Acredito que fiquei um pouco preguiçoso quando o quesito é preparar aventuras de RPG, mas isso não me incomoda nem um pouco e nem me priva da diversão de uma boa aventura, onde quem faz boa parte do trabalho são os jogadores – um trabalho normalmente coroado com grandes interações.

NAS MINHAS EXPERIÊNCIAS (vou deixar isso bem enfatizado), também tenho notado que ao deixar os jogadores participarem da criação da aventura e de seus elementos, o nível de engajamento deles é maior durante as sessões, pois eles deixam de ser agentes passivos da construção do enredo inicial, para agentes ativos. Eles passam a jogar o que desejam, no máximo, com algumas modificações.

A seguir explico melhor como conduzo essas sessões inicias.

Quem vai jogar?

O primeiro passo nessa minha empreitada é solicitar que jogadores que já participaram de alguma mesa comigo, convidem outros jogadores para a mesa – e eles ganham pontos se convidarem alguém que nunca jogou RPG antes. A ideia é aumentar o número de jogadores e mostrar para eles que mestrar não é, de forma nenhuma, uma tarefa tão árdua como alguns dizem por aí.

Depois que alcançamos o número de jogadores necessários para a mesa, entre quatro e seis jogadores, passamos para o segundo passo.

Uma conversa informal

Quando todos os jogadores são arregimentados na instituição onde trabalho, acabo encontrando com eles na biblioteca e conversamos sobre o que eles gostam de ler (livros, quadrinhos, mangá), assistir (filmes, séries, documentários, animações), ouvir (não ignorem as referências musicais) e vou anotando tudo para buscar algo em comum – e sempre há alguma coisa em comum.

Baseado nesses elementos, apresento para eles algumas opções de cenário para que decidam qual ambientação preferem e só então escolho o sistema.

Quando o grupo é mais experiente e eu desejo testar sistemas, depois de escolherem a ambientação, apresento alguns sistemas que se encaixam na proposta e peço que escolham, algo que me dá uma grande liberdade para testar sistemas.

O próximo passo é…

Criação de personagens

Após encontrar pontos comuns nos gostos dos jogadores, que guiam a escolha deles pela ambientação e considerando que são iniciantes, a minha escolha pelo sistema, partimos para a criação dos personagens.

Nesse ponto forneço uma diretriz bem generalizada do cenário, sem entrar muito em detalhes, como essa descrição que usei no ano passado para iniciar uma minicampanha de Mythras, usando como ambientação a região de Velen:

[blogoma_blockquote]Conhecem o jogo The Witcher? Ou os romances? A aventura será ambientada em uma das regiões do jogo, mas nenhum jogador poderá jogar com um Wiedźmin.[/blogoma_blockquote]

Essa é uma descrição muito superficial e é perfeita para grupos que já se aventuraram pelo jogo, literatura ou mesmo o seriado polonês (os efeitos são horríveis, mas a narrativa tem grande valor). Claro, também posso ser um pouco mais específico, como essa descrição fornecida em uma aventura de Swords & Wizardry narrada também no ano passado para um grupo de novatos:

[blogoma_blockquote]A aventura se passa na região que vocês nasceram e cresceram. Mas envolve os arredores, nos quais vocês nunca se aventuraram. Pradarias, florestas e pântanos são pontuados por ruínas de civilizações antigas, cada uma delas escondendo mistérios e segredos.[/blogoma_blockquote]

Em nenhum dos casos eu forneci muitas informações. Em nenhum dos casos eu pedi aos jogadores que procurassem mais informações sobre o local ou lhes forneci mais informações e isso foi, com certeza, intencional.

Essas informações devem apenas nortear a criação do personagem: que tipo de personagem você vai fazer? Quais os objetivos do seu personagem? Ele tem familiares na cidade (base de apoio)? Qual a relação do seu personagem e dos demais membros do grupo? Vou anotando aquelas ideias que acho que podem render bons ganchos e anotando de lado, aqueles que não me parecem bons ganchos (ainda).

