Enquanto o resumo não vem, traduzi o Prelúdio do primeiro volume da Trilogia Lady Penitent – The Sacrifice of the Widow.


Duas divindades se encaram através de um imenso abismo: um portal entre dois domínios. Lolth e Eilistraee, mãe e filha. Deusa da escuridão e crueldade, deusa da a bondade e da luz.

Eilistraee está nua na floresta, banhada pela luz da lua. Galhos grossos com pedras da lua branco-azuladas do tamanho de maçãs se entrelaçam formando um abrigo sobre sua cabeça. A deusa está nua, seus cabelos prateados, na altura dos tornozelos flutuando sobre uma pele negra aveludada como o fluxo de luz da lua líquida. Um par de espadas flutuam no ar, uma em cada lado. Suas lâminas prateadas vibram suavemente, a mistura de sua música produzindo o som de vozes femininas levantando-se numa canção sem palavras. A face de Eilistraee tem uma aparência orgulhosa e perfeita. Aquelas poucas sacerdotisas que viram sua face diretamente são capazes apenas de lembrar-se, entre lágrimas e soluços, que ela é bela além de qualquer descrição. Seus olhos são o que aquelas mulheres mortais se recordam melhor: íris que possuem uma tonalidade mutável de azul, o resplendor elusivo encontrado nas pedras da lua.

Lolth, deusa das aranhas, está sentada em um trono de ferro negro, seu assento bulboso tão inchado como o abdômen cheio de ovos e apoiado por oito pernas segmentadas. Sobre ela, gritos de almas torturadas preenchem um céu tórrido negro e púrpura. Lolth usa sua forma drow – apenas um dos oito aspectos nos quais a deusa se fragmentou no final de seu Silêncio. Sua pele de ébano está vestida em fios sobre fios da seda das aranhas, trançadas entre si nas suas costas, até seus cabelos branco, semelhantes a ossos. Pequenas aranhas vermelhas caem de sua boca enquanto ela fala e dependuram-se em seu lábio inferior em finos fios de teia, que balançam na brisa pútrida. Seus olhos vermelhos brilham ao refletir as chamas dos Fossos da Teia Demoníaca, mas eles são os únicos pontos de luz em seu corpo. As sombras parecem dobrar-se ao redor dela como um manto.

Entre as duas deusas, estendido entre o portal, um tabuleiro de sava. No formato de uma teia e moldado a partir de um pedaço de madeira que faz parte da Árvore do Mundo e está separada dela ao mesmo tempo, o tabuleiro flutua sem peso aparente, mantendo-se suspenso por sua própria mágica. O jogo que se desenrola sobre o tabuleiro vem sendo jogado desde que os mortais respiram. Centenas de milhares de peças do jogo cobrem o tabuleiro circular, sendo a maioria deles Escravos. Uns poucos milhares possuem um mérito mais elevado: as peças das Sacerdotisas, Magos e Guerreiros.

O arranjo comum de peças brancas e negras não existe neste jogo. Todas as peças de Lolth são negras como a pele cor de ébano de um drow, assim como a maioria das peças de Eilistraee, ainda que a deusa conheça suas peças pelos sentidos. Cada uma delas contém uma alma.

Lolth manteve-se sentada em silêncio por vários turnos, como resultado de seu alto-imposto Silêncio. Durante aquele tempo, Eilistraee conseguiu tremendos ganhos. Pela primeira vez em muitas, muitas eras, ela se sentiu confiante da vitória, então, quando Lolth se mexeu e propôs a adição de uma peça adicional em cada lado, o interesse de Eilistraee foi despertado.

“Que tipo de peça?” ela perguntou cuidadosamente. Sua mãe era, acima de qualquer outro, traiçoeira.

“A Mãe.”

Eilistraee respirou profundamente. “Nós vamos entrar no jogo?”

Lolth acenou com a cabeça. “Uma batalha até a morte. O ganhador leva todos, com Ao como testemunha de nossa aposta.” Ela então deu um sorriso insultuoso dirigido a sua filha. “Você concorda com estes termos?”

Eilistraee hesitou. Ela fitou o tabuleiro, sua face esboçando linhas de compaixão, tristeza profunda e esperança. Isso pode terminar com isto, ela pensou. De uma vez por todas.

“Eu concordo.”

Lolth sorriu. “Então vamos começar.” Suas mãos deram forma a escuridão e malícia, criando uma aranha negra da meia-noite – outro de seus oito aspectos. Ela colocou a peça no tabuleiro, no centro de sua Casa.

Eilistraee moldou a luz da lua em uma figura brilhante como ela e a colocou no centro de sua Casa. Feito isso, ela olhou para cima – e viu algo que a surpreendeu. Lolth não estava mais sozinha. Uma figura familiar rastejou para a direita de seu trono: uma aranha enorme com a cabeça de um drow macho – o campeão de Lolth, o semideus Selvatarm. Ele dispôs sua espada e maça no chão e teceu uma forma igual a sua. Ele colocou-a no tabuleiro ao lado da peça de Lolth Mãe.

“Injusto!” Eilistraee gritou.

“Assustada?” Lolth escarneceu. “Você deseja render-se?” Ela inclinou-se para frente, como se fosse recolher as peças do tabuleiro.

“Nunca.” Eilistraee falo. “Eu deveria ter esperado isso de você. Jogue.”

