Em 2009, os fãs do sistema Basic Roleplaying (BRP), sistema de regras produzido pela Chaosium Inc., foram agraciados com um livro da série Monograph, intitulado BRP Witchcraft, que em 70 páginas apresenta diversos aspectos sobre a bruxaria e seus praticantes, bem como introduz uma nova profissão: a Bruxa.

Vou me apropriar da mesma estrutura do capítulo de introdução da referida obra para tratar sobre o lugar das bruxas em diferentes cenários e ambientações, o que nos dará mais combustível para falar sobre esses seres fantásticos.

INTRODUÇÃO

As bruxas e bruxos podem se apresentar de diversas formas nas narrativas, exercendo o papel da mulher ou do homem sábio da vila, que utilizam seus conhecimentos com as ervas para curar doenças ou causá-las; a anciã maligna que se disfarça da bela jovem para levar os homens à perdição; o feiticeiro viajante que vende talismãs e poções, sejam elas mágicas ou não. Mulheres e homens que fazem da bruxaria uma profissão.


Em BRP, as profissões são equivalentes às classes de outros sistemas, como o D&D por exemplo.  Essas profissões são definidas normalmente por um conjunto de perícias que as moldam.


AS BRUXAS NA SOCIEDADE

A feitiçaria pode ser utilizada para o bem ou para o mal, e a forma como as bruxas e bruxos são vistos pela sociedade, e sua forma de atuação (em segredo ou não), dependerá de sua reputação coletiva.

Independentemente da reputação dos praticantes da feitiçaria, uma coisa é certa: elas são pessoas que devem ser temidas. Mesmo as curandeiras, que empregam os seus conhecimentos, na maioria dos casos para salvar vidas, não devem ser desafiadas, pois também conhecem segredos que podem causar dor, sofrimento e morte.

O medo dispensado a essas pessoas pode se converter em respeito, mas também pode transformar-se em ódio irracional, fazendo com que simples camponeses empunhem tochas e forcados, levando os praticantes da feitiçaria à justiça divina no fogo purificador das fogueiras, tenham elas praticado algum mal ou não.

Dependendo da ambientação que você esteja utilizando, os praticantes da feitiçaria podem ser vistos e tratados de diferentes formas, que criam situações únicas que podem ser exploradas para a criação de narrativas fantásticas.

No D&D, a feitiçaria foi primeiramente tratada na Dragon vol. I nº 5, de março de 1977 – meses antes do nascimento deste que vos escreve – e foi contribuição de um autor, cuja identificação se perdeu nas correspondências. O artigo apresenta as bruxas como possíveis aliadas ou inimigas, mas não como personagem do jogador.

O tema voltou a ser abordado na Dragon vol. III nº 6, de novembro de 1978. O artigo escrito por Ronald Pehr, apresentava uma variante de classe para o mago, as Bruxas, e continha uma nota do editor, que acho válido apresenta. Em uma tradução livre diz:

Isso parece ser uma variante de classe bem pensada. No mínimo, poderá ser usada como uma excelente NPC ou mercenária/companheira. Para aqueles DMs suficientemente corajosos para experimentá-la, ela oferece uma personagem viável para damas; sejam suas irmãs, namoradas, jogadoras ou outras. D&D foi um dos primeiros jogos com apelo para as mulheres, e para mim, pelo menos, acredito que ele seja um jogo melhor por isso.

Confiram abaixo, algumas das possibilidades de ambientação e as características de cada uma delas, segundo o BRP Witchcraft.

AS BRUXAS NA SOCIEDADE DA IDADES DAS TREVAS

Em uma ambientação na Idade das Trevas, as bruxas serão as únicas curandeiras do local; médicos são raros e as escolas de magia que ensinam alta magia simplesmente não existem. Nesses casos as bruxas serão, normalmente, toleradas e protegidas pela comunidade local, porém, o medo que os praticantes da feitiçaria despertam, pode conceder-lhes um poder que os líderes locais não estão dispostos a compartilhar.

Essa mistura de devoção dos pobres e perseguição pelos poderosos, acaba levando as bruxas e bruxos a esconder sua natureza dos ricos, enquanto exercem sua profissão abertamente entre os pobres.

