As minhas primeiras experiências com RPG ocorreram na década de 90 do século passado. Meu primeiro contato foi com First Quest, um primo me apresentou o hobbie. Tabuleiro, dados, miniaturas e uma tecnologia que até então só ouvia falar, o compact disc (CD), contendo a trilha sonora e algumas narrações com vozes que complementavam a aventura. “Ouçam todos, ouçam todos!” era a cena que iniciava a aventura, mesmo com uma pessoa narrando o jogo o CD era parte daquele universo imersivo, que viria a se tornar uma experiência de contação de histórias.

Naquela época eram difíceis esses recursos, eu queria muito jogar com meus amigos da escola, mas parecia algo muito distante da nossa realidade. Falei a eles sobre o jogo, eles ficaram sem entender nada. Foi dai que bolei algo. Usando algumas fichas de papel prontas, um saco com números aleatórios, uma masmorra desenhada em papel quadriculado e vários elementos de Lufia, um RPG clássico do Super Nintendo (SNES), tive minha primeira experiência como narrador e também como designer de jogos.

Parte da experiência de jogar RPG é a própria experiência de mudar as regras, fazer novas regras e pensar em novas mecânicas que podem complementar o RPG como uma experiência lúdica significativa.

Homebrew, Regras da Casa, Regra de Ouro, Adaptações e até a Criação de Cenário, todos são termos e elementos que não são incomuns para quem joga RPG a algum tempo. Você já fez algo assim? Não duvido nada.

Nos aproximando mais da época atual narrei uma campanha de 3 anos de D&D 5E, no cenário de Forgotten Realms, onde buscava equilibrar as estatísticas dos personagens durante o combate usando a distribuições de itens mágicos. As armas e armaduras mágicas não proporcionavam bônus mágicos (+1, +2, +3), ao invés disso, cada item era pensado com habilidades que pudessem complementar o combate, apresentei essa ideia logo no começo do jogo, meus jogadores toparam.

Essa é uma das características mais interessantes do RPG: O jogo “nunca” está pronto para ser jogado. Diferente dos jogos eletrônicos, onde existe pouco ou nenhum espaço para que possamos mudar o jogo; ou dos jogos de tabuleiros, com suas especificidades; os jogos de RPG abrem espaço para que nós possamos coproduzir uma experiência personalizada de jogo.

Explicando melhor. O jogo está pronto, você compra o livro e ele tem um sistema de regras que podem ser seguidas à risca. Não obstante, nada impede que as pessoas possam altera-las e testar essas alterações. Dessa forma, mesmo em um jogo pronto e acabado, ele nunca está definitivamente pronto para ser jogado, sempre existe algo mais que pode ser complementado em uma experiência de design de jogos.

São poucos jogos eletrônicos e de tabuleiro que tem como premissa a incompletude. Jogos como Mario Maker tem a premissa de construir o desafio, este se aproxima mais de uma experiência de game design, mas quando você publica a fase, ela está pronta e acabada, se ela for alterada, é outro jogo. Os jogos de tabuleiro, principalmente os que usam mecânicas de draft, são mais abertos, você é capaz de montar sua própria experiência, de ter novas experiências, o que chamamos de rejogabilidade; com o mesmo jogo. No entanto, e diferente do RPG, esses exemplos são exceções e não a regra.

Não quero dizer, contudo, que existe o princípio do RPG como sempre inconcluso, você pode entender que seu jogo está pronto, acabado e jogar. Mas no RPG você pode mudar de ideia. Chego à conclusão de que entre os jogos eletrônicos e analógicos (por falta de uma terminologia melhor), o RPG de mesa, como conhecemos, seja o mais amigável para proporcionar uma experiência de game design a seus e suas participantes.

O game design, segundo Jesse Schell, diz respeito a aquilo que um jogo é e não é. Paul Schuytema vai mais a fundo, pensando o game design como a planta baixa de um jogo. Você funda as bases do seu jogo, normalmente, ao escolher um sistema para jogar e um cenário como base da narrativa.

Seu jogo é o que as escolhas feitas/consensuais apontam, tanto que nós podemos descreve-las e classifica-las: steampunk, alta fantasia, fantasia sombria e tantas outras classificações/gêneros de histórias podem ser contadas e inclusive alteradas (para isso temos a viagem planar, pensando somente em D&D).

TEDGlobal 2012 – Junho, 2012, Edinburgh, Scotland. Foto: James Duncan Davidson

Analisando mais a fundo essas questões de game design e pensando no que um jogo é, recorro a design de jogos estadunidense Jane MCGonigal. Ela afirma que, diferente do brincar, os jogos possuem quatro elementos distintos de outras manifestações culturais: Um sistema de regras, que limita as opções óbvias de jogar; metas, que geram um senso de objetivo; um sistema de feedback, que informa a quem participa o quão próximo/próxima está de atingir a meta; e a participação voluntária, que envolve aceitar os três elementos anteriores.

Nos jogos de RPG normalmente temos um tripé entre exploração, narrativa e combate. A exploração e o combate acabam sendo os elementos mais mecânicos, enquanto a narrativa, o mais imersivo. Assim, quando você escolhe, deliberadamente, modificar um monstro ou mesmo criar uma armadilha em uma floresta que o grupo está explorando, você está tendo uma pontual experiência de game design.

O mais interessante é que essa nova mecânica está sendo testada, você tem um feedback quase que instantâneo, podendo refletir sobre outras alterações que podem ser usadas no futuro. Não obstante, essas experiências pontuais de game design não estão apenas na exploração e no combate, mas também na narrativa.

Você já criou um NPC diferente dos que estão descritos nos livros de cenário? Você já alterou um NPC? Quando você faz isso está dizendo o que o seu jogo é, personalizando o seu jogo. Você está dizendo, mesmo que pontualmente, como será a planta baixa. São as mudanças impostas no jogo base por vocês narradoras e narradores, com a participação possível de jogadoras e jogadores, que tornam a experiência de jogar RPG, também uma experiência de game design.

Não quero, contudo, excluir jogadores e jogadoras da experiência de cocriar seu jogo, não obstante, observo que a maior parte das decisões sobre o que um jogo é e não é, estão nas mãos de narradores e narradoras. Isso é o que a minha experiência diz, e pode ser diferente, em uma investigação mais aprofundada. Por enquanto, mantemos essa hipótese aberta.

Seria falso dizer, a partir dos argumentos aqui levantados, que todos e todas somos então possíveis game designers. Quando alteramos algo que é criado temos uma experiência de coprodução, de um pontual game design, que muitas vezes não sai das nossas mesas. O que quero deixar claro é que o RPG é amigável ao game design, que nossas experiências podem proporcionar alguma rejogabilidade dentro do nosso hobbie, e que são importantes para que possamos criar experiências fechadas mais próximas daquilo que desejamos que nossas partidas de RPG sejam. Talvez o uso do termo game design não seja, portanto, tão adequado. Estamos falando aqui de redesign no RPG?

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