Eu nunca diria isso.
Em primeiro lugar, porque alguns amigos, ao imaginar um “mundo aberto”, imaginam logo cada detalhe para este mundo. Eles detalham cada construção, povoam cada sala e isso vai fazer com que eles passem a vida inteira preparando o cenário e nunca, nunca mesmo nesta vida, jogando.
As aventuras abertas são muito boas caso o grupo se proponha a desenvolver o cenário juntos, de forma colaborativa – e até isso precisa se encaixar no perfil do grupo. Os detalhes são sempre deixados de lado e improvisação poderia ser a palavra-chave para definir esse tipo de aventura.
Como qualquer atividade, também podemos nos frustrar, principalmente pela proporção que essas aventuras podem tomar. É um universo gigantesco, com incontáveis possibilidades e que precisam ser, de alguma forma gerenciados. Esse gerenciamento precisa ser feito de forma cuidadosa e sem exageros, para que de repente o mestre não se pegue detalhando elementos que jamais aparecerão na narrativa.
Um ponto interessante desse tipo de aventura, é que os personagens vão correr atrás do que desejam. O que vai se buscar na aventura, não é impedir que Tiamat seja libertada em Forgotten Realms… a menos que seja isso que os personagens desejem. Se eles julgarem que seguir uma caravana é mais importante, eles assim o farão.
Existe uma liberdade real para escolher os seus caminhos, embora alguns caminhos possam ser bem lineares.
Isso vai acontecer, principalmente, quando o mestre começa a misturar os ganchos de diversas aventuras fechadas, espalhando-as pelo cenário. Esses ganchos podem fisgar ou não os jogadores. O interessante é que, caso fisguem inicialmente, mas os jogadores não se sintam mais atraídos pela aventura, eles podem simplesmente cair fora e escolher outro gancho… ou simplesmente desenvolverem os seus próprios.
Liberdade de escolha acima de tudo. Desenvolvimento do personagem de forma que eles sejam realmente parte importante do cenário desenvolvido de forma colaborativa.
Alinhando as expectativas
Sempre que alguém me pedir uma dica sobre narração / condução de aventuras/campanhas, eu direi e irei repetir sempre: “alinhe as expectativas.”
O RPG é um jogo coletivo e cooperativo e é sempre interessante que se alinhe as expectativas de todos.
Após alguns anos mestrando, mantinha o mesmo padrão de narração de aventuras fechadas, mas me sentia extremamente frustrado quando jogava em uma mesa que o mestre usava o mesmo estilo. Eu queria escolher minhas próprias aventuras. Um caso típico de “faça o que eu digo, mas não o que eu faço.” Alguns anos depois, comecei a cogitar a possibilidade de perguntar aos jogadores o que eles queriam.
Há momentos em que queremos jogar uma aventura fechada, seja ela uma one shot ou uma mega-campanha, mas há momentos em que queremos jogar uma aventura aberta, na qual os personagens escolhem para onde ir e o que fazer.
Saiba que tipo de aventura o grupo quer jogar antes de começarem para que as aventuras possam render muito mais do que XP.
Também comecei com o First Quest!
Quanto ao exemplo retirado dela, entendi seu apontamento sobre aventuras lineares, mas hoje em dia nem considero esse primeiro exemplo muito como rail roading, isso demorou pra acontecer, mas hoje considero que a motivação para começar a aventura é um trabalho dos jogadores, se alguém me apresenta um personagem egoista que não se interessa em ajudar a vila que está em chamas, ele está sendo um mau jogador.
Isso, claro, levando em conta que deixei a premissa da aventura bem clara. Isso passa, como você fala, sobre perguntar para os jogadores sobre os interesses e dar uma espécie de sinopse “estou pensando em uma aventura onde uma mina de carvão que é fundamental para a cidade se manter no inverno parou de entregar sua produção, há algo estranho ocorrendo lá. Vocês tem interesse? Então façam um personagem que por alguma razão estaria motivado a investigar a mina”.
Isso vale até para aventuras de mundo aberto/sandbox, por exemplo, Curse of Strahd que estou mestrando é uma aventura mundo aberto, mas também depende do jogadores apresentarem personagens dispostos a atender o chamado da aventura para acontecer.
Obrigado, Pedro.
Quando pensei e classifiquei essa aventura como railroading, é mais devido a forma impositiva para que as coisas aconteçam.
Hoje sabemos que elas não precisam ser dessa forma, mas como primeira experiência, somos levados a crer que sim e acabamos sendo moldados dessa forma.
Abraços e continue nos acompanhando e ajudando nas discussões.