Ontem tivemos a segunda sessão de Burning Wheel, que aconteceu um pouco atrasada devido a problemas de agenda do jogo. Pra variar a sessão foi muito boa, mas como jogamos dia de semana à noite, acaba durando pouco tempo. Mas em 2 horas conseguimos fazer um duel of wits, e um Fight!, em que os NPCs foram devidamente esmagados pelos personagens.

Como é de costume, eu não irei fazer uma descrição completa da sessão, com o que ocorreu na ficção. Eu não acho divertido nem esclarecedor ler este tipo de reporte de sessão. Ao invés disso, irei descrever um pouco das dinâmicas e interações com as regras que ocorreram na sessão, e o que pôde ser aprendido disso.

Primeiramente, eu não fiz a minha lição de casa. Na primeira sessão, ficou bem claro quem eram os antagonistas dos personagens, assim como os principais personagens de apoio. Era esperado que os mais importantes fossem criados inteiramente, através do mesmo processo de criação de personagem (burning) que os PCs passaram. Os outros, poderiam ser descritos resumidamente em atributos e skills principais, mas todos eles precisam de beliefs. E isso é difícil! Ainda mais que não é apenas um belief, são três crenças diferentes. Quando você faz isso, você precisa necessariamente criar um NPC multi-dimensional, que acaba tendo mais motivações e interesses do que simplesmente “entrar no caminho dos personagens”. Fica de lição de casa para a próxima sessão!

Antes do início da sessão também resolvi que iria mudar minha postura como mestre durante o jogo. Ao invés de decidir arbitrariamente tudo que acontece a volta dos personagens, muitas vezes eu iria fazer pergunta aos jogadores para que eles criassem e descrevessem elementos do jogo. Essa técnica é descrita de leve no Dogs in the Vineyard, mas é bem explicada de fato como regra no Lady Blackbird (publicado no Brasil pela RedBox Editora). O nome dela é “Ouça e Faça Perguntas, Não Planeje“.

Eu imaginei que isso fosse causar estranhamento nos jogadores, e que eles iriam demorar para se acostumar com isso, então me planejei para começar fazendo aos poucos. Também decidi não “quebrar a ilusão” explicando isso antes, eu simplesmente comecei a fazer perguntas para eles. Muitas vezes eles me perguntavam alguma coisa, e eu simplesmente respondia de volta com “Não sei, o que você acha?”. Mas eu estava enganado! Eles se deram muito bem com isso, não precisaram de maiores explicações e simplesmente respondiam de volta com o que achavam interessante acontecer. O mais surpreendente foi que várias vezes eles me perguntavam alguma coisa, e quando eu perguntava de volta para eles, eles já tinham uma resposta na ponta da língua e respondiam com confiança algo que fazia sentido na ficção e que não tinha motivo nenhum para que eu questionasse de volta. Pra mim isso foi só uma enorme prova de que essa técnica é funcional, útil e torna o jogo muito mais interessante para os jogadores.

Outra coisa que essa técnica me ajudou a perceber foi o meu papel como mestre no jogo e por que eu criei aversão ao “GM-Fiat” que descrevi neste texto. Ao invés de ser o “Deus”, narrador ou juíz do jogo, meu papel como GM é simplesmente de criar adversidades, conflitos para os personagens, para que eles possam brilhar, para que eles possam colocar seus beliefs a prova e testar os nervos dos seus personagens e as decisões como jogador. Repare que nisso não tem espaço para “criar uma história” – ela está acontecendo durante o jogo o tempo inteiro através dos conflitos. Dessa forma também eu não tenho toda a responsabilidade de criar e descrever o mundo ao redor – em vários momentos essa responsabilidade foi dividida com os jogadores. Isso significa que quando ocorre alguma dúvida nas regras, eu posso como GM simplesmente perguntar para os jogadores e discutir qual a melhor maneira de lidar com isso.

Mais para frente no jogo, ocorreu uma aplicação de “postura de ator” prática que enriqueceu muito o jogo. Apenas para refrescar a memória:

[o jogador] toma as decisões para o personagem se baseando em vontades, motivações e conhecimentos do jogador, mas retroativamente justifica a atitude do personagem dentro do jogo.

Em um momento, dois dos três personagens descreveram como estavam seguindo um rastro para fora da caravana, que levaria até os suspeitos. O terceiro jogador parecia muito interessado na cena, tanto que imaginei desde o início que ele estava junto com os outros dois. Fiquei muito surpreso quando, em uma pausa na narração dos dois jogadores seguindo o rastro, ele me descreveu que “iria procurar os outros dois personagens, e como ele não iria encontrá-los, ele iria para sua casa cuidar da esposa”. Isso era o que fazia sentido na ficção, o personagem dele estava em outro lugar quando os dois decidiram partir. Mas eu resolvi perguntar para ele “Você, como jogador, não gostaria de ter ido com eles?”. Depois da afirmativa, nós conseguimos (em grupo!) justificar retroativamente um motivo que faria com que o personagem acabasse se juntando aos outros dois fora da caravana. A decisão foi tomada em metagame, mas foi justificada retroativamente na ficção, com a intenção de melhorar a história de acordo com a vontade e conhecimento do jogador. Foi excelente!

Em mais dois momentos eu segui a regra do “Diga sim ou role os dados“. Os jogadores descreveram suas ações, perguntaram o que iriam rolar e qual a dificuldade, e eu simplesmente disse que não precisava rolar nada. Em um momento, era uma cena de investigação bastante simples, em que simplesmente descrevi para o jogador o que ele estava procurando. Em outro, eu declarei “Vocês não precisam rolar dado para isso. Simplesmente me descrevam o que vocês fazem”. Em nenhum dos dois momentos exisita algum tipo de fracasso interessante, nem os dados iriam enriquecer a narrativa. Eles foram então sumariamente ignorados, o que em minha opinião ajudou bastante.

Pouco depois, os jogadores pediram para fazer um teste de furtividade. Determinamos as dificuldades, imaginei quem poderia ouví-los e rolamos os dados. Na mesma cena, eles fizeram algumas outras ações se aproximando do lugar, ações que quase me fizeram pedir para rolar novamente a perícia. Resisti bravamente e até falei para os jogadores “Normalmente, eu pediria para vocês rolarem novamente a perícia. Mas o sistema fala claramente que isso não é necessário, então apenas interpretem seus personagens sendo furtivos que o teste único vale para toda a situação”. Assim como o “diga sim ou role os dados”, essa regra (chamada Let it Roll) também facilitou o jogo tremendamente.

Em seguida rolaram um Duel of Wits e o primeiro Fight do jogo. Não acho necessário descrever cada um, mas o Fight acabou muito mais rápido do que eu imaginava. A personagem da Mari fez um Fire Breath que matou os dois inimigos instantaneamente logo no início da batalha. Isso confere com o design do jogo, em que as magias são poderosas, mas você corre um risco enorme ao fazê-las.

Bem, por enquanto é só. A sessão de jogo foi muito boa e bastante instrutiva, mal posso esperar para jogar novamente. E dessa vez, com a lição de casa feita! 🙂

Compartilhe:
Escrito por Pedro Leone
Stay a while and listen!