Os jogos eletrônicos podem nos inspirar. Alguns títulos nos inspiram muito e nenhum outro título tem me inspirado mais do que The Witcher 3: Wild Hunt e suas expansões Stone Heart e Blood and Wine.

Baseado nesta inspiração, no artigo de hoje vou apresentar uma ideia para aventura tirada diretamente de uma missão do Blood and Wine para D&D 5E.

Aproveitem.


Saudações, aventureiros.

No artigo O Básico Sobre Maldições fiz uma compilação das informações que aparecem nos livros básicos do Dungeons & Dragons 5th Edition e fiz referências ao excelente Domínios do Medo, primeiro livro de Ravenloft a ganhar uma versão traduzida no Brasil. O livro foi publicado em português em 1999 pela Devir, pelas mãos do Rogério Saladino, quase dois anos após o seu lançamento nos EUA.

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Na época do lançamento, o grupo com o qual jogava, engajou-se em uma campanha épica. Presos em Ravenloft, os aventureiros precisavam destruir todos os senhores sombrios do cenário para poderem retornar a seus lares. O mais interessante é que o mestre resolveu que faríamos isso na seqüência apresentada no livro.

Nossa mesa destoou do feeling do cenário, mas nos divertimos muito. Por um tempo.

Nossos personagens, ao chegarem em um domínio, precisavam (a) descobrir quem era o senhor sombrio (b) descobrir suas fraquezas e (c) confrontá-lo. No meio do caminho também íamos nos corrompendo, transformando-nos nos seres que combatíamos, o que ia reduzindo as chances dos personagens voltarem para casa.

Logo descobrimos que todos os personagens eram de alguma forma atormentados, amaldiçoados em algum nível e alguns jogadores perceberam que a destruição do senhor sombrio, não era necessariamente uma forma de garantir a sua redenção, mas qualquer curso de ação diferente do que estávamos tomando tornaria a jornada ainda mais difícil.

Eu desejei jogar aventuras assim!

Agora, que tal uma aventura envolvendo uma criatura amaldiçoada, direto da expansão Blood and Wine do jogo The Witcher 3: Wild Hunt para D&D 5E?


ERVAS PARA A HERBALISTA

A aventura começa na vila de Phandalin, na Costa da Espada, região do cenário de campanha de Forgotten Realms, onde os personagens podem ser residentes. A vila é descrita em detalhes no Starter Set de D&D 5E.

Danika Thomasson é a herbalista local. Ela sempre recorre ao druida Reidoth para conseguir ervas, porém, já faz alguns meses que o druida não vem a Phandalin. Necessitando coletar uma erva chamada celidônia, que utiliza para tratar tremores de alguns anciãos da vila, ela mesma resolveu empreender uma jornada a um antigo cemitério a quase um dia de viagem, voltando bastante machucada. Ela disse que foi perseguida por goblins antes de chegar ao cemitério e que conseguiu escapar por ter deslizado em uma ribanceira. Machucou-se muito, mas pelo menos não foi apanhada por aquelas criaturas vis.

Como não conseguiu a erva, ela pediu auxílio ao burgomestre, que autorizou a fixação de um cartaz no quadro de avisos em frente ao prédio. Existe uma recompensa de 10 p.o., uma vez que os anciãos da vila contam com isso para não terem acessos de tremores, contudo, essa ação é mais de caridade do que propriamente de negócios.


PARTE 1. FALANDO COM DANIKA

Caso desejem ajudar, os personagens tem que falar com a herbalista. Ela ainda tem algumas amostras da erva e apresenta aos personagens, caso eles não conheçam e faz um mapa improvisado indicando a localização do antigo cemitério onde as ervas podem ser encontradas. Ela relata o seu encontro com os goblins, afirma que foi perseguida por eles e se machucou na fuga, quando caiu e rolou uma ribanceira.