Esses ganchos que os jogadores vão lançando, as vezes de forma muito descontraída durante a criação dos personagens, pode render excelentes elementos narrativos que em algum momento aparecerão para premiá-los ou assombrá-los.

Dica / Lembrete / Apelo: Alguns sistemas não são muito amigáveis, pelo menos não inicialmente, na criação dos personagens. Algumas vezes são muitas escolhas, muitos pontos a distribuir e a necessidade de conhecer diferentes tipos de magia, que acabam atrapalhando o processo todo. Se você, como mestre (com um pouco de humanidade), sentir que isso pode ser um problema, colete todas as informações fornecidas pelos jogadores e então crie as fichas dos personagens, levando-as na sessão um. Mesmo criando as fichas você mesmo, o seu trabalho ainda será bem menor.

Não esqueça dos vínculos

Os vínculos em D&D 5th representam as conexões dos personagens com pessoas, lugares e eventos no mundo. Em Dungeon World os vínculos representam os sentimentos, pensamentos e histórias compartilhadas que reúnem os personagens e é mais no contexto do DW que eu gosto de utilizá-lo.

Como sou adepto do pensamento always split the partynão tenho muito problema em começar uma aventura/campanha com os personagens a milhares de quilômetros uns dos outros. Nesses casos, quando não existe um vínculo afetivo entre os personagens, o mais interessante é que o vínculo esteja relacionado a lugares ou eventos.

Caso os jogadores não consigam chegar a um denominador comum em relação ao vínculo relacionado a eventos, deixe que eles pensem mais um pouco ou desenvolva este vínculo mais tarde.

Com as fichas prontas…

Com as fichas prontas e muitas informação anotadas, começamos a sessão (que pode ocorrer em outro dia e horário) com cada um dos personagens dizendo onde estão e o que estão fazendo. Muitas vezes isso evita o clichê “vocês estão em uma taverna”. Quero deixar claro que não tenho nada contra esse clichê, já usei muitas vezes e espero usar novamente nos anos de minha velhice.

Permitir que os jogadores desenvolvam esse início da aventura os ajudará a sentirem-se mais engajados e criar ainda mais o sentimento de pertencimento à história em desenvolvimento. O cenário passa a ser verdadeiramente deles.

A essa altura, depois de muitas tempestades cerebrais, até mesmo o jogador mais tímido já vai estar mais a vontade, contribuindo ativamente dessa construção colaborativa.

Sinal de alerta: Invariavelmente podem surgir algumas ideias que não se encaixam na narrativa proposta, tudo bem mudá-la. O importante é que todos possam efetivamente colaboração na criação deste ambiente. Procure não descartar completamente as ideias que os jogadores lançarem, mas ajuste para que seja criado algo coerente.

Fazendo a pedra rolar

Os jogadores já disseram onde estão e o que estão fazendo, agora é hora de dar o pontapé na narrativa e para isso temos que definir o pano de fundo, que, dentre muitas possibilidades, pode englobar: desastres naturais (furacão, tsunami, seca, enxente, erupção de um vulcão, terremoto, incêndio florestal, epidemias, etc.), conflitos (guerra, tensão racial, étnica, etc.), mistério (indícios da atividade de cultos, desaparecimentos, coisas estranhas acontecendo, etc.).


Mas porque não definir isso antes?

Aqui estou apresentando como eu conduzo essa situação, você pode trocar a ordem, não fazer nada disso e ainda ter uma sessão só o sucesso. Só estou mostrando como a minha preguiça me permite fazer coisas que os jogadores possivelmente vão achar até mais interessantes do que se fosse eu a desenvolver.


A partir desse ponto, já temos todos os elementos da narrativa, que avança sem muito esforço, sendo necessário apenas ajustar o passo da aventura.

Boas aventuras!


Créditos das imagens

Destaque: The Sleeping Giant by Yngve Martinussem

 

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Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.