Após retomar oficialmente minha mesa de D&D 4E, fui levado a atentar para um fato simples, que particularmente não chamará a atenção do leitor, mas que ficará de qualquer forma registrada aqui no ForjaRPG.
Eu avisei aos jogadores que poderia lhes fazer a ficha dos personagens, poupando tempo e imprimindo-as, orientando-me por diretrizes de seus personagens na época que paramos de jogar. Como me mudei no processo, perdi as fichas, e elas acabaram se perdendo também um HD externo que eu tinha.
Dois jogadores disseram que fariam suas fichas, pois tinham o livro em português e isso facilitaria a coisa toda. Fiz a ficha de um dos personagens e um terceiro avisou que faria também a sua própria ficha, levando-a impressa ou no notebook para jogarmos. No início da sessão, marcada para às 19h do sábado, eu tinha três jogadores fazendo suas fichas, e sem a possibilidade de imprimir nenhuma delas para a sessão e os meus planos de iniciar o jogo tirando um pouco da ferrugem dos combates, acabou não acontecendo e eu me limitei a apenas narrar uma cena com os jogadores, nas quais os punha a par do que acontecera no cenário em 5 anos (in game), como alguns se afastaram e o que os demais estariam fazendo juntos e então fui tomado por esta elucubração.
Sua ficha não é seu personagem
O personagem que criamos estará confinado em nossa imaginação, e ficará assim, a menos que o libertemos em um conto (oral ou textual), livro ou algo mais dramático, como um live action por exemplo.
É claro que alguém pode discordar deste meu ponto de vista, mas, reitero que somente através das manifestações acima, podendo certamente me ter escapo alguma, é que conseguimos realmente libertar os nossos personagens, e a maioria dos RPGs não são o ambiente certo para fazê-lo também, principalmente aqueles nos quais o personagem é representado por uma ficha, que definitivamente NÃO É O SEU PERSONAGEM.
O que é a ficha?
A ficha de personagem, é sem dúvida alguma a maior limitação que se pode impor a personagens.
As fichas de personagem representam o corpo encarcerador, muitas vezes extremamente cruel, que limite as ações do personagem dentro de um sistema de jogo.
Drizzt, mais famoso e apelão personagem da Wizards of the Coast, assim como Elminster e outras centenas de personagens de RPG que também fazem sucesso em romances, jamais conseguiriam realizar um cem avos de seus feitos se estivessem encarcerados em uma ficha de personagem, jogando pelas regras dos sistemas.
Muitas pessoas com as quais converso, mostram-se vez por outra insatisfeitas com o sistema de jogo, e usam como argumento para explicar suas frustrações em relação ao sistema, a impossibilidade de criar algo que eles pensaram quando idealizavam seus personagens.
O sistema pode podar o que o seu personagem faz, sua ficha é uma representação do seu personagem, mas não é ele.
Se a ficha de personagem fosse o seu personagem, não se poderia adaptar um personagem para diferentes sistemas.
Jogando sem ficha
Tenho certeza que, da mesma forma que alguns mestres/jogadores, dizem que já jogaram sessões inteiras sem rolar um dado, só na interpretação, fazê-lo sem as fichas sucinta a mesma situação.
É possível jogar sem as fichas? Sim, claro, mas para o jogo fluir dentro do proposto, elas são necessárias, mas lembre-se que seus personagens JAMAIS serão tão épicos – mesmo em níveis épicos – como um Drizzt e um Elminster, a menos que o seu personagem também transcenda a ficha de personagem.
Para uma experiência de jogo sem fichas, eu aconselho o S/Lay w/Me, do Ron Edwards, cuja experiência pode ser libertadora, embora o próprio conceito do jogo seja diferente destes aos quais estamos acostumados, por tratar-se de um jogo para duas pessoas.
Muito bom o artigo e concordo 100% com vc. Vc conhece os RPG Este Corpo Mortal e Dust Devils? Já estão em português e acho que diminuiria essa frustração da qual vc fala. Outro bom RPG sobre isso, mas está em inglês, é o Sorcerer. Vale muito a pena dar uma conferida neles.
Obrigado pelo comentário Jester. Dos citados eu só nunca li o Sorcerer, que também é do Ron Edwards, assim como o S/Lay w/Me.
