Há alguns dias, sentado à mesa para uma sessão de Dungeons & Dragons 4E, relembramos alguns fatos inusitados em outros jogos e explicava aos jogadores porque não me sentia confortável em continuar uma campanha com o D&D 4E quando tínhamos sistemas que eram mais interessantes do meu ponto de vista.

Aquela altura eu já estava narrando uma aventura, que pretendia evoluir para uma mini-campanha utilizando o RuneQuest 6 e já tínhamos experimentado outros sistemas, como o Lamentations of the Flame Princess, Dungeon World e feito alguns playtests do D&D Next nos quais utilizei antigos módulos de aventuras de Ravenloft – meu cenário de D&D preferido, embora muito pouco jogado.

Em nossa conversa, relembramos uma aventura de LotFP, na qual um dos jogadores perdeu três personagens em duas sessões, sendo apenas uma das mortes digna de canções. Os dois outros personagens encontraram seu fim devido a comportamentos precipitados do jogador diante de uma situação à qual ele não estava mais acostumado: usar o bom senso!

Alguns sistemas (e narradores) privilegiam atitudes mais proativas dos jogadores, não permitindo que eles se deixem levar por mecânicas cegas, que se jogadas by the book não se diferenciam muito de um jogo de tabuleiro, o que para alguns grupos é exatamente o que se quer, para outros não. E para estes, o uso do bom senso é, no mínimo, essencial.

Em um determinado tipo de jogo, os envolvidos podem não querer fazer um belo discurso que impressione alguém, ele pode simplesmente fazer um rolamento, obter um resultado alto e simplesmente dizer que seu discurso, não proferido, foi suficiente para convencer os presentes de que determinada atitude deveria ter sido tomada. Existe algo de errado com isso? Eu acho que não, mas isso certamente fará com que os jogadores tenham determinadas predileções e sintam-se estranhamente desconfortáveis quando expostos a situações diferentes, como quando jogando algo onde o que importa são as ações verbalizadas do jogador e não uma jogada de dados, mas a utilização e articulação cuidadosa, dependendo de com quem se esteja falando, para alcançar um determinado objetivo.

Claro, que falar de forma articulada e eloquente tentando persuadir algum nobre em uma sessão de RPG pode não dar certo, afinal, para fazê-lo é necessário talento para realizar tais feitos, talentos que o personagem possui, mas que o jogador certamente não possuirá.

Lamentations of the Flame Princess é um RPG que preza mais pelas atitudes do jogador do que por jogadas de dado. Se você quer evitar uma armadilha, tem que dizer como vai fazê-lo e algumas podem ser evitadas sem nem mesmo uma jogada de dados, usando-se apenas o bom senso, vejam o exemplo:

A entrada frontal da torre é composta por duas portas metálicas. Em cada porta há uma maçaneta na forma de uma serpente e um grande batedor.

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Quantos aventureiros experientes, e com isso me refiro a jogadores experientes, ao entrar na torre de um mago, precipitariam-se a meter as mãos em uma maçaneta na forma de serpentes? E quantos, o fariam, tirando o cuidadoso especialista do caminho? Por um momento cogitei suicídio, mas não foi. O jogador simplesmente pensava que estávamos jogando um outro jogo, no qual seu personagem, com seus pontos de vida poderia ser salvo caso algo desse errado, ele não atentou para as palavras do mestre, antes de começar a jogar:

Este é um jogo extremamente mortal, que privilegia o pensamento dos jogadores e onde nem tudo mata provocando perda de pontos de vida. A vida dos personagens assemelha-se a chama de uma vela e qualquer corrente de ar pode fazê-la extinguir-se rapidamente.

Entrar na torre de um mago, já seria motivo para que qualquer bando de aventureiros ajuizados, se isso for possível, cogitar a possibilidade de serem, no mínimo, cuidadosos.

Após o personagem morrer envenenado em decorrência de um save or die mal sucedido, o especialista (equivalente ao ladrão), simplesmente usou seu bastão para abrir a porta, sem ativar a armadilha e sem correr o grande risco de perderem outro personagem. Quando convocado para o jogo, por telefone o jogador disse apenas:

Não vou mais jogar. Não me adaptei ao sistema

Fazer o que nesses casos?

O mais sensato, acredito, é buscar o meio termo, ou deixar MUITO claro qual a premissa do jogo (sistema) e enfatizar aos jogadores que seus personagens provavelmente achariam um determinado curso de ação arriscado. Pergunte várias vezes “tem certeza?” e isso, após algumas sessões, ou repetições em uma mesma sessão, fará com que os jogadores sejam mais cuidadosos, evitando determinadas situações.

Entenda que com isso não quero dizer que o mestre deva pegar na mão dos jogadores e conduzi-los pela aventura, de forma que não corram nenhum risco, isso não tem graça nenhuma, mas apelar para o bom senso dos jogadores é imprescindível, afinal, o único objetivo do jogo é que todos se divirtam e quando um não se diverte, alguma coisa precisa ser repensada.

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Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.