Mesmo que os nobres considerem a bruxaria crime neste período, a sua prática normalmente não será punida com a morte, sendo mais comuns a aplicação de punição física não letal.

AS BRUXAS NA ALTA IDADE MÉDIA

Em ambientações na Alta Idade Média e de alta magia, as bruxas passam a competir com escolas e magos especializados, embora ainda sejam a única forma de acesso dos pobres à magia.

A perseguição às bruxas iniciada pela nobreza na Idade das Trevas se intensifica nos ensinamentos dos sacerdotes ao povo comum, independente do sistema religioso empregado no cenário.

Em áreas rurais, que ainda empregam os velhos métodos, as bruxas e bruxos podem continuar gozando de seu status de salvadores do povo, mas em áreas onde os poderosos exercem um controle mais austero, até o povo as caça com fervor.

Esta seria a pior ambientação para a prática da feitiçaria, com a pena de morte, muitas vezes de formas realmente sádicas como punição para os seus praticantes.

AS BRUXAS EM UMA SOCIEDADE DE ALTA FANTASIA

Nessa ambientação, a prática da magia é muito mais difundida e normalmente os sacerdotes e a nobreza não se sentem ameaçados pelo fato dos camponeses terem a sua própria forma de magia.

As bruxas e bruxos são mais comumente aceitos pelos pobres e ricos, sendo normalmente os curandeiros locais, embora ainda sejam temidos e poucas pessoas se atrevam a desafiá-los.

A diferença entre magia negra e magia branca é entendida e difundida, existindo punições para a prática da magia negra, que é considerada crime.

AS BRUXAS EM UMA SOCIEDADE DAS NOITES ÁRABES

Nesse tipo de ambientação, as bruxas e bruxos são mais vendedores de amuletos e poções mágicos, operando em lojas fixas ou caravanas, do que curandeiros locais (visão mais europeia).

Eles são normalmente aceitos, mas sua propensão para o engano, faz com que poucas pessoas que não estejam desesperadas venham a fazer negócio com eles.

Nessa ambientação, a prática da feitiçaria não é ilegal, mas é vista como uma arte inferior, que atrai a antipatia das autoridades, o que leva seus praticantes a serem punidos normalmente pela tentativa de enganar as pessoas erradas.

AS BRUXAS EM UMA SOCIEDADE RENASCENTISTA

A feitiçaria é uma arte em decadência na Idade Renascentista.

A maioria das bruxas e bruxos foram oprimidos a tal ponto que, ou morreram ou não se atreveram a passar seus conhecimentos para a próxima geração.

Embora ainda sejam temidos pelas pessoas que entendem o seu poder, são normalmente ridicularizados por homens e mulheres educados. Em cenários de baixa magia, mesmo as pessoas mais simples podem ter perdido a crença na feitiçaria.

Os praticantes da feitiçaria não precisam agir em segredo nessa ambientação, mas normalmente o fazem, seja por paranoia ou por medo de parecerem primitivos.

A bruxaria está esquecida e as bruxas atuais são ignoradas, e embora sua prática possa ser um crime previsto nos livros das leis, é difícil vê-las sendo aplicadas.


Dadas as próprias características do contexto que envolve as bruxas, bruxos e a prática da feitiçaria, penso que nem todos os cenários de campanha de D&D se encaixam, sem esforço, na proposta, contudo, Ravenloft seria a minha escolha óbvia para narrar aventuras neste contexto, principalmente por possuir, em suas várias regiões, possibilidades de ambientações diferentes.

Sistemas como o Lamentations of the Flame Princess (LotFP) e Swords & Wizardry já possuem elementos que os classificam para a narração de boas estórias envolvendo o tema bruxaria.

O LotFP possui, inclusive algumas aventuras muito boas, embora não para o gosto de todos, que tratam do tema, como Better than any manNo salvation for witches.


REFERÊNCIAS

Byron, Alexander. BRP Witchcraft. Chaosium. Hayward, 2009.
Dragon Magazine. Witchcraft supplement for Dungeons & Dragons. Dragon Magazine, v. I nº 5. TSR, Lake Geneva, 1977.
Pehr, Ronald. Another look at witches and witchcraft in D&D. Dragon Magazine, v. III, nº 6. TSR, Lake Geneva, 1978.

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Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.