Lolth reclinou-se em seu trono. Ela olhou o tabuleiro e então, casualmente moveu uma peça para frente. Um Escravo, o capuz de seu piwafwi sombreando seu rosto, uma adaga presa às suas costas. Fios de teia das mãos de Lolth grudam na peça e então se rompe a medida que a peça é movida, produzindo um pouso suave.

Lolth senta-se preguiçosamente no seu trono, e diz, “Sua vez.”

Um movimento furtivo por trás de Lolth chama a atenção de Eilistraee. Uma figura espreitando nas sombras de seu trono. Um drow macho excepcionalmente bonito, com a metade inferior de sua face escondida por uma fina máscara negra: Vhaeraun, irmão de Eilistraee. Teria ele colocado uma peça no tabuleiro – e se sim, de que lado? Ele é muito mais inimigo de Lolth que de Eilistraee.

Talvez ele só quisesse distraí-la.

Ignorando-o, Eilistraee estudou o tabuleiro de sava. Ela podia ver agora por que seu irmão poderia ter desejado tirar sua atenção do jogo. Lolth havia feito um movimento imprudente, um que deixou a peça de um Escravo completamente exposto. Ela poderia ser facilmente tomada pela peça de um Mago de Eilistraee – uma peça que entrou em jogo apenas recentemente. Ela ergueu o Mago do tabuleiro, ponderando sua força e vontade em sua mão. Então ela o moveu para frente. Ela baixou a peça, empurrando a peça de Lolth de lado.

“Mago toma Escravo,” Eilistraee anunciou. Com seus dedos delgados, ela removeu a peça de Lolth do tabuleiro. Seus olhos se arregalaram quando ela percebeu suas capacidades e notou que ela era. Não era uma peça de Escravo.

Lolth inclinou-se, seus olhos em chamas. “O que?” Seus punhos agarraram as pernas nodosas de seu trono. “Esse não foi o local onde eu coloquei…”

Ela olhou atrás de seu trono, mas Vhaeraun não estava mais lá.

Eilistraee escondeu seu sorriso enquanto Lolth voltava-se para o tabuleiro, um franzido profundo na testa enrugando-a. Então, abruptamente, o franzido desapareceu. A Rainha das Aranhas gargalhou, uma gota fresca de aranhas cascateando de seus lábios.

“Péssima jogada, filha” ela disse. “Seu movimento de contra-ataque impulsivo abriu um caminho direto ao coração de sua Casa.”

Lolth inclinou-se para frente, alcançando a peça do Guerreiro colocada por Selvatarm no tabuleiro. Ela o moveu ao longo da linha que levava à Mãe de Eilistraee. Atrás dela, Selvatarm assistia atentamente, olhos brilhando com crueldade acima das armas que ele segurava cruzadas contra seu corpo aracnídeo.

“Você perdeu,” Lolth regozijou-se. “Sua vida está perdida e os drow são meus.” Com seus olhos brilhando em triunfo, ela baixou a peça no tabuleiro. “Guerreiro toma –”

“Espere” Eilistraee gritou.

Ela tirou um par de dados que se encontrava no canto do tabuleiro sava. Dois octaedr
os perfeitos de obsidiana negra, cada um exibindo um brilho de luar capturado dentre dele: uma centelha da luz de Eilistraee dentro do coração negro de Lolth. O dado era marcado com um número diferente em cada lado. O um era uma pequena aranha, com as pernas alargadas.

Os dados chacoalharam nas mãos fechadas de Eilistraee como ossos se tocando em um vento frio. “Uma jogada por jogo,” ela disse. “Eu clamo a jogada agora.”

Lolth parou, a peça do Guerreiro na forma de uma aranha quase escondida pelas teias que laçavam seus dedos. Um olhar de inquietação tremulando em seus olhos vermelhos e então desapareceram.

“Uma jogada impossível,” ela sorriu maliciosamente. “A possibilidade de não obter duas aranhas é tão grande quanto o Abismo é profundo. Corellon poderia esquecer nossa traição e nos chamar de volta para Arvandor se você conseguir essa jogada.”

Ódio girou nos olhos azuis de Eilistraee. “Nossa traição?” ela replicou. “Foi a sua magia negra que perverteu minha flecha no meio do caminho.”

Lolth deu de ombros. “Ainda assim você aceitou o exílio sem protestar. Porque?”

Eu sabia que poderia haver alguns entre os drow, a despeito de sua corrupção, que poderia entrar na minha dança.”

Lolth reclinou-se em seu trono, ainda segurando a peça do Guerreiro. Ela balançou a mão desdenhando e fios de teias flutuaram com seu movimento.

“Lindas palavras,” ela disse com imenso escárnio, “mas a hora da dança terminou. Faça a sua jogada”

Eilistraee segurou suas mãos em forma de concha como um suplicante, gentilmente balançando os dados dentro delas. Ela fechou os olhos, estendeu suas mãos no tabuleiro de sava e deixou os dados cair.

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Escrito por Franciolli Araújo
Esposo de Paula, pai de Pedro e Nathanael. Professor e pesquisador na área de mineração. Um sujeito indeterminado que gosta de contar histórias e escrever sobre elas e acredita que o RPG é o hobbie perfeito, embora existam controvérsias.