Por que uma história nos prende a atenção e nos deixa tensos e curiosos com o que vai acontecer? Será que nós realmente somos surpreendidos pela conclusão inesperada em todas as histórias que lemos? O que causa este tipo de reação é apenas o fato de que nós desconhecemos o final? Não seria mais fácil então pular diretamente para a conclusão do livro ou da série que estamos assistindo, para irmos direto ao que interessa?

Ora, isso não faz muito sentido: todos nós sabemos que o Batman vai superar os vilões no filme, que Jack Bauer vai acabar com a ameaça terrorista, que o Doctor vai salvar todo mundo final. Mas isso não nos tira a emoção e o suspense de ver excelentes e bem construídas histórias se desenrolando. Esta discussão foi iniciada no excelente episódio número 30 do Narrative Control sobre suspense, que por sua vez foi provocada por um texto do Vincent Baker.  De acordo com Vincent:

 

Suspense não vem de não saber a conclusão. Suspense vem de adiar o inevitável.

 

Isso é bastante claro em filmes, séries e livros. Mas nos RPGs tradicionais, não fomos ensinados desta forma. “Para conseguir o que você quer, você precisa ser bem sucedido no teste” é o que as regras falam. Mas e quando você não consegue?

Isso sempre ficou a cargo do julgamento do mestre, mas não é difícil inferir a conclusão direta. A maior parte das regras dos RPGs refletem e tentam simular (com diferentes graus de abstração) um certo realismo, uma relação de causa e consequência, do mundo real. Se você é forte, você causa ferimentos mais graves com uma espada. Cair de um lugar mais alto é mais doloroso. Então todos assumimos a conclusão direta: falhar no teste significa não conseguir realizar a tarefa. Deixamos assim o suspense do jogo apenas no sucesso ou fracasso do teste.

Isso tem um certo suspense, sem dúvida. Mas ele não é a única forma de suspense possível, e quando você junta isso com o GM rolando dados atrás do escudo e trapaceando, ele perde ainda mais a força. Existe outra alternativa, exatamente a que é utilizada nos filmes e séries: o herói protagonista vai ser bem sucedido em seu desafio. O que nós não sabemos é que o que ele vai ter que fazer para conseguir isso, qual será o preço que ele terá que pagar para conseguir o que ele quer.

Subitamente você pode deixar de utilizar a simulação física do mundo para julgar o sucesso ou fracasso do teste, e pensar de forma narrativa: o que intensificaria e dificultaria a história para estes protagonistas? Isso não é tão recente no design dos RPGs, mas ainda causa estranheza em muitos RPGistas tradicionais. E o pior ainda, nem sempre é fácil sair do modo de pensamento tradicional e reagir rapidamente de forma narrativa.

Existem duas partes importantes para isso: quando rolar os dados, e o que acontece em caso de falha. Em RPGs indies mas ainda um pouco mais tradicionais, como o Burning Wheel e Dogs in the Vineyard, é dado como conselho o “diga sim, ou role os dados”. As regras pedem que, caso você não consiga pensar em um conflito interessante e principalmente em uma boa complicação resultante do fracasso dos jogadores, você não deveria tocar nos dados. Apenas diga sim, e continue com a narrativa.

Isso funciona, mas nem sempre apenas dizer é o suficiente. Mas isso responde apenas a primeira parte: quando rolar os dados. A outra parte continua a cargo do mestre. Mas existem dois sistemas que foram além e conseguiram responder a segunda parte de forma bem engenhosa: Mouse Guard RPG e o Apocalypse World.

artEm Mouse Guard RPG, o trabalho do mestre é definir dois obstáculos para os personagens, e pensar em duas outras complicações que podem surgir em caso de falha nestes obstáculos. Esta é a primeira parte. Na segunda, o sistema define explicitamente que em caso de falha em um teste, o GM tem duas opções: fazer os personagens passarem no teste, mas com uma condição negativa, ou fazer uma virada na trama e colocar novas complicações. Você não é permitido pelas regras a simplesmente dizer “não”, e as regras também definem bem claramente como e quando realizar os testes.

Mas o Apocalypse World levou isso ainda mais adiante. Nele, e nos sistemas primos (Dungeon World, Monsterhearts, tremulus, Monster of the Week, etc), a regra deixa muito claro quando você deve rolar os dados. Apenas em situações carregadas de drama e de incerteza os moves são acionados e as regras do sistema aparecem. Perceba que isso é o bom e velho conselhor “diga sim ou role os dados” embutido no sistema. Os moves porém só dizem o que acontece em caso de sucesso, completo ou parcial. Em caso de falha, o MC (termo utilizado para o mestre) tem uma lista de MC Moves – situações e complicações narrativas que o mestre deve colocar em jogo caso o teste seja mal sucedido, o que responde a “o que acontece em caso de fracasso”.

Mas não importa se você não está jogando o Mouse Guard RPG ou Shadowrun: aprenda com as histórias que você mais gosta e utilize as regras e o sistema para complicar e criar situações interessantes para os personagens jogadores, e não para arremessá-los em paredes.

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Escrito por Pedro Leone
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