Os ventos frios batiam nas janelas produzindo uivos perturbadores que deixavam os moradores de Monte Dourado ainda mais perturbados. Algumas vezes era possível ouvir pedidos de socorro vindos do lado de fora, ou mesmo nomes sendo chamados em meio à ventania, mas ninguém se atrevia a sair.

Era solstício de inverno. O nonagésimo oitavo desde que a floresta se fechou e ninguém nunca mais entrou ou conseguiu sair de Monte Dourado. Pelo menos nunca mais alguém conseguiu sair e retornar, não completamente diferente.

Daquele tempo não restou mais nenhuma testemunha, mas os relatos passaram de pai para filho e muitos acreditam nessa estória.

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Dizem que há quase cem anos, no solstício de inverno, três crianças desapareceram misteriosamente. Os pais das crianças em desespero clamaram pela ajuda dos outros moradores que começaram uma busca frenética pelas crianças e encontraram rastros de sangue na floresta e seguindo-os chegaram à casa da bruxa Yvone a parteira e curandeira da vila, que alguns suspeitavam, também praticava a bruxaria.

Um grupo invadiu a casa da mulher e viram um das três crianças em sua casa, sangrando no chão, com um profundo corte no pescoço. Certos de que a mulher era responsável pelo que acontecera demandaram respostas, mas a mulher dizia que havia ouvido os gritos da criança na floresta e ao chegar a viu caída, levou-a para sua casa e estava tentando salvá-la e não viu as outras duas crianças, mas o ódio cegou e deixou todos surdos e a mulher foi arrastada para o centro da cidade sob acusações de bruxaria e pacto com demônios.

Uma fogueira foi armada imediatamente na praça da cidade e a velha amarrada numa estaca. O prefeito, dizem, tentou impedir a barbárie, mas foi contido. A velha gritava que ela tentara salvar a criança e que não a estava ferindo, mas tochas foram acesas e jogadas em direção a fogueira, que logo fez suas chamas lamber a carne da velha senhora.

Em sua agonia, ela viu duas crianças ao longe e amaldiçoou a cidade dizendo:

“O sangue derramado alimentará a seiva de vossa clausura e enquanto o sangue não for lavado, novo sangue será tomado!”

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As crianças estavam em choque e não falaram por vários dias e quando finalmente falaram eximiram de toda a culpa a velha senhora, dizendo que ao brincarem próximo da floresta foram perseguidas por uma criatura de sombras. Elas correram e acabaram se separando, tendo a criatura perseguido a outra criança.

Com medo, elas se esconderam e esperaram até acharem que estavam seguras e quando chegaram a cidade, viram toda a movimentação, mas sentiram mais medo e mesmo sabendo que a velha não era a culpada, não se aproximaram até que a fogueira já estivesse acesa.

A partir daquela noite, a floresta se fechou ao redor da cidade de Monte Dourado e até mesmo o rio, numa certa altura, apresentava uma terrível névoa que desorientava e confundia aqueles que nela entravam, fazendo com que eles acabassem retornando para as margens.

A cidade tornou-se uma prisão e por 98 anos ninguém soube como sair.

Até agora!

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Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.