Quem acompanhava o antigo fórum do ForjaRPG deve se lembrar de um tópico em que eu questionava os compels e sua utilidade em jogo. O forum ainda está ativo, mas por pouco tempo e sem a formatação, mas quem quiser pode ler diretamente o tópico. Recentemente eu li pela segunda vez o Fate Core e reli o capítulo dos aspectos do Dresden Files e mudei completamente de opinião.
Para entender onde entra o compel no sistema, é necessário explicar rapidamente a economia dos pontos de fate e compreender algumas decisões de design. A primeira parte dele são os dados. Fate usa os famosos dados fudge, ou 4dF, que apesar de terem uma curva de probabilidade bem parecida com os 3d6 do GURPS, possuem uma granularidade muito menor. O que isso significa é que +2 em um teste pode ser muito maior do que +2 no GURPS ou no D&D.
É por isso que a grande estrela do sistema são os aspectos, que ajudam a descrever seu personagem e podem ser invocados para ganhar este bônus de +2 no teste ou fazer uma rerolagem. Como explicado antes este bônus é bastante significativo, e para equilibrar os designers colocaram uma moeda. Essa moeda são os pontos de fate, que o jogador precisa gastar para poder fazer essa invocação.
Resumindo, os pontos de fate são então apenas uma maneira de fazer o jogador contribuir mais no jogo, a conseguir alcançar o que ele quer no jogo através de seu personagem. Um bônus de +2 que pode ser acumulado com bônus de outras fontes é realmente poderoso. E como eles conseguem isso? Usando seus aspectos para gerarem complicações na história, os compels.

Toda essa explicação foi necessária pois muitas vezes os compels são vistos isoladamente, como uma maneira de dar fate points, ou de interpretar o personagem em situações complicadas, quando eles são na verdade uma moeda de narração para os jogadores. Para tornar seus personagens incríveis e bem sucedidos na história, eles precisam passar por dificuldades e complicações, como acontece em qualquer boa história. As mecânicas foram criadas a partir deste princípio, e olhar apenas os números não traduz isso com exatidão.

Respondendo Minhas Críticas

No fórum, eu tinha escrito:

De acordo com o livro, os compels de eventos são do seguinte estilo: You are in ____ situation and have ____ aspect, so it makes sense that, unfortunately, ____ would happen to you. Damn your luck. ….
Um compel é basicamente o GM oferecendo um fate point para complicar a história, e jogador tem a chance de negar o compel pagando um fate point ao invés de receber um. O que isso significa é que ao invés de narrar as complicações e ver como os jogadores lidam com elas, no Fate core o GM está pedindo autorização para os jogadores para fazer X ou Y. Além da questão de pedir permissão, o que me incomoda é que em alguns exemplos no livro o compel pode substituir um teste, o que diminui o poder de decisão dos personagens e diminui a tensão.

Meu maior problema era justamente com o “pedir permissão”. Mas atualmente encaro isso de maneira completamente diferente. O GM ainda pode introduzir complicações na história normalmente, sem utilizar nenhum compel. No entanto, quando ele se utiliza da fraqueza do personagem para isso, o jogador tem a opção de fazer seu personagem resistir a tentação ou sobrepujar uma fraqueza para que neste momento uma possível complicação não ocorra na história. É mais uma forma de controle narrativo do jogador. Grande parte do apelo do Fate Core é esse grande poder de conduzir a história que os personagens tem, muito maior do que em outros RPGs, e recusar um compel faz parte disso.

A melhor maneira de encarar isso seria o GM perguntando para o jogador “Não seria legal se ____ acontecesse agora com seu personagem devido ao seu aspecto _____?”. Não importa se ele aceitou o compel e o ponto de fate, ou pagou o ponto para evitar a complicação, a comunicação já ocorreu entre os participantes, o jogo já ficou mais colaborativo. Na próxima vez, o GM já sabe que tipo de coisa o jogador encara bem e que coisa ele não gosta, e ele vai conseguir montar compels mais interessantes.

Sobre o próximo tipo de compel:

O segundo tipo explícito de compel tem a seguinte definição: You have ____ aspect in ____ situation, so it makes sense that you’d decide to ____. This goes wrong when ____ happens..Esse é ainda pior do que o anterior. Os flags são ótimos para planejar cenas e complicações como o GM, mas neste caso você precisa pensar como o personagem jogador agiria de forma negativa em cada situação, para então oferecer uma “escolha” para o jogador (que como eu falei anteriormente não é uma escolha caso o personagem estiver sem pontos de fate).
Trocando em miúdos, o jogador está cedendo o controle do personagem dele para o GM em troca de biscoitos, que por sua vez precisa estar sempre atento a qualquer coisa negativa que os PCs iriam fazer.

Quanto ódio no meu coração! Vamos por partes. Primeiramente, o GM sempre precisa estar atento às características dos PCs, para que o jogo seja relevante para eles. Isso não é um problema, isso é como o jogo deve funcionar de fato.
A outra parte é mais complicada. O livro é muito claro em dizer que este tipo de compel precisa ser usado com cuidado pelo GM, pois ele precisa ser algo que o jogador estava pensando em fazer de qualquer forma. Se o jogador achar que o personagem dele não faria isso, o GM não deve cobrar um ponto de fate do jogador por ele recusar. Isso é regra, está no livro, e melhora bastante o lado. Ele é basicamente um lembrete ao jogador: “Ei, lembra que você tem o aspecto Tentação por Coisas Brilhantes? Não faz sentido que você tente pegar algumas moedas do museu?”
Depois, como o livro deixa bem claro, o compel se baseia na complicação que vem da ação, não da ação em si. Se o jogador resolve roubar o taverneiro para interpretar seu aspecto, isso não é um compel. Já se ele resolve roubar alguém na festa e isso pode estragar todo o plano de se infiltrar entre os nobres, pode ser um compel.
Por fim, este tipo de compel eu vejo sendo mais utilizado retroativamente, depois que o próprio jogador fez ações que complicaram a vida dele ao interpretar os aspectos. Inclusive, é assim que o Rob Donoghue, um dos criadores do Fate, diz que joga com seu grupo.
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Escrito por Pedro Leone
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