Quem vê minhas discussões RPGísticas no twitter, já sabe qual é a minha opinião sobre alterar resultado de dados durante o jogo. Antigamente eu era a favor – rolava todos os dados atrás do escudo, e alterava alguns resultados para tornar a história interessante, para evitar um massacre quando o monstro era mais forte, ou também para deixá-lo mais desafiador, se os personagens estivessem massacrando a oposição.

Acredito que é um pensamento comum entre os grupos em geral – O Mestre nunca trapaceia. Ele só altera as coisas em prol da história. Bem, se esse é o caso, por que se utiliza um escudo para esconder os dados ao utilizar esta técnica? Em alguns lugares é mencionado diretamente que “Tudo bem se o mestre alterar o resultado dos testes, desde que os jogadores não percebam“. Isso pra mim é uma grande falha de confiança entre os participantes. Afinal, se os jogadores não iriam gostar se soubessem, é que eles tem uma expectativa diferente da do mestre.

Alguns sistemas forçam o mestre a tomar estas decisões através do design do sistema e de seus desafios – quando todos os encontros são sobre vida ou morte, tirar um crítico nos dados é algo que pode alterar completamente o rumo de uma campanha. O Judd do blog The Githyanki Diaspora fez uma observação com a qual concordo completamente:

Se você está alterando o resultado dos dados, o seu sistema de jogo está falhando com você.

Afinal, se a história é importante o suficiente para você e para seu grupo, o que você está fazendo jogando um sistema onde apenas um 20 no dado pode matar o personagem de anos de jogo?

Além disso, uma coisa muito importante no estilo narrativo é de que uma jogada de dados não deve ser feita a menos que um fracasso no teste fosse produzir um resultado interessante. Se não for ter, nem peça o teste – simplesmente diga sim e continue com a narrativa. A questão é o diga sim, e não bloqueie a idéia do jogador e impeça ele de agir. Mas isso é outro assunto.

E foi com esse pensamento que mestrei a sessão de jogo de ontem. Antes de começar a primeira sessão de Burning Wheel, eu resolvi discutir com os jogadores os pontos do excelente Same Page Tool. Se você ainda não fez isso com o seu grupo, eu recomendo fortemente. E uma das perguntas é justamente sobre o papel do mestre:

O papel do mestre pra as regras é: 
a) …segui-las, aconteça o que acontecer (incluindo house rules).
b) …ignorá-las quando elas entrarem em conflito com o que seria bom para a história.
c) …ignorá-las quando elas entrarem em conflito com o que “deveria” acontecer, baseado no realismo, cenário ou gênero.

Eu perguntei para os jogadores, e a resposta em coro foi um sonoro “B”. Eu fiquei surpreso e expliquei minha posição, de que por que a minha resposta era “A” e se não era isso que eles queriam para o jogo. Mas quase todos continuaram falando que a história é mais importante do que as regras, e todo aquele papo que eu apresentei anteriormente. Perguntei então para os jogadores “Vocês querem que eu utilize um escudo e altere as jogadas dos NPCs para aumentar ou diminuir o desafio conforme for necessário na história?“. Todos responderam de uma só vez: não. Mas ora bolas, o que eles queriam dizer com isso?

Expliquei então mais uma vez toda a idéia do “diga sim ou role os dados“, de que um fracasso nunca empacaria a narrativa, e todos ficaram mais tranquilos. Mas ainda assim insistiram em dizer em certos momentos na narrativa que seria mais apropriado ignorar ou alterar as regras. Resolvi então deixar a resposta em aberto, para descobrir em jogo e enfim partimos para a sessão (que foi espetacular, mas isso também é outro assunto).

Tudo estava indo sem nenhum problema, até que a Mari falhou em um teste de magia. No Burning Wheel, quando ocorre uma falha no teste de Sorcery, coisas imprevisíveis acontecem. O sistema possui algumas tabelas que precisam rolar para determinar exatamente o resultado, mas geralmente é algo completamente diferente do que se estava planejando. O primeiro teste diz qual a natureza da falha. A Mari fez a rolagem desta tabela e tirou 1 – Invocação Indesejada. Esse era justamente o meu medo. A tabela de invocação indesejada tem desde demônios, criaturas, mortos-vivos até DEUSES. Sim, você pode invocar sem querer um Deus. Os detalhes são deixados para o mestre, mas nunca é algo benéfico para quem falhou no teste – sempre são complicações e twists na narrativa.

Eu gelei. O jogo estava tão bacana, e não tinha absolutamente nada a ver com deuses naquele momento. Eu imediatamente falei para o grupo que eu não iria rolar, que eu iria escolher, para não cair alguma coisa absurda. Os jogadores imediatamente apontaram o e dedo e falaram, justificadamente: “Olha aí um momento em que você está ignorando as regras para o bem da narrativa!“. Foi um ótimo tapa na cara, eu não tive nem resposta para eles.

Mas aí eu tive um “Momento Zen” como GM: Não importava o resultado, o jogo não iria acabar ali. Eu devo abandonar meu senso de controle para descobrir o que acontece. Nesse momento, peguei os dados e rolei a tabela – e foi uma enorme emoção pra mim descobrir qual seria resultado. O resultado final foi um “Restless Dead” – alguém retornaria dos mortos para ter vingança, o que fez muito sentido no jogo, além de ter criado uma cena muito interessante.

A sessão terminou pouco depois disso, e eu saí dele pensando que, mais do que nunca, a resposta  para a pergunta era que as regras deviam ser seguidas e o resultado disso era um jogo interessante. Mas poucos minutos depois, eu reparei que eu não fui procurar no Magic Burner quais seriam as regras para um “Restless Dead” – quais os atributos, “pontos de vida”, ou mesmo como funcionava. Eu inventei na hora e continuei o jogo. Será que isso não seria um tipo de trapaça? Eu não me sinto culpado de ter feito isso e o resultado final foi tão bom que eu fiquei pensando: Será que algumas vezes não vale realmente a pena alterar ou ignorar as regras para o bem na narrativa? 

Bem, eu só sei de uma coisa: só irei descobrir isso jogando mais. E que venham mais sessões!

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Escrito por Pedro Leone
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