No artigo anterior, A Partida e o Diário de Bordo, apresentei um contexto geral do início de uma campanha no estilo “Marcha para o Oeste” que pretendo desenvolver para o sistema Mythras, inicialmente utilizando a versão Imperativo (conjunto de regras rápidas) que será lançada agora em Dezembro pela Macaco Dumal.

Contudo, embora a ideia da campanha seja jogá-la com o sistema Mythras, ela pode ser facilmente adaptável ao seu sistema preferido.

Neste artigo vocês terão acesso ao depoimento do Capitão na Nau Paraíso, Vasco de Ataíde.


Todos estavam muito apreensivos com os preparativos para a viagem capitaneada pelo fidalgo Pedro Álvares Cabral, principalmente pela conversa que tivemos com o mesmo, alguns meses antes, após conversa com Dom Manuel.

Muitos aspectos da viagem seriam mantidos em segredo da tripulação, e somente alguns pilotos teriam acesso às mesmas informações que os capitães. A ideia de encontrar uma terra nova, como o fez Cristóvão Colombo iria consolidar o poderio português nesta guerra pela descoberta de novas e promissoras terras.

A armada de Pedro Álvares Cabral não era pequena. Cerca de 1.500 homens participariam desta aventura, que alguns a princípio acreditavam, iria se desenrolar na costa Africana e em direção à Índia. Nossas ordens porém, eram precisas, deveríamos cruzar o Atlântico em busca de novas terras.

As naus e caravelas foram abarrotadas de mantimentos, armas e esperança, para que pudéssemos chegar a uma nova terra e a partir de lá expandir o poder da coroa.

A Nau Paraíso, que eu deveria capitanear pessoalmente, levaria uma carga inusitada, ou pelo menos foi isso que nos foi dito.

Os marceneiros construíram um grande caixote e dentro dele foi colocado um esquife de prata vindo da região do rio Douro, e sobre o qual não tivemos a permissão de perguntar do que se tratava. Tínhamos apenas ordens expressas de afundar o esquife em algum ponto do oceano, depois que passássemos por Cabo Verde.

Diferente das outras naus, não levaríamos armas. As bocas de fogo foram seladas. Haveria espaço para mais alimentos e mais passageiros. Ao todo, deveríamos levar 300 pessoas, 100 a mais do que normalmente comportaria uma embarcação convencional, mas todos os ajustes foram feitos e a nossa capacidade chegaria perto das 500 toneladas.

Dois dias antes de nossa partida, a Nau Paraíso já estava com tudo a bordo, pronta apenas para o grande dia de nossa partida.

A lista que me fora passada, e que deveria ser conferida, e não divulgada a ninguém mais, contava com 75 homens e 225 mulheres. Dentre os homens, não havia ninguém da igreja, evidenciando claramente o que os padres diriam caso soubessem que levávamos mulheres conosco.

A maioria dos homens possuíam algum grau de parentesco com algumas das mulheres, sendo pais, irmãos ou esposos de algumas, enquanto outra parcela delas eram órfãs. A maioria delas tinha entre 14 e 30 anos e todas, sem exceção, vestiam-se como homens e tinham os seus cabelos cortados curtos. Durante a viagem seriam todas tratadas como marinheiros comuns, um tratamento ao qual elas se submeteram voluntariamente, muito possivelmente pela possibilidade de mudança de vida.

Embora estivesse sob as ordens de Dom Manuel, não podia entender toda a natureza dos segredos que rodeavam a nossa embarcação. Sentia-se profundamente incomodado com tudo aquilo e sabia que os meus oficiais também se sentiam da mesma forma, mesmo que alguns deles também fossem mulheres.

A benção do rei, não tirava o caráter subversivo que aquilo parecia ter.


Quando alcançamos o alto mar, mantive a Nau Paraíso sempre a uma distância segura para que algum observador mais atento não percebesse que a nossa tripulação era formada em sua maioria por mulheres, o que comprometeria as nossas ordens e poderia nos colocar em uma situação desconfortável com o Papa.

Uma coisa que me chamou atenção mais tarde, a medida que ia conversando com algumas mulheres em nossa embarcação, é que apenas uma parcela delas eram verdadeiramente portuguesas. As ciganas pareciam trazer um leve desconforto, em virtude das lendas sobre seu povo, mas com uma delas conversei mais de uma vez, o que me fez crer que tudo aquilo que falavam, poderia muito bem ser mentiras.


Na sexta-feira, dia 22 de março, muitos foram acordados com os gritos de espanto, quando figuras brilhantes saíram da água e flutuaram ao lado de algumas das naus. As figuras aproximaram-se da Nau Paraíso, voaram um pouco mais alto, quase à altura do convés e então afundaram novamente nas águas.

Algumas das mulheres a bordo, chamaram aquelas estranhas criaturas de guias e cochicharam que os ventos mudariam em breve.

Ignorei todas aquelas conversas, considerando-as nada mais do que superstições infundadas.


Depois que deixamos Cabo Verde, nos afastamos, vimos um esplêndido tapete azul brilhante se formando no oceano. Seu brilho se intensificando com o avançar da noite. Como nos alinhamos com o cometa, chegamos a pensar que aquele tapete azul parecia refletir a cauda do corpo celeste. Quando alinhamos perfeitamente a embarcação, com aquele tapete azul e a cauda do cometa, vimos para nosso espanto uma embarcação projetar-se a nossa frente, dirigindo-se diretamente em nossa direção.

Todos gritaram e nos seguramos para o impacto que não veio, e o céu limpo deu lugar a uma perigosa tempestade.


No nosso próximo encontro, detalharemos o primeiro grande desafio da tripulação da Nau Paraíso, diante da tempestade.

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Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.