A casa da herbalista

A casa da herbalista

PARTE 2. SEGUINDO A TRILHA

Com o mapa improvisado entregue pela herbalista, os personagens encontrarão o cemitério após serem bem sucedidos em dois testes de Sabedoria (Sobrevivência) CD 10. Falhar em um dos testes significa que estão perdidos, podendo realizar um novo teste após 1d6 horas tentando reencontrar-se. Quando chegaram ao local determinado, não encontrarão a erva e um teste de Sabedoria (Percepção) CD 15 revelará que a erva foi colhida na noite anterior. Existem rastros que podem ser seguidos com um teste de Sabedoria (Sobrevivência) CD 15. Ser bem sucedido em dois testes leva os personagens até uma antiga mansão, cercada por uma névoa fina, a uns 20 minutos de caminhada a partir do cemitério.

PARTE 3. UMA MANSÃO NA NÉVOA

A mansão está muito deteriorada e alguns pontos em ruínas. Um pátio outrora muito belo, está cercado por mato e uma névoa densa. Um som metálico pode ser ouvido, vindo de todos os lugares. São colheres amarradas em cordões, que ao balançar ao vento parecem querer dizer alguma coisa. Uma mensagem talvez, indecifrável aos personagens.

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Na parede externa é possível ler as seguintes inscrições, repetidas diversas vezes:

[blogoma_blockquote]

“Ninguém poderá jantar ou sentar ao seu lado à mesa.
Nenhuma colher será capaz de saciá-la.
Nunca mais desejará observar seu reflexo no espelho”

[/blogoma_blockquote]

Caso o personagem seja treinado em Arcanismo e seja bem sucedido em um teste com CD 15, identificará na métrica e nos dizeres, um padrão que pode indicar uma maldição. Um personagem da classe Bruxo não precisa fazer o teste, identificará o padrão imediatamente.

PARTE 4. O INTERIOR DA MANSÃO

O mestre deve usar a imaginação para descrever a antiga mansão da melhor maneira possível, contudo, existem alguns elementos que precisam ser considerados aqui para dar o ar sombrio ao local.

4.1 MUITAS COLHERES

Existem colheres espalhadas em todos os cômodos da casa. Elas estão pendurada nos portais, dispostas aleatoriamente pelo chão. Algumas dessas colheres são prataria obras-prima, que valem algumas moedas, enquanto a maioria delas estão enferrujando ou são feitas de madeira simples.

4.2 COZINHA

Aqui é possível encontrar um diário manchado em meio as cinzas. Neste diário é possível ler várias entradas, referindo-se a dias diferentes:

“Já há alguns dias venho tendo momentos de tontura. Nunca senti nada parecido antes. Se persistir, ainda que eu não suporte bruxaria ou feitiçaria, terei que consultar um herbalista.”

“A tontura não passou. Para piorar, agora também sinto dores,e tão fortes que às vezes fico sem enxergar.”

“Consultei um herbalista. Uma velha caquética e repulsiva que me olhou como se estivesse vendo um monstro. Deu-me uma mistura amaldiçoada qualquer que preciso beber duas vezes ao dia. Não está ajudando em nada.”

“Hoje, como em todos os outros dias, olhei-me no espelho e fiquei sem palavras. Costumo conferir se não tenho nenhuma ruga ou olheira sobre os olhos, mas hoje… não tenho olheiras, mas seria melhor se tivesse. Pelos estão crescendo em meus seios. É horrível. Só pode ser por conta daquelas malditas ervas…”

4.3 QUARTO

Em uma outra sala, sobre uma mesa, logo abaixo de um espelho quebrado, há uma carta onde se lê:

Prezado mestre Levassieur, 

Sei que ganha a vida há anos rastreando foras-da-lei. Tenho uma tarefa atípica para você. Você deve estar se perguntando por que o fiz vir até aqui e por que não podemos nos encontrar em pessoa. Pois bem, acontece que, em minha presente condição, qualquer tipo de contato é bastante arriscado, nem tanto para mim, mas para a pessoa com quem me encontro. Mas deixe isso de lado, a chave da questão é que estou sofrendo de uma maldição ou (o que espero que seja, e o motivo de ter recorrido a você) de efeitos colaterais de um remédio administrado a mim por uma herbalista há algum tempo.

O problema é que pouco após tê-la visitado, ela desapareceu sem deixar rastros. Desejo desesperadamente descobrir a verdade sobre minha doença, motivo pelo qual o estou contratando. Quero que encontre uma certa mulher que costumava ganhar uns trocados com seu herbalismo por estas paragens. Quando a encontrar, consiga o máximo de informações que puder sobre o remédio que ele me receitou. Se meu sofrimento for resultado de sua perversidade, obtenha um antídoto dela. Você não irá se arrepender, sou abastada e não serei sovina quando chegar a hora de pagar os seus serviços.

