Recentemente eu tenho lido o Mythic Iceland e me divertido bastante com a leitura. A descrição da cultura nórdica na Islândia é bastante interessante, e a escrita tem um ótimo ritmo. Mas não é sempre assim com livros de cenário. Alguns meses atrás eu tentei ler o Shadowrun e não consegui passar dos primeiros 30% do livro, de tão chato que estava achanado. Na época até pensei que tinha perdido o gosto por ler livros de RPG que falam de cenários, mas o problema não era exatamente esse.

Com o Mythic Iceland, eu consegui distinguir três tipos diferentes de material que estão em um bom cenário de campanha. O primeiro deles, e o que justamente não me interessou no caso do MI por eu não ter interesse no BRP, são as regras. Tire as regras do livro, e você terá dois tipos de conteúdo: cor e fontes de conflito.

As cores são todas as histórias, mitos, costumes, lendas cujo propósito é apenas descrever o cenário. Um bom exemplo disso é o tradicional capítulo de criação do mundo que está presente em quase todos os livros de cenário de RPG. Eles podem ser interessantes ou não, mas o fato é que não vai ser tão centrais assim para o jogo. O último e mais interessante tipo de informação são as fontes de conflito. Elas são as partes que inspiram diretamente os seus leitores a jogar. Algumas pessoas chamam de “ganchos de história”, mas esse não é o único formato possível para descrever possíveis conflitos.

No Mythic Iceland isso fica bastante claro quando o autor começa a descrever o sistema legal utilizado pelos vikings da época. É uma leitura bastante interessante, que pode até inspirar alguns GMs a criar aventuras onde esse seria um fator importante, mas a leitura é muito semelhante a uma enciclopédia. Mas logo em seguida o autor traz instruções diretas de como utilizá-las em jogo, sugerindo até mesmo possíveis manobras políticas que os jogadores poderiam tentar para obter vantagem. É o melhor dos dois mundos.

Falando metaforicamente, pode-se encarar as fontes de conflito como o desenho e as formas que serão feitas no quadro, que é o jogo. Mas se você não tiver boas escolhas de cores, mesmo o melhor desenho na moldura mais incrível vai perder seu charme. Já apenas cores sem forma, sem propósito, não tem tanta utilidade e tornam a leitura tediosa.

Ilustrando com exempos, isso é cor:

Lion é um pacado vilarejo que se encontra próximo do leito do rio Arryn. Com uma população um pouco maior que 200 pessoas, é um lugar calmo e sereno, não recebendo muitos visitantes fora da época da colheita. Seus pastos próximos cultivam uvas e trigo, mas a cidade é famosa mesmo por um tipo de queijo específico que é produzido apenas na taverna Leão de Prata. Durante as noites de sábado, a cidade se reúne no templo para pedir a benção de Tyr e em seguida vão para a única taverna para cantar, dançar, jogar cartas, tomar cerveja e, claro, comer queijo.

E isso é uma fonte de conflito:

Em um pacato vilarejo, uma maldição faz com que a cada 10 anos uma criança precise ser sacrificada para os espíritos malignos não atrapalharem a vida de todos os seus habitantes. Misteriosamente, durante o terceiro domingo do terceiro mês, uma das crianças acorda com desenhos profanos em seu rosto. É o sinal que ela foi escolhida para o sacrifício. Os personagens podem ser chamados para tentar quebrar esta maldição. Ou pior ainda, pra encontrar a criança escolhida, que está sendo escondida pelo pai, o chefe da guarda da cidade.

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Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.