Hmm, não sei. Sou adepta do “se não tem regra, não tem jogo”. Em geral as pessoas tem essa idéia de que regra é pra podar, pra limitar, como se fosse algo ruim. Mas o conjunto de regras é o que faz o jogo ser o que é. Claro, regra demais deixa tudo muito chato, mas pra mim, a ficha é muito mais um guia do que um limitador, e também não define o personagem em sua totalidade… Transcender a ficha é muito mais interessante que bani-la.Sem ficha, só joguei pbem de interpretação. Mas ainda assim, a gente também precisava definir o mínimo: Personalidade, motivações, origens… O que era mais um guia pra lembrar a gente de como interpretar aquele personagem do que qualquer outra coisa. Sem isso, tenho certeza que esqueceria o que estava fazendo dentro de alguns dias 😛
Legal, Franciolli. Eu concordo em partes com isso tudo. A ficha, de fato, não é o personagem, ela é apenas uma representação mecânica, dentro daquele jogo, de certos aspectos do personagem, o resto, está na cabeça do jogador e dos outros que participam com ele.Aliás, no Bruxos & Bárbaros vai ter uma seção falando justamente sobre isso, já que muitas coisas vão depender da atuação dos jogadores e não só das estatísticas na ficha do personagem.
O personagem é, e sempre será, muito mais que o exposto na planilha, e isso deve ser posto à vista dos jogadores. Jogos como Shotgun Diaries e o criativo Dread são excelentes exemplos do jogo enquanto “transcedência da ficha e dados”.Interessante ver como seu artigo revela um grau de importância sobre os protagonistas, que condiz perfeitamente com um questionamento que levantei no seguinte artigo…http://aventurandose.wordpress.com/2013/04/07/bons-personagens-fazem-uma-boa-historia/Com certeza, uma discussão bem pertinente pode começar destes pontos… 😀
Concordo, nem tanto a terra, nem tanto ao mar. A ficha realmente não deixa você ser épico, quem deixa é o coração dos dados. Acho que é a combinação de uma ideia criativa, um mestre de cabeça aberta e um bom resultado que torna épica um cena. O problema e que a ficha acaba funcionando muitas vezes como um âncora para interpretação o que inviabiliza todo o processo. E nem todo mestre possui a sabedoria suficiente para jogar sem alicerces.
Mas será que é uma Troca mutuamente exclusiva, essa da epicidade narrativa e ficha de personagem? Será que a ficha está anotando as coisas “erradas” do personagem? Quero dizer, e se Força e Carisma forem menos importantes para epicidade narrativa que a opinião do personagem sobre o rei ou a última vez que ele temeu por sua vida?Concordo que jogando pelas regras, mesmo usando dados que só tiram 20, é impossível brincar de Drizzt ou Elminster em D&D. O sistema D&D simplesmente não comporta o tipo de aventura que os romances de FR apresentam.
Ou transcender a estes alicerces.
Então o problema não é a ferramenta, mas a pessoa que não sabe usar a ferramenta XD
comentei no post errado 😛
Um exercício mental sobre o assunto: imagine uma ficha muito simples constituída por uns poucos parâmetros descritivos (não quantitativos). É um sistema “com ficha”? Sim. Agora imagine que ao invés de estarem “materializados” em anotações num papel, esses mesmos parâmetros estão todos na memória dos jogadores e não há nenhuma folha de papel sobre a mesa. Ainda é um sistema com ficha? Eu acho que sim, mas não tenho certeza.Na minha opinião, o “x” da questão não é a ficha em si, mas os “parâmetros”. Porém, perceba que se o mestre chega num jogo que se propõe “sem ficha” e declara ” nessa história, todos os personagens devem ter algum tipo de segredo guardado”, isso já é um parâmetro. Fichas são a forma como um sistema “entende” um personagem. Se não existe RPG sem sistema (Ron Edwards), então talvez não exista RPG sem ficha. No s/lay w/me, vc poderia colocar um pedaço de papel na sua frente escrito: Herói, ou Monstro, ou Amante, e isso já delimitaria bastante do que vc pode e não pode fazer no jogo. Concordo que o personagem é MAIS que a sua ficha de personagem, mas não concordo que a ficha seja “uma limitação”. Se ela está sendo uma limitação, significa que o sistema que os jogadores estão usando não é apropriado pro tipo de jogos que eles pretendem jogar.Por último, não acho que exista essa diferença entre um personagem estar “na imaginação” e não “na ficha”. Pra mim o personagem está na “mídia” do RPG. Não acho que criamos um personagem “na imaginação”. Criamos um personagem através de um sistema, ou então não é um personagem de RPG. O RPG, na minha visão, não é uma forma de externalizar uma situação imaginária que tá dentro da nossa cabeça. O RPG acontece no discurso verbal, na marca no papel, no tabuleiro, na carta, na miniatura, na rolagem dos dados, no sistema.