Caso descubra que meu sofrimento não é culpa da herbalista, peço que deixe-a em paz, porque significará que estou nas garras de uma terrível maldição da qual apenas os deuses poderão me livrar e a qual deve ter sido lançada sobre mim por um certo pedinte que veio à mansão em uma noite em que eu estava recebendo alguns amigos. Se encontrar aquele vadio, recompensarei-o em dobro. Infelizmente, de características marcantes que poderiam ajudá-lo a encontrá-lo, recordo-me apenas de que vendia espelhos. Sei que não é grande coisa, mas é algo, o que é melhor do que nada. Confio em seus significativos talentos e desejo-lhe uma boa sorte.

Marlene de Trastamara.

4.4 SALA DE JANTAR

A antiga sala de jantar possui sinais de que não é usada a muitos anos e nela descansam três esqueletos juntos a mesa. Caso algum dos personagens deseje investigar, poderá encontrar algumas informações úteis:

(a) Um dos esqueletos está intacto, não apresentando nenhum sinal de violência, podendo ter sido morto por sufocamento;
(b) Um outro esqueleto possui um afundamento no crânio, indicando que sofreu um forte golpe na nuca;
(c) Um deles possui um pedaço do braço e a mandíbula quebrados, indicando que provavelmente foi forçado a comer.

4.6 A COZINHA DA CRIATURA

Neste cômodo que fica no sótão, existe uma cozinha em completa desordem. Um fogareiro no centro do salão apóia um grande caldeirão com alguma coisa que parece ser tóxica sendo cozinhada, e sobre uma mesa, várias ervas, incluindo a celidônia que eles estão procurando.

A criatura aparecerá na sala alguns minutos depois dos personagens, que podem ouvi-la aproximando-se e buscar locais para esconder-se.

Vulto-pintado.

Vulto-pintado.

Quando avistarem a criatura, eles podem fazer um teste de Inteligência (Arcana) CD 15. Caso sejam bem sucedidos, descobrirão a criatura é um Vulto-Pintado, uma criatura extremamente rara e que acreditasse extintas. As seguintes informações ficam disponíveis:

Nossa melhor defesa contra vultos-pintados é o silêncio e a calma.
– Fragmento de um tratado sobre vultos-pintados de Roderick Giligan 

Vultos-pintados são uma subespécie de vultos levados à extinção pelos bruxos. Eles são maiores do que seus parentes não pintados, e devem seus nomes às manchas e efusões que possuem na pele. Vultos-pintados geralmente vagam por cemitérios abandonados e regiões ermas, mas as vezes decidem viver em domicílios abandonados dos vivos. Sua maior paixão é criar misturas feitas de suas próprias emissões. Quando não perturbados, não demonstram agressão. Porém, caso sejam ameaçados, podem se tornar perigosos. Quando a temperatura cai, geralmente entram em estado de letargia.

O EMBATE

1. Lutando com a criatura: caso os personagens lutem com a criatura, utilize as estatísticas do Vulto (Wight, Monster Manual p. 300). Isso não será muito interessante.

2. Desfazendo a maldição: Para que a maldição seja desfeita, pelos menos um personagem deve (a) sentar-se com o vulto à mesa (b) comer a refeição sem colheres e (c) ver seu reflexo no prato após a refeição.

O DESFECHO

Caso sejam bem-sucedidos, o vulto, envolto em uma aura azulada, foge da sala, mas pode ser encontrada na floresta próxima da casa, não mais na forma de um vulto, mas de uma velha senhora chamada Marlene, que implora por um pouco de comida. Caso o vulto seja destruído, ele retorna a forma da velha senhora.

Marlene de Trastamara,

Marlene de Trastamara,


Espero que tenham gostado. Caso não tenham gostado, tudo bem, podem colocar as suas críticas de forma educada nos comentários e vamos continuar nos esforçando para trazer elementos interessantes para a sua mesa de jogo.

Até a próxima.

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Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.